Um tombo bilionário

 

RENNAN SETTI 

O globo, n. 29983, 09//09/2015. Economia, p. 19

 

A recessão, a crise política e a piora no cenário externo fizeram a Bovespa perder 54% de seu valor em 12 meses, informa RENNAN SETTI. As 359 empresas listadas na Bolsa tinham, juntas, valor de US$ 1,14 trilhão. Agora, somam US$ 518 bilhões, menos que o valor da Apple. Acrise que afeta o país, com seus desdobramentos sobre o crescimento da economia e o câmbio, fez com que a capitalização das empresas abertas brasileiras registrasse, em um ano, a maior queda entre os 20 maiores mercados acionários do mundo. Levantamento feito pelo GLOBO com base em dados financeiros da Bloomberg mostra que o valor, em dólares, de todas as ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) despencou pouco mais de 54%, de US$ 1,14 trilhão para US$ 518 bilhões, no período de 12 meses encerrado na última segunda- feira. Juntas, as Bolsas de todo o mundo registaram recuo bem menor, de 8,81% no período. O encolhimento fez com que o Brasil caísse da 12 ª para a 15 ª posição do ranking de maiores mercados de ações do planeta, sendo ultrapassado por Espanha, Suécia e Itália.

Para efeito de comparação, a Apple sozinha, com sua capitalização de US$ 640 bilhões — a maior do mundo — vale 23% mais do que todas as 359 empresas brasileiras negociadas na Bovespa.

Otombo na capitalização brasileira traduziu- se também em uma menor participação no mercado global de ações. Há um ano, o valor da Bolsa brasileira representava 1,72% dos US$ 66,45 trilhões em papéis negociados no mundo; hoje, a fatia é exatamente a metade disso, ou 0,86% da capitalização global de US$ 60,59 trilhões.

A desvalorização do real, é claro, é um dos principais fatores que explicam o enxugamento da Bolsa brasileira quando ela é comparada com as do resto do mundo na moeda americana. Entre as 31 principais divisas globais, o real foi a segunda que mais perdeu valor frente ao dólar nos últimos 12 meses. A moeda americana avançou 68,5% sobre a divisa brasileira. Valorização maior, apenas em relação ao rublo russo: 84,8%. A Rússia é alvo de embargo econômico e está envolvida em um conflito na Ucrânia.

Mas o câmbio, dizem especialistas, acaba sendo a confluência entre os problemas externos e a crise político- econômica doméstica.

— Há dois lados que explicam as perdas da Bovespa. Lá fora, existe a expectativa de aumento de juros nos EUA, que tende a valorizar o dólar e a diminuir a oferta de liquidez para emergentes, e a turbulência na China e seus efeitos sobre as commodities. E há nossos problemas domésticos, com o governo em uma verdadeira sinuca de bico, que são mais graves que os dos outros países — explica Daniel Weeks, da gestora Garde Asset.

André Perfeito, economista da Gradual Investimentos, ressalta a grande exposição da Bovespa às

commodities. Petrobras, Vale e siderúrgicas respondem, juntas, por 17% do índice de referência Ibovespa, por exemplo. Em um ano, o minério de ferro acumula queda de 31%, para US$ 57,42 a tonelada, enquanto o barril de petróleo do tipo Brent despencou 50,6% no período, para US$ 49,52.

— Também foi importante, nesse período, a influência de fatores não econômicos sobre a Petrobras, empresa que tem peso importante na nossa Bolsa — acrescenta Perfeito, referindo- se ao escândalo da Lava- Jato, que responde por parte importante do tombo de 60% das ações preferenciais da estatal em 12 meses.

BOLHA NA CHINA E POSSÍVEL ALTA DE JURO NOS EUA

Todos os fatores considerados, Weeks resume o encolhimento da Bovespa como resultado de uma reavaliação das expectativas dos investidores sobre o crescimento brasileiro.

— Se antes crescíamos 4%, agora todos têm de se acostumar com a realidade de que o Brasil, quando voltar a crescer, ficará em, no máximo, 2%. Dessa forma, não tem jeito, o lucro das empresas na Bolsa terá de cair — afirma. — Por isso não considero que a Bovespa esteja barata em dólar. Caminhamos para a perda do grau de investimento, então a situação das ações deve piorar ainda mais.

A deterioração que afastou investidores também fica clara no risco associado ao Brasil, medido pelo credit default swap ( CDS, uma espécie de seguro contra calote). O contrato de cinco anos, em dólar, saltou 185% em um ano, de 131 pontos centesimais para 374 ontem — nível semelhante a países classificados com grau especulativo.

Mas, embora o recuo da capitalização brasileira tenha sido o mais intenso, a Bovespa não foi a única a cair em um ano. Na verdade, entre os 20 maiores mercados acionários, apenas os chineses ( o continental e o de Hong Kong) avançaram — com alta, respectivamente, de 29,3% e 18,8%. Grande parte dos analistas, porém, acredita que esse salto foi resultado de uma bolha inflada por injeção de capital estatal. O processo tem sido corrigido nas últimas semanas, o que resultou em tombos históricos em índices como o da Bolsa de Xangai.

É preciso ressaltar, no entanto, que, não fossem os temores sobre a China, mercados importantes teriam escapado de uma queda em 12 meses. É o caso das Bolsas americanas. O índice Dow Jones vinha em patamar aproximadamente 3% superior ao de setembro passado quando, em meados de agosto, despencou mais de 10% em uma única semana com a turbulência chinesa.

Mas Perfeito acha que, mais do que a questão chinesa, pode ser mais prejudicial para o Brasil a iminente elevação dos juros pelos EUA, que desde 2006 estão no intervalo entre zero e 0,25%:

— O índice S& P 500 está em uma região de pontuação recorde. Está todo mundo flutuando no vazio, as Bolsas dos países centrais estão fora de lugar, sustentadas por esse estímulo. Se houver aumento da taxa, pode representar um sinal muito claro para uma realização global de lucros.

Para o já combalido mercado acionário do Brasil, seria um desafio a mais.

— A curto prazo, é possível que os juros nos EUA tenham um impacto importante, pois estamos em um cenário de dificuldade. No entanto, se considerarmos nossas reservas internacionais e os altos juros ( 14,25% ao ano), aplicar no Brasil ainda vai ser muito atraente. Mas é claro que reduzirá a margem de manobra do Brasil — afirma o economista Luiz Carlos Prado, professor da UFRJ.