Orçamento deficitário de 2016

 

O globo, n. 29982, 08/09/2015. Opinião, p. 14

 

Ameaça de estagnação

 

De fato, cabe registro positivo o governo ter decidido enviar ao Congresso uma proposta de Orçamento para o ano que vem com previsão de déficit, em vez de se valer do farto arsenal da contabilidade criativa — usado à exaustão no primeiro governo Dilma — e repetir o jogo de faz de conta de encaminhar ao Legislativo um conjunto de números irreais.

Foi uma iniciativa inédita, e não passa disso. Importa é discutir qual o melhor caminho para cobrir o déficit estimado pelo Planalto em R$ 30,5 bilhões, ou 0,5% do PIB. Como é praxe nos governos petistas, a tendência do Planalto é tapar o rombo de preferência com aumento de impostos, em que pese a carga tributária, estimada em 37% do PIB, já ser a mais alta entre os países emergentes, do nível de países desenvolvidos que dão muito mais retorno ao contribuinte em serviços de qualidade do que o Brasil.

A própria proposta orçamentária já incluiu a elevação de impostos sobre algumas bebidas e produtos eletrônicos. O desejo do Planalto era já prever a ressurreição da famigerada CPMF, também destinada a financiar a Saúde, como na sua origem, intenção desvirtuada com o passar do tempo.

Mas, por ser um imposto execrado por todos, menos por alguns petistas fiéis defensores da máxima extração tributária para centralizar as rendas da sociedade no Estado, a ideia foi engavetada. Tudo indica, porém, que a proposta da volta da CPMF deve reaparecer assim que surgirem dificuldades para a execução do ajuste por meio do corte de despesas, a melhor das alternativas.

O próprio governo trata de inviabilizar essa saída, haja vista a lerdeza com que implementa o corte prometido no número excessivo de ministérios e de cargos comissionados. Não se tratam mesmo de grandes itens de despesa, porém, a sua redução significaria um gesto político não desprezível por demonstrar vontade efetiva de podar a gigantesca máquina estatal numa contribuição ao ajuste.

Infelizmente, os compromissos político- ideológicos do governo com os aparelhos montados dentro do Estado, nestes quase 13 anos de poder petista em Brasília, limitarão qualquer maior redução de custos desse tipo.

Governistas, enfim, constatam a impossibilidade que é gerenciar um Orçamento que em mais de 70% é constituído de despesas obrigatórias — Previdência, gastos sociais outros, Educação, Saúde, folha de servidores. Pior, com boa parte das despesas corrigidas automaticamente pelo salário mínimo ou pela inflação. Mesmo numa recessão como no momento, quando as receitas caem.

Ora, apenas o aumento previsto do salário mínimo, na faixa dos 10%, injetará uma despesa a mais no Tesouro de 0,2% do PIB. Está demonstrado, então, que, sem reformas urgentes no lado das despesas compulsórias — Previdência, a sua correção pelo salário mínimo etc. —, o Brasil poderá estender a crise fiscal. Rumo a uma longa estagnação, na melhor hipótese.

 

Realismo e transparência

 

JOSÉ GUIMARÃES

 

Ao enviar ao Congresso um Orçamento realista, a presidente Dilma Rousseff demonstrou grandiosidade por investir na transparência e no diálogo. Apesar da perspectiva de déficit para o ano que vem, os cenários apresentados pela área econômica são positivos. Há indicativos claros de que, se continuarmos com passos certeiros, 2016 será um momento de retomada do crescimento.

A decisão de apresentar um orçamento deficitário foi consciente. Havia outras possibilidades. Uma delas seria enviar ao Parlamento uma peça com previsão de receitas novas, sem debate prévio, e que poderiam não se concretizar. Outra seria propor alterações legais, até mesmo constitucionais, para tentar reduzir custos.

Como se sabe, a maior parte das despesas do Estado é obrigatória, algumas previstas na Constituição, como as verbas de Saúde e Educação e os repasses aos fundos dos estados e dos municípios. A fatia discricionária dos gastos se resume a R$ 250 bilhões, de um total de R$ 1,210 trilhão. Ainda assim, dessa fatia, somente R$ 115 bilhões são contingenciáveis.

Como destacou o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a desaceleração da economia resulta de uma série de fatores. O principal deles é a crise econômica mundial, que se tornou mais aguda nos últimos meses, e derrubou o preço de commodities no mercado internacional, item importante da economia brasileira. O preço do barril de petróleo, que se manteve sempre acima de 100 dólares entre 2011 e 2014, atingiu menos de 40 dólares no último mês. No mesmo caminho, em junho, o valor do minério de ferro já registrava queda de 58% em relação ao ano passado; e o da soja, de 26%. Isso, evidentemente, reduz a arrecadação. O ajuste fiscal também contribuiu para desacelerar o crescimento no curto prazo. Mas esse efeito é transitório. A equipe econômica deixou claro que o período de 2016 a 2019 será de recuperação, resultado, entre outros fatores, do aumento do saldo comercial positivo do país, em função de tratados assinados pela presidente Dilma, e da queda da inflação.

Os dados do governo mostram ainda claramente que, a partir do ano que vem, a inflação recua — fica em 5,4% em 2016 e se estabiliza em 4,5% entre 2017 e 2019. Inflação menor gera um círculo virtuoso, com juros mais baixos, que significam aumento do poder de compra dos salários. É preciso reforçar que, ao enviar um projeto de lei orçamentária anual realista ao Congresso, o governo busca estimular ainda mais o diálogo com o Parlamento, diferentemente da oposição, que, ao que parece, não quer o debate. As medidas fiscais e tributárias ajudarão a equilibrar as contas do governo, com um Orçamento transparente para 2016. Temos de ser responsáveis e rejeitar projetos que gerem mais despesas para a União, estados e municípios. Portanto, é a hora da retomada do crescimento econômico, com o diálogo marcando as relações políticas e institucionais entre os poderes da República.