STF sequestra valores de Cunha no exterior

Maíra Magro 

23/10/2015

O ministro Teori Zavascki, relator dos processos da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou ontem a transferência ao Brasil do dinheiro depositado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em contas secretas na Suíça. O total corresponde a aproximadamente R$ 9,6 milhões (2,5 milhões de francos suíços). Ontem, 22 volumes de documentos e provas contra o deputado foram inseridos no inquérito que corre contra Cunha no STF, para investigar suposta ligação entre as contas suíças e o desvio de recursos da Petrobras.

A documentação inclui extratos bancários, depoimentos de outros investigados e o relatório do Ministério Público da Suíça.

Os valores atribuídos a Cunha já estavam bloqueados por ordem de autoridades suíças. Ao determinar o envio do dinheiro ao Brasil, Zavascki ordenou que seja mantido em uma conta judicial. A decisão atende pedido da Procuradoria Geral da República (PGR), com o objetivo de evitar "a dissipação dos valores depositados nas contas bancárias estrangeiras". A medida atinge as contas Netherton Investments, mantida no banco Julius Baer, e a conta Kopek, aberta em nome da mulher de Cunha, Cláudia Cruz.

"Tem-se como justificada a necessidade da medida requerida, pois efetivamente demonstrada a existência de indícios suficientes de que os valores eram provenientes de atividades criminosas diante da farta documentação apresentada pelo Ministério Público, assim como há o evidente risco de desbloqueio dos valores com a consequente dissipação, uma vez que houve a formal transferência das investigações pelas autoridades suíças", afirmou Zavascki em sua decisão.

A transferência dos valores será feita com base no Tratado de Cooperação Jurídica firmado pelo Brasil com a Suíça. Zavascki autorizou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a promover "as diligências correspondentes junto à autoridade central brasileira" para operacionalizar o envio dos valores.

Na semana passada, Janot pediu ao STF autorização para bloqueio e sequestro dos recursos mantidos por Cunha na Suíça. O requerimento foi feito junto com o pedido de abertura de um novo inquérito contra o deputado para investigar suposta ligação entre as contas suíças e o desvio de recursos da Petrobras.

Depois que Zavascki autorizou a abertura do inquérito, a defesa de Cunha pediu que as investigações corressem em segredo de Justiça, alegando que a publicidade resultaria na "exposição" dos investigados. Além de Cunha, também são alvo do inquérito sua mulher e sua filha, Danielle Cunha.

Zavascki entendeu, porém, que o caso não se enquadra nas hipóteses legais de sigilo. "A publicidade dos atos processuais é, constitucionalmente, pressuposto de sua validade, a significar que o regime de sigilo constitui exceção", escreveu o ministro. Ele também apontou que a documentação que embasa o pedido de abertura das investigações foi encaminhada por autoridades da Suíça sem regime de sigilo.

Questionado ontem sobre o pedido de sigilo sobre o caso, Cunha disse não ter conhecimento da medida solicitada por seu advogado. "Eu não fiz pedido nenhum, quem faz pedido é meu advogado. Eu nem tomo conhecimento das petições que ele faz. Não ache você que meu advogado me pede autorização antes de fazer uma petição. Ele tem procuração", declarou.

Diante da confirmação de novos indícios contra Cunha, a PGR não descarta a possibilidade de pedir seu afastamento. Uma alternativa seria usar uma medida cautelar para solicitar, ainda durante as investigações, que o presidente da Câmara deixe o cargo. Para isso, a PGR teria que demonstrar que a manutenção de Cunha no cargo representaria riscos à continuidade das investigações ou à garantia da ordem pública (com a prática reiterada dos crimes).

Alguns atos já atribuídos ao deputado poderiam ser interpretados como prejudiciais às investigações - como o fechamento de duas contas na Suíça após o início da Lava-Jato; o suposto recebimento de propina até setembro de 2014, mencionado nas investigações; assim como afirmações do lobista Fernando Soares, o "Baiano", delator da Lava-Jato, de que teria sofrido ameaças de Cunha para manter-se calado e não fechar acordo de delação premiada com a PGR. Mas isso acabou ocorrendo e, em depoimentos, Baiano deu detalhes sobre o suposto recebimento de US$ 5 milhões, por parte de Cunha, como propina referente a um contrato de navios-sonda da Petrobras. Um pedido de afastamento desse tipo, porém, seria de difícil argumentação e, para ser concretizado, dependeria de autorização do plenário do STF, composto por 11 ministros.

Outra possibilidade seria pedir o afastamento de Cunha mais adiante, caso o Supremo aceite a denúncia contra ele e determine a abertura de ação penal. A Constituição determina o afastamento automático do presidente da República no momento em que virar alvo de uma ação penal. A mesma lógica poderia ser aplicada ao presidente da Câmara.

Valor econômico, v. 16 , n. 3868, 23/10/2015. Política, p. A6