‘Remédio amargo’

 

GERALDA DOCA, CATARINA ALENCASTRO E CRISTIANE JUNGBLUT

O globo, n. 29982, 08/09/2015. País, p. 3

 

Para evitar panelaços, pronunciamento só foi divulgado na internet, em vez de usar cadeia de rádio e de TV; cortes poderão atingir também investimentos e programas para emprego e renda

REUTERS/ UESLEI MARCELINOPátria. Dilma entra no carro que a levou durante o desfile do 7 de Setembro: “Se cometemos erros, e isso é possível, vamos superá- los e seguir em frente”, disse pela internet

Com a popularidade em baixa, a presidente Dilma evitou ontem usar uma cadeia de rádio e televisão para o pronunciamento do Dia da Independência. Lançou mão, como no 1 º de Maio, de discurso em vídeo, divulgado na internet, em que abriu a possibilidade de que programas sociais sejam “reavaliados”. Os projetos para garantir emprego, renda e investimentos também poderão ser reduzidos, segundo ela. “Temos que reavaliar todas essas medidas e reduzir as que devem ser reduzidas”, afirmou. Dilma ressaltou ainda que, se cometeu erros (“e isso é possível”, disse ela), vai superálos. Também reconheceu que as soluções necessárias para vencer a crise serão duras. “Alguns remédios para esta situação, é verdade, são amargos, mas são indispensáveis”, disse. - BRASÍLIA- Diante dos índices de popularidade de um dígito, e, para evitar panelaços, a presidente Dilma Rousseff evitou ir à televisão para a tradicional cadeia de rádio e TV. Ainda assim, repetindo o que havia feito no Dia do Trabalho, a presidente gravou um pronunciamento pela internet, no qual tentou explicar os impactos da crise econômica e deixou aberta a possibilidade de programas sociais serem “reavaliados”.

— As dificuldades e os desafios resultam de um longo período em que o governo entendeu que deveria gastar o que fosse preciso para garantir o emprego e a renda do trabalhador, a continuidade dos investimentos e dos programas sociais. Agora, temos de reavaliar todas essas medidas e reduzir as que devem ser reduzidas — disse a presidente.

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem defendido internamente no governo que o Orçamento do próximo ano sofra corte profundo, incluindo em programas sociais, para que se cubra o déficit de R$ 30,5 bilhões. Apesar da fala de Dilma, o ministro Edinho Silva ( Secretaria de Comunicação Social) negou que ela tenha sinalizado que cortará recursos dos programas sociais. — Não haverá cortes — afirmou. Para o ministro, a presidente se referia a políticas de benefícios fiscais concedidas pelo governo, como as desonerações da folha de pagamentos de vários setores. Segundo um integrante do governo, o discurso foi mais no sentido de pedir desculpas, reconhecer erros do passado e alertar para a necessidade de buscar uma solução conjunta. Durante seu pronunciamento, Dilma reconheceu que o remédio para superar a crise e retomar o crescimento será “amargo”, e chegou a acenar com um reconhecimento de que pode ter cometido equívocos:

— As dificuldades, insisto, são nossas e são superáveis. O que eu quero dizer com toda franqueza é que estamos enfrentando os desafios, essas dificuldades, e que vamos fazer essa travessia. Se cometemos erros, e isso é possível, vamos superálos e seguir em frente. Quero dizer a vocês: alguns remédios para essa situação, é verdade, são amargos, mas são indispensáveis — explicou.

RECADO AOS QUE QUEREM SUA SAÍDA

Voltando a falar que o país está passando por uma travessia, a presidente afirmou que está ciente da responsabilidade que lhe cabe de apresentar “soluções”. A declaração foi dada após a reação negativa à proposta orçamentária para 2106, enviada ao Congresso com déficit de R$ 30,5 bilhões, que aumentou a chance de o país perder o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador dado pelas agências internacionais de classificação de risco:

— É verdade que atravessamos uma fase de dificuldades, enfrentamos problemas e desafios. Sei que é minha responsabilidade apresentar caminhos e soluções para fazer a travessia que deve ser feita.

Dilma abriu mão de discursar em rede nacional de rádio e TV — tradição no Dia da Pátria, seguida por ela nos três primeiros anos do seu governo ( com exceção do ano eleitoral, devido a restrições da legislação). A opção foi tomada para evitar protestos como os panelaços registrados nas suas últimas falas na televisão. Ainda assim, as celebrações de ontem foram marcadas por protestos em todo o país. A presidente, no entanto, voltou a pedir a união de todos, independentemente de interesses individuais e partidários e, em referência velada aos que pedem sua saída, disse que o Dia da Independência era o momento de defender a democracia:

— É neste dia que reafirmamos aquilo que uma nação ou um povo tem de melhor, a capacidade de lutar e a capacidade de conviver com a diversidade. Tolerante, em face às diferenças, respeitoso na defesa das ideias, sobretudo, firme na defesa da maior conquista alcançada e pela qual devemos zelar permanentemente, a democracia e a adoção do voto popular como método único e legítimo de eleger nossos governantes e representantes.

Ao fim do desfile do 7 de Setembro, o ministro Edinho Silva justificou a opção pelo pronunciamento via redes sociais. Segundo ele, Dilma não tem medo de se comunicar, mas quer privilegiar outros meios de comunicação. O ministro acredita que pronunciamentos em cadeia nacional de rádio e TV só devem ser convocados quando há um tema fundamental, para não banalizá- los.

— Temos que entender que é importante convocação em rede de televisão, mas isso não pode ser banalizado. Quando é chamado, tem que ser por um motivo fundamental. E nós temos que valorizar outros modais de comunicação. A presidente não tem receio de se comunicar — afirmou.

 

Um desfile de hostilidades

 

O forte esquema de segurança da presidente Dilma para as comemorações do Dia da Independência, em Brasília, incluiu tapumes de metal que protegiam seu palanque. No final da cerimônia, as placas, com pichações de “muro da vergonha”, foram derrubadas por manifestantes. Pela Esplanada, surgiu um novo personagem: a Pixuleca ou Pinóquia, apelidos dados à boneca inflável de Dilma semelhante ao boneco do ex- presidente Lula. Cerca de 25 mil pessoas participaram da cerimônia. No palanque da presidente, o clima de desconforto com o vice, Michel Temer, era evidente. Também estavam ao lado da presidente os ministros investigados pelo Supremo Tribunal Federal Edinho Silva ( Comunicações) e Aloizio Mercadante ( Casa Civil). Com forte esquema de segurança, a presidente Dilma Rousseff participou ontem do desfile de Sete de Setembro, que foi assistido por cerca de 25 mil pessoas, segundo a Polícia Militar. Ao final da parada, houve protestos contra o governo e até troca de hostilidades entre manifestantes pró e contra Dilma. Mais cedo, Dilma foi recebida na Esplanada dos Ministérios com aplausos de uma claque instalada na arquibancada em frente ao palanque oficial. Apesar da preocupação dos organizadores de selecionar o público, no local foi possível ouvir vaias de longe. No palanque das autoridades estavam dois ministros investigados na Operação Lava- Jato: Edinho Silva ( Comunicação Social) e Aloizio Mercadante ( Casa Civil).

ANDRÉ COELHO“Muro da vergonha”. Manifestantes destroem tapumes durante protesto

Houve momento de tumulto quando manifestantes cruzaram a Esplanada e começaram a derrubar parte dos tapumes metálicos que tinham sido montados para o desfile. A cerca de proteção, maior do que em anos anteriores, tinha pichações chamando- a de “muro da vergonha” e com ataques ao PT. Quando manifestantes começaram a derrubar os tapumes, observaram que passavam simpatizantes do PT, e começaram então as hostilidades. O grupo simpático ao PT foi recebido com gritos de “fora, PT” e panelaço. Um manifestante contra o governo reclamou:

— Está previsto na Constituição, enquanto houver uma manifestação, outra não pode passá- la.

O policiamento reforçado afastou a multidão da área próxima ao palanque. Áreas do gramado ficaram vazias. Do carro conversível que a levava ao palanque reservado a autoridades, Dilma sorriu e acenou algumas vezes para os que a aplaudiam e gritavam seu nome. De um dos palanques reservados a convidados foi possível ouvir o canto: “No meu país eu boto fé, porque ele é governado por mulher”.

O protesto contra Dilma só foi autorizado a tomar a via da Esplanada após o fim do desfile oficial. Segundo a PM, cerca de mil pessoas se reuniram exclusivamente na área do protesto, mas algumas que assistiram ao desfile se somaram depois ao grupo.

Dois bonecos infláveis de Lula e Dilma, levados pelo Movimento Brasil, chamaram a atenção, mas problemas na costura fizeram com que ficassem boa parte do tempo vazios sofrendo reparos. O movimento também fez réplicas em tamanho pequeno do “Pixuleco” — nome dado ao boneco de Lula — e vendeu a R$ 10. Segundo um dos organizadores, todos os 600 exemplares foram vendidos, e a renda será revertida ao movimento. A escolha do nome do boneco de Dilma será feita pela internet pelo Movimento Brasil.

— Esse boneco é do povo. Vamos deixar que o povo dê o nome que melhor simbolize este nosso momento. Pode ser Dilmentira, Dilmaluca, Pixuleca, Pinóquia ou algum outro — disse Ricardo Honorato, um dos líderes do grupo.

Por volta das 11h, após o fim do desfile, carros de som começaram a tocar músicas e militantes, a gritar palavras de ordem. No início, um padre puxou no microfone um Pai Nosso, antes dos carros de som tocarem o Hino Nacional. Os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Fora, Dilma”, “Fora, PT” e “Lula na cadeia”.

A polícia precisou intervir para evitar confronto quando um homem contra o governo atirou um coco contra os petistas. Os críticos ao governo seguiram para o Congresso com uma faixa com “Impeachment já”.

O protesto em que haviam bandeiras do PT foi menor, reunindo cerca de 200 pessoas, segundo a PM. Eles gritaram palavras de ordem “em defesa da democracia”, mas também atacaram o ajuste fiscal. Mais cedo, o Movimento Resistência Popular queimou pneus em frente à Rodoviária de Brasília.

Na noite de sábado, segundo interlocutores, a presidente estava um pouco apreensiva, mas manteve o plano de ir em carro aberto, um Rolls- Royce da Presidência. Dilma deixou o local pouco antes da Esquadrilha da Fumaça começar a se apresentar. O desfile teve custo de R$ 830 mil, valor inferior ao gasto nos últimos cinco anos.

Em SP, o desfile de Sete de Setembro, no Sambódromo do Anhembi, foi marcado por protestos contra Dilma, Lula e envolvidos na Lava- Jato, além de pedidos de intervenção militar. Já na Avenida Paulista, cerca de 2,5 mil pessoas, segundo a Guarda Municipal Metropolitana, participaram do “Grito dos Excluídos” — movimento iniciado em 95, e que em 2002 reuniu 150 mil pessoas só em SP. Liderado por movimentos sociais, e com apoio da CUT, o ato foi em defesa da democracia, contra o impeachment e o ajuste fiscal.