Contra rombo, mais impostos

 

 

MARTHA BECK LÚCIAMÜZELL

O globo, n. 29983, 09//09/2015. País, p. 3

 

Ministro da Fazenda disse que aumento do tributo sobre a renda pode ser um caminho e precisa de debate no Congresso

PAULO WHITAKER/ REUTERS/ 12- 6- 2015Questão polêmica. Levy sobre aumento do IR: “Pode ser um caminho. Essa é a discussão que a gente está tendo agora e que eu acho que tem que amadurecer mais rapidamente no Congresso”

O ministro Joaquim Levy ( Fazenda) admitiu ontem a possibilidade de aumentar o Imposto de Renda “sobre rendas mais altas”. “Pode ser um caminho”, disse ele, para quem a discussão precisa ser amadurecida “rapidamente no Congresso”. A equipe econômica estuda elevar as alíquotas de três tributos ( IPI, Cide e IOF) para arrecadar mais R$ 18 bilhões. Um dia depois de a presidente Dilma admitir ter de adotar “remédios amargos” contra a crise, o vice Michel Temer usou a mesma expressão, mas para descartar esse receituário. A equipe econômica já tem nas mãos aumentos de impostos que podem render R$ 18 bilhões aos cofres públicos e ajudar a cobrir pouco mais da metade do rombo do orçamento de 2016, de R$ 30,5 bilhões. Nesse conjunto, estão principalmente tributos que podem ser elevados por meio de decreto, sem a necessidade de aprovação do Congresso. Segundo fontes do governo, os principais alvos são a Cide, o Imposto sobre Produtos Industrializados ( IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF). No caso do IPI, uma das ações pode ser a elevação da alíquota que incide sobre o setor de cigarros. Este ano, já subiram as alíquotas do IPI para cosméticos e bebidas quentes.

Em Paris, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmou ontem que o aumento do Imposto de Renda — “sobre rendas mais altas”, em suas palavras — pode fazer parte do pacote para reforçar a arrecadação do governo:

— Pode ser um caminho. Essa é discussão que a gente está tendo agora e que eu acho que tem que amadurecer o mais rapidamente no Congresso. A gente tem menos impostos sobre a renda da pessoa física, do que a maior parte dos países da OCDE ( Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). É uma coisa para a gente pensar.

CIDE É HIPÓTESE MAIS PROVÁVEL

Levy lembrou, no entanto, que propostas de aumento dos impostos dos mais ricos foram recusadas no passado:

— A gente nem sempre tem tido êxito de intensificar a tributação sobre as rendas mais altas. O nosso objetivo na reforma tributária não é aumentar a arrecadação, a carga. Na verdade, é trazer simplicidade às empresas, mais transparência, e trazer também uma igualdade entre os setores que aumente a eficiência da economia.

Embora o ministro tenha admitido a possibilidade, técnicos da equipe econômica informaram que a elevação do IR não está em estudo e não deve ser proposta pelo governo. Segundo assessores, ao responder a uma pergunta sobre o IR, Levy afirmou que “pode ser um caminho”, apenas para deixar claro que na discussão sobre o aumento das receitas nada está descartado. Porém, internamente, existe a convicção de que uma proposta de elevar as alíquotas do IR no atual momento “não vingaria”.

Já a hipótese de aumentar a Cide é mais provável, segundo técnicos, assim como a proposta de uma contribuição provisória que serviria de ponte para o ajuste fiscal, como Levy mencionou na reunião do G- 20, na Turquia, no último fim de semana. Essa contribuição terá uma configuração diferente da CPMF, garantem assessores da equipe econômica, pois há um consenso de que o imposto do cheque não passa no Congresso.

Para reequilibrar as contas, o pacote em estudo pela equipe econômica inclui o fim de alguns regimes especiais de tributação. A grande maioria desses regimes envolve a suspensão de cobrança do PIS/ Cofins no comércio de máquinas e equipamentos voltados para o desenvolvimento de setores específicos, como petróleo, portos e software. Os técnicos explicam que alguns desses regimes perderão vigência no fim do ano, como é o caso do Reporto ( destinado à modernização e ampliação da estrutura portuária). O objetivo é deixar que isso ocorra e evitar no Congresso mobilizações para que eles sejam renovados.

— Além de diminuir o rombo do orçamento de 2016, as medidas revertem a avalanche de desonerações inconsequentes feitas nos últimos anos para estimular a economia e que só acabaram provocando queda na arrecadação — disse um técnico da área econômica.

Também não está descartada a cobrança da Cide sobre o setor de serviços. Essa proposta, que não está na conta de R$ 18 bilhões, chegou a ser proposta pelo governo ao Congresso no primeiro semestre como parte da reforma do ICMS. Ela seria uma fonte de receitas para compensar os estados pelo fim da guerra fiscal. A medida foi duramente criticada pelo Legislativo sob o argumento de que não haveria mais espaço para aumentos de carga tributária, e acabou deixada de lado.

Agora, com o atual quadro de dificuldade fiscal, essa poderia ser uma saída para o orçamento do ano que vem. Segundo os técnicos, o rombo não tem condições de ser resolvido apenas com os impostos que estão sendo estudados. Seria preciso lançar mão de um tributo de fôlego, como é o caso da CPMF ( que daria uma arrecadação de cerca de R$ 80 bilhões), ou ampliar os cortes de gastos. A hipótese de se criar ou aumentar impostos foi prontamente rechaçada ontem pelo Congresso.

O presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), disse que continua sendo contra o aumento de impostos:

— Aqui, no Congresso, não se discutiu nada com relação à elevação da carga tributária. Continuo achando que a primeira coisa a se fazer é cortar despesa. É melhorar o gasto público.

O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves ( MG), disse que aumento de imposto é mais um ato de “desespero” do governo e avisou que não haverá “boa vontade” da oposição:

— A oposição é absolutamente contrária ao aumento de qualquer tributo e vai reagir no Congresso. Obstruiremos qualquer tentativa que o governo queira fazer nesta direção. É inconstitucional aumento de tributos que não seja a partir de projeto de lei aprovado no Congresso.

ANÚNCIO DO MINHA CASA 3 É ADIADO

Outra medida em estudo para reforçar os cofres é “vender” parte da Dívida Ativa da União. Esse estoque é hoje de quase R$ 1,5 trilhão, mas nem todo o montante é considerado recuperável. Uma parcela não conseguirá ser cobrada porque é devida por empresas que já não existem ou cujo patrimônio não é suficiente para o acerto de contas. Mas há uma fatia que está sendo paga por contribuintes que fizeram acordo ou ingressaram em programas de parcelamento. Essa é a parte que poderia ser oferecida ao setor privado, que pagaria ao governo para ser credor dessas dívidas.

Oanúncio da terceira fase do programa Minha Casa Minha Vida, que a presidente Dilma havia anunciado para amanhã, foi suspenso. Segundo assessores da presidente, o governo decidiu aguardar sinalizações do Congresso sobre a forma como será coberto o rombo no Orçamento. Em entrevista, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini disse que o ministro Gilberto Kassab ( Cidades) ainda está “desenhando” os detalhes da estratégia do Minha Casa 3 e que faltam entregar 1,4 milhão de moradias da segunda fase.