Processo contra Cunha chega ao Conselho de Ética

Fabio Murakawa 

29/10/2015

A Mesa Diretora da Câmara dos Deputados entregou ontem ao Conselho de Ética o processo que pode levar à cassação do mandato do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por quebra de decoro parlamentar - em meio a insinuações de que o pemedebista manobrou para postergar ao máximo o processo contra si.

A Mesa Diretora da Câmara levou exatas duas semanas para numerar as páginas do processo, que deve começar a tramitar no Conselho de Ética a partir da próxima terça-feira. Segundo o presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA), nesse dia será escolhida, por sorteio, uma lista tríplice de candidatos a relator do processo. Araújo disse que vetará para a relatoria nomes do PMDB, partido de Cunha, e de seu Estado, o Rio de Janeiro. Ele afirmou também que não relatará o processo. Com isso, 17 dos 21 membros do órgão estarão aptos a integrar a lista tríplice. A escolha final do nome do relator é prerrogativa de Araújo.

A partir daí, Cunha não mais poderá renunciar ao mandato para suspender o processo, que, se concluir pela sua cassação, o tornará inelegível por oito anos. Ele terá dez dias para apresentar sua defesa.

O regimento da casa prevê que o processo tem 90 dias para ser concluído. Mas Araújo disse que pretende que isso ocorra antes do início do recesso parlamentar, em 22 de dezembro - algo de que até mesmo integrantes dos partidos que protocolaram o processo no Conselho de Ética duvidam que aconteça.

"Quanto mais rápido resolvermos isso, melhor para a Casa", afirmou Araújo.

O pedido de abertura do processo contra Cunha no Conselho de Ética foi protocolado no último dia 13 pelo PSOL e a Rede. A representação foi assinada por 50 deputados de sete partidos (PSOL, Rede, PT, PMDB, Pros, PPS, PSB). Conforme o regimento da Câmara, foram necessárias três sessões ordinárias para que a mesa remetesse o processo ao colegiado - algo que levou 14 dias para acontecer.

O principal argumento dos partidos para a cassação de Cunha é o de que ele mentiu a seus colegas durante a CPI da Petrobras no início do ano, ao negar que tivesse contas bancárias no exterior e não declaradas à Receita Federal.

Em outubro, com base em dados enviados pelo Ministério Público da Suíça, a Procuradoria-Geral da República ofereceu ao Supremo Tribunal Federal (STF) denúncia contra Cunha por corrupção e lavagem de dinheiro. O procurador-geral, Rodrigo Janot, afirma que Cunha recebeu propina de ao menos US$ 5 milhões para facilitar a aquisição de navios-sonda da Petrobras, entre 2006 e 2011.

Dentre as provas apresentadas por Janot, estão extratos de contas bancárias na Suíça e documentos de Cunha e familiares supostamente vinculados a elas.

Outro processo contra Cunha, mas na corregedoria da Câmara, foi tema de polêmica, depois que ele nomeou o primeiro secretário da Mesa Diretora, deputado Beto Mansur (PRB-SP), seu aliado, para emitir parecer sobre a ação protocolada por 30 deputados de sete partidos no início do mês. Um dos signatários, Arnaldo Jordy (PPS-PA), diz que Cunha "inovou" ao nomear um relator para analisar a admissibilidade do processo, acusando-o de manobrar para retardar o trâmite. Para Jordy, Cunha deveria ter remetido a representação diretamente para o corregedor da Câmara, deputado Carlos Manato (SD-ES).

Cunha também enfrentou ontem manifestações de um grupo de evangélicos, que protocolou junto à Mesa da Câmara um manifesto assinado por cerca de 300 pastores pedindo a sua saída da presidência da Casa.

Recebidos na Câmara por deputados do PSOL, os religiosos afirmaram sentir-se "envergonhados" por ter um representante como Cunha, no parlamento - referindo-se às denúncias de corrupção que pesam sobre o deputado, que se diz evangélico. Um deles chegou a afirmar que a ligação de Cunha com a corrupção e o cristianismo mancha a história da igreja "desde a crucificação de Jesus Cristo".

"A Igreja que elegeu Eduardo Cunha, o eleitor cristão que elegeu Eduardo Cunha, vem hoje se manifestar no intuito de que ele se afaste do cargo, uma vez que ele não está cumprindo com esses princípios éticos [cristãos]", disse o pastor Herbert Alencar, da igreja Sara Nossa Terra.

No documento, os pastores afirmam que as ações do deputado, "que se identifica como evangélico, merecem repúdio". "As denúncias de corrupção e o envio de recursos públicos para contas no exterior inviabilizam a permanência do deputado Eduardo Cunha no cargo que ocupa, uma vez que não há coerência e base ética necessárias". O pastor Welinton Pereira da Silva, da Igreja Metodista, afirmou que "essa imagem de evangélico para poder buscar benefício próprio, se apropriar dos recursos públicos, vai frontalmente contra os princípios evangélicos".

A poucos metros de onde os religiosos conversavam com a imprensa, um grupo de manifestantes pró-impeachment se algemava a um pilar no Salão Verde da Câmara, uma enorme saguão ao lado do plenário da Casa. Seu objetivo era pressionar Cunha estipular uma data para a abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Questionado sobre o que seria mais fácil de acontecer - o impeachment de Dilma ou o afastamento de Cunha -, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) usou uma metáfora futebolística:

"Isso é tão difícil quanto opinar quem vai às finais da Copa do Brasil, Palmeiras ou Fluminense", afirmou, referindo-se a uma das partidas semifinais da competição, marcadas para ontem à noite. "Eu, como sou Flamengo, não opino."

Valor econômico, v. 16 , n. 3871, 29/10/2015. Política, p. A7