O Estado de São Paulo, n. 44511, 30/08/2015. Metrópole, p. A21

Ciência do País vive pior crise em 20 anos

HERTON ESCOBAR

 

A crise econômica está batendo com força à porta da ciência brasileira. Não bastassem os ajustes fiscais, que reduziram o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 25%, e do Ministério da Educação (MEC) em 9%, o setor sofre com a perda de royalties do petróleo e o saque de recursos destinados à pesquisa para o pagamento de bolsas do Ciência sem Fronteiras, que em 2014 drenaram R$ 2,5 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). 

O cenário é o “pior dos últimos 20 anos”, segundo a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader. Sem dinheiro em caixa, agências de fomento estão cancelando editais e atrasando o pagamento de milhares de projetos.

A raiz do problema está no FNDCT, um grande portfólio de fundos setoriais que há décadas é a principal fonte de recursos de fomento à pesquisa no País. A partir de 2014, com a mudança nas regras de distribuição de royalties do petróleo, os recursos do pré-sal que alimentavam o Fundo Setorial do Petróleo (CT-Petro) passaram a fluir para o Fundo Social, que não é parte do FNDCT e não é dedicado à ciência. Com isso, o valor arrecadado pelo CT-Petro despencou de R$ 1,4 bilhão em 2013 para R$ 140 milhões em 2014 – e não deve chegar a R$ 30 milhões neste ano.

A arrecadação total do FNDCT, consequentemente, caiu de R$ 4,5 bilhões em 2013 para R$ 3,2 bilhões em 2014; e mais de R$ 1 bilhão desse valor foi reservado para o Ciência sem Fronteiras – algo que deve repetir-se neste ano. O quadro é agravado pela alta do dólar e pela recessão, que reduz a arrecadação de impostos e impacta o orçamento das fundações de amparo à pesquisa dos Estados.

“A situação é mesmo muito dura. Os editais de pesquisa têm ficado a seco”, diz Glaucius Oliva, pesquisador do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) e ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O orçamento do CNPq para este ano prevê um repasse de R$ 1,22 bilhão do FNDCT, mas só um quarto disso (R$ 330 milhões) foi recebido até agora. O conselho está retardando o pagamento de editais aprovados no ano passado e cancelando ou adiando a abertura de novas chamadas. Apenas 6 editais foram abertos neste ano, comparado a 51 em 2014 e 91 em 2013. 

A chamada para criação dos novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), de R$ 641 milhões, até agora não foi concluída, apesar do prazo para submissão de projetos ter-se encerrado um ano atrás. A tradicional Chamada Universal, aberta a todas as áreas de pesquisa, não deverá ser lançada neste ano, visto que o CNPq está tendo dificuldades para executar a chamada do ano passado, de R$ 200 milhões. Só R$ 50 milhões foram pagos até agora para mais de 5,5 mil projetos contemplados no edital. 

“A prioridade é pagar aquilo que já foi julgado, antes de lançar coisas novas, sem lastro”, diz Oliva, que deixou a presidência do CNPq em fevereiro.

Fila de espera. A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é uma dos milhares de cientistas aguardando pagamento. Ela teve um projeto de R$ 50 mil aprovado no Universal de 2014, mas só recebeu R$ 6,5 mil até agora. Um outro financiamento de R$ 79 mil, aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), também não foi pago. “O jeito é tirar dinheiro do próprio bolso para manter o laboratório funcionando”, diz. “Eu já me devo uns R$ 15 mil.”

Elibio Rech, da Embrapa, também está na fila, aguardando R$ 120 mil que foram aprovados para o desenvolvimento de um óleo de soja mais saudável. Até agora, só recebeu 10%. “Já tivemos crises, mas nunca vimos chegar a esse ponto. O Universal nunca deixou de ser pago.” 

Na esfera acadêmica, para não cancelar bolsas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do MEC precisou cortar 100% dos recursos de capital e 75% das verbas de custeio destinadas aos programas de pós-graduação de todo o País. "Tivemos de nos ajustar à nova realidade", diz o diretor de Programas e Bolsas da Capes, Márcio de Castro Silva.

 

MCTI negocia ‘resgate’ de US$ 2,5 bilhões do BID para a ciência brasileira

Dinheiro viria como empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ao longo de seis anos. Acordo ainda precisa de aval do Ministério do Planejamento e do Congresso Nacional.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) está negociando um empréstimo de US$ 2,5 bilhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para resgatar a ciência brasileira do estado de penúria gerado pela perda de receitas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

O banco já concordou com o empréstimo, distribuído ao longo de seis anos, mas o acordo ainda precisa ser aprovado pelo Ministério do Planejamento e pelo Senado. “Esse financiamento significa a expansão, consolidação e articulação do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, com impacto amplo em todo setor, incluindo as universidades, os institutos de pesquisas e as empresas”, diz o MCTI.

“A expectativa é ter tudo aprovado ainda neste ano, para começar a executar os recursos no ano que vem”, disse ao Estado a secretária-executiva do ministério, Emília Curi. “O retorno disso seria imediato para o País.”

Entre outras coisas, o empréstimo permitiria ressuscitar o edital dos novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), de R$ 640 milhões, cuja execução está ameaçada pela falta de recursos. A implementação dos projetos estava prevista para começar em abril, mas o julgamento das propostas nem foi concluído ainda.

“É um dinheiro nobre, para uma causa nobre, que vai ajudar a movimentar a economia”, diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o matemático Jacob Palis, que está acompanhando o processo — e torcendo para que ele dê certo. Ele lembra que o programa que antecedeu os INCTs, chamado Institutos do Milênio, nasceu de um empréstimo do Banco Mundial, no início dos anos 2000. “O momento é muito difícil, mas não perdemos a esperança.”