Cardozo diz ter "total confiança" em honestidade de Lula

Andrea Jubé 

28/10/2015

Em defesa de sua gestão no comando da Polícia Federal, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse ao Valor que tem a "consciência tranquila" de que atua com isenção. Sob críticas do PT, da oposição e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas com o aval absoluto da presidente Dilma Rousseff, ele avisa: "não esperem de mim que eu diga não investiguem A, B C ou D, um ministro da Justiça não pode conduzir investigações, seja para punir amigos ou inimigos". Ele diz que nunca temeu o impeachment, que a crise política "é página virada" e que continua no cargo. "Enquanto a presidente quiser e eu achar que não atrapalho, eu fico".

Um dia após a Polícia Federal praticamente bater na porta de Lula, em ação que mirou a empresa de um de seus filhos, Cardozo o defendeu, embora, reservadamente, o ex-presidente articule para afastá-lo do cargo. "Conheço Lula há muitos anos e tenho a total confiança de que ele não se envolveu nem permitiria que alguém próximo dele se envolvesse em desmandos", assegura. "Acho muito ruim que investigações em curso sejam utilizadas retoricamente pela oposição para atingi-lo na sua honra e na sua imagem política", reforça.

A ação da PF contra o filho de Lula estremeceu os pilares de sua relação com Dilma. Mais de uma vez, ele sugeriu a ela que substituísse Cardozo, alegando que o ministro não teria controle sobre a instituição. Para desfazer o mal estar, a presidente hesitou, mas foi convencida a embarcar ontem à noite para São Paulo a fim de cumprimentar Lula pessoalmente pelo aniversário de 70 anos. Foi acompanhada do chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, um dos poucos nomes aptos a reconciliá-los.

Dilma ficou por pouco mais de uma hora no Instituto Lula, onde seu antecessor foi anfitrião de um churrasco para apenas 30 pessoas. Entre elas, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, que afirmou não existir atritos entre Dilma e Lula. Também estava o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Luís Cláudio Lula da Silva é investigado na Operação Zelotes, que apura um esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Na segunda-feira, agentes cumpriram mandados em sua empresa. Mas as críticas a Cardozo recrudesceram em meio aos desdobramentos da Operação Lava-Jato, que ensejou inquéritos e denúncias contra ministros do núcleo palaciano, lideranças do PT, de siglas da base aliada e da oposição. Cardozo responde com ironia: "sempre que investigações atingem o mundo da política, o ministro da Justiça é alvo de bombardeio, de setores da base governista e também de oposicionistas, vamos ser isonômicos".

Ele ressalta que tem de agir com isenção. "Um ministro da Justiça não pode conduzir investigações para punir amigos ou inimigos. Republicanamente, legalmente, não pode fazer isso", afirma. "Não esperem de mim que eu diga não investiguem A, B C ou D, que enquanto estiver aqui, isso não acontecerá", avisa.

Questionado sobre reclamações de aliados de Lula de que a ação contra um de seus filhos teria irregularidades, Cardozo rebate que mandou abrir sindicâncias sempre que informado de excessos da PF. "Apontar abusos em tese não basta, mostrem os fatos abusivos que a investigação será determinada com o máximo rigor", devolveu. Pontua que é duro do ponto de vista disciplinar e, até agora, foi o que mais demitiu agentes da PF e da Polícia Rodoviária Federal.

De correntes distintas no PT - Cardozo é um dos expoentes da Mensagem, segunda maior tendência da sigla - ele não integra o núcleo mais ligado a Lula. Na formação do ministério para o segundo mandato, em dezembro, Lula fez gestões para que Dilma o substituísse por Jaques Wagner. Nos últimos dias, voltaram rumores de que Lula recomendara para sua cadeira o deputado Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da Ordem dos Advogados, no Rio de Janeiro. Damous foi autor de uma das liminares obtidas no Supremo para suspender o rito do impeachment na Câmara dos Deputados.

Após um período de distanciamento, Lula e Cardozo se encontraram em agosto, na sede do Instituto Lula em São Paulo. Era um sábado e a temperatura da Lava-Jato estava nas alturas, cinco dias após a prisão do ex-ministro José Dirceu pela Polícia Federal.

Cardozo relata que, no fim do ano passado, recomendou à presidente que o substituísse, porque acredita que o cargo de ministro da Justiça "tem uma fadiga de material inevitável". Mas ela não concordou e seguiu confiando-lhe missões especiais. No estertor da crise, quando Dilma escalou os ministros mais próximos de si para desconstruírem a mobilização pelo impeachment, Cardozo reuniu-se com lideranças da oposição. Fora da agenda oficial, esteve com o senador José Serra (PSDB-SP) e com o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

Ele afirma que nunca teve receio real do impeachment. "Confio no Judiciário, no Legislativo, não acredito que o Brasil vá ter uma trajetória de interrupção da consolidação democrática, não acredito em posturas que prevaleçam acima da democracia", justifica.

Muito além do ministério, Cardozo e Dilma desenvolveram uma relação de amizade e confiança, que remonta à campanha de 2010, da qual ele foi coordenador jurídico. Foi a presidente quem o obrigou a fazer um check up no início do ano, que revelou o câncer na tireoide, que ele extraiu em abril. Há dez dias, ele completou o tratamento auxiliar, com radioterapia à base de iodo.

Políticos que torcem pela saída de Cardozo tentam decifrar a afinidade entre ele e a presidente, que sela sua longevidade no governo. Eles conversam sobre literatura, música e artes em geral. Ela lhe empresta livros - entre os recentes, o original em espanhol de "O homem que amava os cachorros", de Leonardo Padura. Ele já tocou piano para ela em jantares no Palácio da Alvorada. O mau humor de alguns políticos com Cardozo é tão grande que o criticam por torcer para o São Paulo. "É time de coxinhas", diz um petista. A maioria na sigla é de corinthianos, como Lula.

Pela segunda vez em sua biografia, Cardozo encontra-se no epicentro de uma grave crise política. Como secretário de Governo, também era braço direito de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo. "Sempre fui comandado por mulheres", entrega.

Assim como Dilma, Erundina sofreu revezes no primeiro ano como perda de maioria no Legislativo, baixa popularidade, rejeição das contas de governo. Ela comparava a crise a uma "criança nordestina". Dizia que "se virar o primeiro ano, ela se cria". Mas Cardozo rebate que a comparação não se aplica a Dilma. "Do ponto de vista político, já viramos esse ano, as turbulências são página virada", desafia.

Valor econômico, v. 16 , n. 3871, 28/09/2015. Especial, p. A12