Dilma diz que cortou o que devia

 
THIAGO MORAES* E FERNANDA KRAKOVICS
O globo, n. 29979, 05/09/2015. País, p. 3
 

Um dia depois de prometer ao ministro Joaquim Levy (Fazenda) empenho do governo para obter superávit primário no ano que vem, a presidente Dilma afirmou ontem que já cortou tudo o que podia no Orçamento, enviado ao Congresso com previsão de déficit de R$ 30,5 bilhões. Em entrevista a rádios do Nordeste, Dilma voltou a defender a criação de novas fontes de receita. Num jantar com Levy na quarta, empresários apresentaram lista de reivindicações, depois levada a Dilma, que inclui compromisso com superávit de 0,7% do PIB, corte de subsídios e esforço para o país manter o grau de investimento. -JOÃO PESSOA E BRASÍLIA- Um dia depois de entrar em ação para tentar garantir a permanência do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no cargo e de se comprometer a perseguir a meta fiscal defendida por ele, a presidente Dilma Rousseff voltou a falar ontem em dois temas que desagradam ao ministro: a impossibilidade de serem feitos novos cortes no Orçamento e a necessidade de aumentar a carga tributária. Em entrevista a rádios paraibanas antes de embarcar para Campina Grande e João Pessoa, Dilma afirmou que “foram feitos todos os cortes possíveis no Orçamento, mas sem prejudicar os recursos dos programas sociais”, e indicou que a correção do déficit de R$ 30,5 bilhões — que foi previsto na proposta enviada ao Congresso — terá que ser feita com mais impostos.

HANS VON MANTEUFFELDéficit. Dilma em ato em João Pessoa: “Se a gente quer um Orçamento equilibrado, temos que discutir novas fontes de receitas”

“Não podemos cortar esses gastos para evitar o retrocesso” “Nós podemos perfeitamente discutir como obter as receitas necessárias para não ter déficit”
Dilma Rousseff

Essa saída é justamente o que Levy não quer. O ministro defendeu intensamente que o Orçamento não fosse enviado ao Legislativo com déficit, que não fossem criados impostos e que houvesse um corte de gastos profundo, incluindo programas sociais. Dos três pleitos, Dilma apoiou ontem apenas o primeiro. Ela aderiu explicitamente à posição defendida pelo Ministério do Planejamento, que considera o ajuste de despesas feito já forte o suficiente.

— Não podemos cortar esses gastos para evitar o retrocesso, ainda que não sejam os maiores custos do Orçamento, que possui maiores gastos em setores como a Previdência, benefícios de assistência, gastos com pessoal e despesas obrigatórias previstas em lei — disse Dilma, lembrando que serão mantidos os programas Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, ProUni, Fies e Mais Médicos, a construção de postos de saúde e cisternas, e os investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

Para resolver as questões financeiras do país, Dilma admitiu a possibilidade de criação de novas fontes de receita, como criação ou aumento de impostos, para que o país não fique com déficit e caia no retrocesso. A presidente também falou em medidas de gestão por parte do próprio governo — algo defendido por Levy —, enxugando gastos e fiscalizando a execução de programas. Na entrevista de rádio, Dilma voltou a falar na necessidade de aumentar a arrecadação:

— Se a gente quer um Orçamento equilibrado, vamos ter que tomar algumas medidas. Vamos enxugar mais gastos, olhar se o que estamos pagando está chegando àquelas pessoas que a lei manda que cheguem. A segunda coisa é que nós temos que discutir novas fontes de receitas, se a gente quiser garantir que o país não tenha um retrocesso. Nós não queremos ficar com déficit, nós podemos perfeitamente discutir como conseguir as receitas necessárias para não ter déficit — disse Dilma.

Na véspera, o ex-presidente Lula recomendou a Dilma que abafasse as divergências internas sobre a política econômica, colocando “água fria na fervura” da queda de braço entre Levy e Nelson Barbosa (Planejamento). Mesmo assim, Lula defende que o governo afrouxe o ajuste fiscal, liberando mais crédito para aquecer a economia. Essa foi a política econômica implementada no fim do governo do ex-presidente Lula e no primeiro mandato de Dilma pelo então ministro da Fazenda, Guido Mantega.

 

Pressão de empresários por Levy

 

Preocupados com o efeito da crise econômica em seus negócios, alguns dos principais empresários do país decidiram se unir para pressionar a presidente Dilma Rousseff a adotar o receituário do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Dois dias depois de o governo enviar ao Congresso a proposta orçamentária de 2016 com um déficit de R$ 30,5 bilhões, o que claramente desagradou a Levy, vários empresários se encontraram com o ministro da Fazenda, em São Paulo. A tônica das conversas foi que o governo precisa dar sinais concretos de que está comprometido com uma política fiscal equilibrada e que está trabalhando para resolver o déficit orçamentário, mesmo que isso resulte em mais cortes de gastos e afete os programas sociais.

Levy teve reuniões com representantes do setor do aço e de outros segmentos. Participaram dos encontros os presidentes da Coteminas, Josué Gomes da Silva; da Natura, Pedro Passos; da Dasa, Edson Bueno; do Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles; do Instituto Talento Brasil, Antônio Machado; além do especialista em gestão pública Vicente Falconi. Segundo um participante, o apoio ao ministro foi transmitido por telefone a Dilma, ainda durante a reunião, por um dos empresários presentes.

De acordo com empresários, uma das maiores preocupações deles é que o Brasil volte a ser rebaixado pelas agências de classificação de risco e perca o grau de investimento. Isso agravaria ainda mais o cenário atual, com o dólar nas alturas e a inflação acima do teto da meta.

— As consequências disso (perda do grau de investimento) seriam muito ruins até para os mais desprotegidos, que sofreriam mais, tendo em vista o encarecimento do custo do crédito e do agravamento da desaceleração da economia — afirmou ao GLOBO Josué Gomes.

Ele negou que a reunião tivesse o objetivo de fazer pressão sobre Dilma. A ideia foi debater rumos com o sentido de ajudar o governo. Ele disse que os jantares ocorrem há muito tempo, e que o setor não acredita que os problemas enfrentados pelo país sejam “insolúveis”.

— O Brasil precisa ter uma previsibilidade no que se refere às contas públicas. Todos estão preocupados em que se criem condições que favoreçam uma simplificação e melhoria do ambiente econômico — disse Gomes.

Ele afirmou que, independentemente do ministro que ocupe a Fazenda, o fundamental é que a presidente Dilma tente alcançar meta de superávit de ao menos 0,7% do PIB e que atue para evitar o agravamento dos problemas.

A demonstração de solidariedade dos empresários a Levy começou na quarta-feira, quando ele se reuniu com executivos do setor do aço. Segundo o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Melo Lopes, Levy ouviu atentamente as queixas e deixou claras as dificuldades que está enfrentando para fazer os ajustes necessários na economia.

— Foi hipotecada a ele ( Joaquim Levy) a nossa solidariedade. O setor produtivo tem consciência da missão difícil do ministro — afirmou Lopes.

Participaram do encontro os empresários Jorge Gerdau, Benjamin Steinbruch (CSN), Romel de Souza (Usiminas), Benjamin Baptista Filho (ArcelorMittal), e representantes da Votoratim e da Aperam, dentre outros.