O Estado de São Paulo, n. 44512, 31/08/2015. Metrópole, p. A18

Escolas atualizam educação sexual

ISABELA PALHARES

 

Após muita discussão e polêmica, os vereadores de São Paulo barraram, na semana passada, a inclusão de metas de promoção e debate de igualdade de gêneros nas escolas da rede municipal. Na direção oposta, colégios particulares apostam há tempos na temática, que nos últimos dois anos ganhou nova abordagem por causa das mudanças tecnológicas. Antes baseadas na questão biológica, hoje as aulas estão mais focadas nos aspectos sociais e comportamentais.

“A escola é o primeiro lugar onde a criança vai se relacionar socialmente e onde começará a sentir interesse sexual. Para os pais, é difícil saber qual é esse momento, mas para os educadores não. Nós estamos com eles e sabemos quando esse interesse surge e como orientá-los”, diz Paula Lima Lotto, coordenadora pedagógica do Colégio Renovação, que tem aulas de educação sexual a partir do 6.° ano, quando os alunos têm 11 ou 12 anos.

No Colégio Eduque, as aulas começam um pouco mais cedo, no 5.º ano. “A abordagem é guiada pela curiosidade dos alunos. Nunca respondemos mais do que eles perguntam nem de uma forma que não possam assimilar completamente”, afirma a coordenadora Lucelena Souza. Conforme o debate se desenvolve, algumas atividades são propostas, como colocar camisinha em uma banana. 

Durante as aulas, os estudantes podem colocar suas dúvidas de forma anônima, colocando-as em uma caixa. “No começo, eles fazem as perguntas de forma grosseira, com vocabulário inadequado, porque é como veem na tevê e na internet. Conforme o assunto é desenvolvido e fica mais natural, eles passam a se comunicar melhor”, conta Lucelena.

As dúvidas dos alunos, segundo as orientadoras, são variadas e vão desde questões sobre as mudanças do corpo na puberdade (por que os seios crescem, o surgimento de pelos e como a voz engrossa) até dúvidas comportamentais (como contar aos pais sobre as primeiras experiências sexuais e o que significa ser virgem).

A principal preocupação, de acordo com os educadores, é sanar as dúvidas e mostrar que sexo faz parte do cotidiano e, assim, evitar situações de violência e bullying nas escolas.

Internet. Recentemente, a preocupação também se voltou para os problemas que surgiram com o fato de os adolescentes estarem cada vez mais conectados. No Colégio Dante Alighieri, as aulas têm foco no respeito ao corpo, na importância da privacidade e nas consequências da exposição excessiva. “Essa geração lida com a internet como algo imprescindível, que tem de estar presente em todas as horas, até nas mais íntimas. Eles não entendem que a exposição pode ter consequências para a vida toda”, diz Elenice Ziziotti, coordenadora do Serviço de Orientação Sexual.

Segundo Elenice, uma preocupação constante entre os pais é com a produção e a divulgação das chamadas “nudes selfies”, que são fotos ou vídeos íntimos. “Os pais têm muito medo de que isso aconteça (a divulgação das imagens), mas não sabem como abordar o assunto. Os jovens precisam ter pessoas de confiança para tirar as dúvidas. Caso contrário, vão procurar as respostas na internet.” 

Diversidade. No Colégio Bandeirantes, as aulas também começam no 6.º ano, em grupos de debates mediados por professores, e se aprofundam com o passar das séries. “Para os mais novos, falamos sobre as mudanças do corpo. Depois, deixamos que eles mesmos proponham os temas”, conta Maria Estela Zanini, coordenadora do programa de educação sexual.

Os alunos do 9.º ano, por exemplo, escolheram a transexualidade. Lara Almeida, de 13 anos, diz que foi importante se aprofundar em um assunto que é pouco abordado. “As pessoas nunca falam sobre transexuais ou homossexuais, a não ser para criticar. Achei legal entender porque algumas pessoas não se identificam com o que é considerado normal pelos outros."
 

‘Trabalho é vacina contra machismo e violência moral’

 

Para especialistas em educação sexual, o trabalho nas escolas deve ser contínuo, focado na conscientização dos alunos contra preconceitos e de modo a apresentar o sexo como algo natural, sempre falando sobre os temas pertinentes a cada idade. 

“A educação sexual é uma vacina contra o machismo, a homofobia, a violência física e moral. Não adianta introduzir o assunto apenas no último ano do ensino médio, se a criança teve toda a sua educação baseada em valores patriarcais e machistas. Desde pequenos temos de mostrar que não há motivos para segregar. Meninas podem brincar das mesmas coisas que os meninos e vice-versa”, defende Adriana Ramos, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para Adriana, é importante que os professores reflitam sobre os próprios valores. “Por isso, os planos de educação têm de prever cursos de formação para os educadores, com capacitação para lidar com diferentes alunos, sem reforçar preconceitos.”

Maria Helena Vilela, educadora sexual, afirma que a sociedade “bombardeia” as crianças com conteúdos sexuais e, por isso, elas precisam ter quem as oriente para entender esses estímulos. “Cada vez mais professores nos procuram por não saber lidar com crianças de 7 ou 8 anos que já têm curiosidades sobre o sexo, o corpo. Elas não podem ficar sem orientação.”

Para ela, cada escola precisa entender o contexto em que seus alunos estão inseridos para que as aulas sejam eficientes. “Se naquela unidade muitas meninas estão engravidando precocemente, é preciso um trabalho mais focado em prevenção.” 

 

Conceito de gênero deve basear políticas públicas, afirma MEC

Pasta produziu nota técnica após Comissão de Direitos Humanos e Minorias cobrar posição sobre o tema

 

Em nota técnica divulgada na semana passada, o Ministério da Educação (MEC) defendeu a necessidade de que os conceitos de gênero e orientação sexual sejam utilizados para a elaboração de políticas educacionais. A nota foi liberada pela Câmara dos Deputados, após a Comissão de Direitos Humanos e Minorias cobrar um posicionamento da pasta sobre o tema, que tem sido alvo de debates em vários Estados e municípios. 

O lobby de grupos religiosos conseguiu derrubar dos textos metas de promoção da igualdade de gêneros nas escolas em alguns planos municipais, como no de São Paulo, e estaduais, como no do Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal.

Nas sessões de discussão do plano da capital paulista, os grupos conservadores defendiam que a possível discussão nas escolas implementaria a “ideologia de gênero”, em que meninos e meninas seriam incentivados a não serem heterossexuais. 

A nota técnica do MEC refuta esses argumentos. “O centro do debate não está em se a escola deve ou não falar sobre gênero e orientação sexual, mas sim em perceber como ela já fala”, diz o texto. Para o ministério, essa questão é manifestada na educação desde a organização das escolas (com atividades diferentes para cada sexo) até as exigências comportamentais, como, por exemplo, a maior tolerância com a violência física e verbal entre meninos.

“Historicamente vem se ensinando o que se institui como comportamento de meninos e meninas e (a escola) organiza um conteúdo curricular com base em conceitos heteronormativos que não reconhecem a diversidade de desejos e de relações sexuais e afetivas.”

Pesquisa. A nota cita ainda uma pesquisa feita pela Universidade de São Paulo (USP), em 2009, em parceria com o MEC, que entrevistou alunos, professores e diretores de 500 escolas dos 27 Estados brasileiros. Os resultados mostraram que 93,5% dos entrevistados apresentaram algum preconceito com relação ao gênero e 87,3%, à orientação sexual.

O estudo ainda relacionou os indicadores de preconceito e discriminação com um menor desempenho escolar, já que os alunos não heterossexuais sofrem um processo de exclusão, seja com violências físicas ou negligência e assédio de alunos e até mesmo dos educadores. Para o MEC, a educação é um direito de todos e, assim, não pode ser excludente a um grupo.

Genérico. Aprovado em abril do ano passado na Câmara, o Plano Nacional de Educação (PNE) previa que as diretrizes do ensino deveriam superar as desigualdades em quatro eixos: racial, regional, de gênero e de orientação sexual. No entanto, venceu a versão mais genérica, que determina “a erradicação de todas as formas de discriminação”.