Regulamentação da terceirização

 

O globo, n. 29981, 07/09/2015. Opinião, p. 12

 

Incoerência sindical

 

Agrave crise política paralisa o Congresso, impede os devidos ajustes na economia e prejudica aperfeiçoamentos que se arrastam há tempos na agenda do país. Neste caso, encontrase a lei que afinal apara arestas no emprego de mão de obra terceirizada, uma já antiga tendência mundial em incontáveis segmentos, mas sempre demonizada por sindicatos no Brasil.

Por ser tendência inexorável, dado o seu efeito na redução de custos e ganhos de produtividade, a contratação de terceiros avança, em inúmeros setores. Mas com enorme insegurança jurídica para os contratantes, um forte fator de inibição dos investimentos.

Forçadas pelo aumento da concorrência numa economia menos fechada ao exterior que no passado, empresas se valem, em alguma medida, de mão de obra terceirizada, embora ainda não haja uma efetiva regulamentação da atividade.

Existe apenas uma súmula da Justiça do Trabalho, a de n º 331, que proíbe o uso de terceirizados em “atividades- fim” dos contratantes, mas não define o que isso significa. Fica tudo ao bel- prazer de juízes, cujo veredicto pode esvaziar o caixa de qualquer empresa.

Daí a importância do projeto de lei aprovado em abril, na Câmara dos Deputados, no qual é contornada a questão da “atividadefim” e da “atividade- meio”, por desimportante. De fato, não se observa essa distinção na regulamentação da terceirização em outros países. Foi o suficiente para o projeto, agora no Senado, atrair a ira de parcela do governo Dilma, em que há representantes de sindicatos que se opõem a qualquer modernização da legislação trabalhista. Volta, com isso, a conhecida acusação da “precarização” das relações de trabalho.

Mas é o contrário, pois o projeto, entre outros avanços, concede garantias trabalhistas aos terceirizados. Se o cedente de mão de obra não arcar com os direitos trabalhistas do terceirizado, o contratante o fará. Este, inclusive, passa a ser corresponsável perante a Justiça do Trabalho.

Mesmo assim, sindicalistas —e a mesma gente do governo — entoam o mantra da “precarização” do trabalho. Ora, precarizar é fingir que não existe uma rápida evolução nas relações de trabalho, por força dos próprios avanços tecnológicos, e mesmo assim manter em vigor leis anacrônicas.

O resultado é o subemprego, a informalidade, o oposto do que denunciam militantes. Um exemplo indiscutível é a Consolidação das Leis do Trabalho ( CLT), herança varguista: por impor altos custos ao empregador, a CLT impediu que, mesmo em tempos recentes de quase pleno emprego, o mercado de trabalho informal caísse abaixo dos 40%. Com a crise, voltará, é certo, a ultrapassar os 50%. Algo semelhante acontece com a terceirização. Dada a insegurança jurídica, esse tipo de contratação de mão de obra é menos usado do que poderia. Isso inibe investimentos e impede a criação de novos empregos. É uma incoerência sindicatos serem contra.

 

Assegurar direitos

 

A ampliação da terceirização de mão de obra é um verdadeiro retrocesso. Tratase da precarização dos direitos trabalhistas, com redução de salários e conquistas. Em última análise, uma pá de cal na CLT ( Consolidação das Leis do Trabalho).

Os dados não mentem: os terceirizados recebem salários em média 27,1% menores dos que os trabalhadores regulares, segundo o Dieese. São as maiores vítimas de acidentes e mortes nos locais de trabalho e têm menos proteção social que os mais de 40 milhões contratados pela CLT.

São aproximadamente 12,5 milhões de trabalhadores terceirizados que atuam numa espécie de limbo trabalhista, como se fossem cidadãos de segunda classe ou mera peça com preço de mercado, transitória e descartável. O PT é contra o PLC 30/ 2015 porque fere princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana.

A aprovação da terceirização ampla e irrestrita ameaça a competitividade do Brasil, aumenta a desigualdade social e torna mais frequentes os acidentes e mortes no trabalho. Os terceirizados são discriminados, a começar pelo próprio ambiente de trabalho.

Nos tempos modernos, terceirização é atraso, é um desrespeito às conquistas civilizatórias. Precisamos de uma legislação específica que proteja os terceirizados e não amplie o desrespeito trabalhista a eles impingido.

A terceirização, inicialmente, visava a resolver problemas colaterais das empresas, em setores como portarias, limpeza, segurança. Essa prática continua, seguramente, embora tenhamos que atualizar a lei para que esses trabalhadores tenham mais direitos. Mas estender a situação precária deles para o conjunto dos trabalhadores é aviltante, um retrocesso histórico.

Há propostas em tramitação, na Câmara, elaboradas em conjunto com o movimento sindical, organizadas a partir da Central Única dos Trabalhadores ( CUT), para que não tenhamos retrocessos; ao contrário, a necessária segurança jurídica para um trabalho decente, com igualdade de direitos, proibição da terceirização na atividade- fim, a responsabilidade solidária e a penalização das empresas infratoras. São precondições para se combater a precarização.

O fato é que o PL sob análise no Senado é rechaçado pela maioria das centrais sindicais, dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho ( TST), pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho ( Anamatra), pelo Ministério Público do Trabalho e advogados trabalhistas.

Precisamos aprofundar o diálogo entre os diferentes setores, para avançarmos rumo a uma legislação que assegure direitos aos terceirizados. Retroceder, nunca. Em pleno século XXI, devemos combater posturas arcaicas com uma legislação moderna que assegure direitos aos terceirizados. É inconcebível aprovar uma legislação que não amplia direitos de quem os tem precarizados e prejudique os que os têm assegurados pela CLT.