Com TV, deputado vai onde o voto está

 

EVANDRO ÉBOLI 

O globo, n. 29980, 06/09/2015. País, p. 3

 

Programa “Onde o povo está”, da TV Câmara, faz propaganda de deputados em suas bases. Promessa de Eduardo Cunha (PMDBRJ) durante sua campanha para presidir a Câmara, o programa “Onde o povo está” entrou no ar na TV Câmara, no fim de agosto, num espaço que já é disputado entre colegas para garantir promoção. Num formato semelhante a de uma propaganda eleitoral, em vídeos de cinco minutos para cada um, o deputado, na sua base eleitoral, cumprimenta e troca abraços com eleitores, visita obras feitas com recursos de suas próprias emendas, aparece dançando, aplaudindo desfile cívico, em casamento coletivo e narrando jogo de futebol. Tem até deputado do PSDB divulgando emenda para obras no seu estado, liberação que depende do governo Dilma Rousseff, do PT. Uma equipe da emissora vai à base eleitoral do político e registra essas agendas.

Até agora, 16 deputados gravaram para o programa e nove já foram ao ar. Alguns deles são pré-candidatos a prefeito em 2016. Esses primeiros beneficiados foram escolhidos pelo secretário de Comunicação da Câmara, o deputado Cléber Verde ( PRB- MA), colocado ali por Cunha, de quem é aliado. A Câmara informou que as escolhas se deram por sorteio, mas não respondeu quando se deu, quem participou e se o conjunto de deputados foi comunicado. Parlamentares que protagonizaram o programa, ouvidos pelo GLOBO, afirmaram que foram comunicados. Carlos Manato (SD-ES), que é corregedor da Câmara, contou que foi procurado por Verde. O secretário pediu a Manato para escolher alguns colegas do seu estado para também protagonizarem o programa.

As cenas são as mais variadas. O deputado Marcos Abrão (PPS-GO), por exemplo, apareceu num ato de governo local, em Aparecida de Goiânia, entregando “cheques reforma” para a população carente. Ele foi secretário da área de habitação de Goiás e, agora como deputado, ainda participa desses eventos. “Às vezes as pessoas pensam: ‘ político é tudo igual, passou a eleição ele some’. Mas não. Estamos aqui de novo”, discursa Abrão para a população, em cena exibida no “Onde o povo está”.

Efraim Filho (DEM-PB) esteve em Santa Luzia, seu berço político, para visitar obras e benefícios conseguidos com recursos de suas emendas parlamentares, como ônibus escolares para jovens que vivem no sertão e precisam se deslocar para centros universitários. “Com uma emenda de minha autoria foi liberado o ônibus amarelinho para servir também universitários”.

Cabuçu Borges (PMDB-AP) formou uma espécie de dupla caipira — “Os Cabuçus” — com um colega e juntos interpretaram Lurdico e Vardico. Cabuçu vai disputar a prefeitura de Santana ano que vem. Caracterizado com as vestimentas do personagem, o deputado ainda apareceu na TV dançando marabaixo (dança típica do Amapá) e tocando tambor. “Às vezes o pessoal me diz: ‘pô Cabuçu, agora tu é deputado?’ Ué, mano! Me mandou para lá, agora tenho que ir”.

Carlos Manato foi a um casamento comunitário, em Serra (ES), e a TV Câmara registrou o parlamentar no evento. “Além de estar lá e participar, tinham algumas lideranças minhas casando. Fui até padrinho. O Juninho, quem me chamou, é uma liderança importante e que sempre me ajuda nas eleições. Nunca me pediu nada. Sempre na amizade e no companheirismo. Pela causa mesmo”, diz Manato no filmete.

João Rodrigues (PSD-SC), empresário e radialista, apareceu na TV narrando um gol do São Paulo contra a Chapecoense, jogo válido pelo Campeonato Brasileiro. E também na inauguração de uma rede de abastecimento na comunidade São Vendelino, e depois servindo prato no almoço da comunidade. Max Filho (PSDB-ES), por sua vez, assistiu a um desfile cívico-militar em Vila Velha, e acenou para os que desfilavam. Num encontro com a população, exibiu uma emenda parlamentar liberada pelo Executivo, do PT, anunciada por um locutor num bairro carente da cidade. “Esse bairro, como outros, sentem (sic) a necessidade da atuação dos nossos políticos em Brasília. Nunca foi colocado um paralelepípedo aqui. Agora, com esse documento (a emenda parlamentar), temos como cobrar do Executivo que a obra seja concluída”, disse o locutor, ao lado de Max Filho.

CADA VISITA CUSTA EM MÉDIA R$ 50 MIL

No programa exibido na última quinta, o deputado Giuseppe Vecci (PSDB-GO) apareceu na festa do Divino Pai Eterno, em Trindade (GO), entregando troféu para os que se destacaram na competição de muladeiro, um peão que monta mulas. Rômulo Gouveia (PSD-PB) foi ao São João de Campina Grande e gravou imagens dançando forró. O deputado, no programa, faz uma adaptação do trecho da letra da canção “Bailes da Vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant — “todo artista tem de ir aonde o povo está” — que acabou batizando o programa da Câmara:

— Esse programa dá a oportunidade ao parlamentar. Na base muita gente diz que a gente só aparece a cada quatro anos. Todo deputado tem que ir aonde o povo está.

A escolha de uns e a exclusão de outros estão gerando críticas na Câmara. O deputado Sérgio Vidigal (PDT-ES) não gostou dos critérios de Cléber Verde para a seleção.

— Quando há um produto, tem que ser oferecido a todos. Todos têm direito. Repudio como foram feitas essas escolhas. Não foi nada transparente — disse Vidigal.

Cada programa dura em média 15 minutos, com exibição de três deputados. É transmitido três vezes ao longo da semana, além de várias inserções durante a programação da TV Câmara. Nessa primeira leva, os deputados escolhidos foram do Amapá, Espírito Santo, Santa Catarina, Paraíba e Goiás. Cada visita a um estado custa em torno de R$ 50 mil, incluídas despesas de passagem, hospedagem e aluguel de uma van. Uma equipe de quatro profissionais da TV — um diretor, um produtor, um cinegrafista e um assistente — se desloca para as bases dos políticos para gravar. Os locais e eventos a serem registrados são escolhidos pelo próprio deputado.

Quando foi aprovado, em março, o projeto de Cunha que dá poderes ao presidente da Câmara para nomear um deputado para comandar a Secom sofreu críticas e vários parlamentares alertaram para o risco do uso promocional do cargo. Chico Alencar (PSOL-RJ) foi um deles e disse à época:

— Pode desqualificar a comunicação desta Casa, espaço a ser preservado. O nosso temor é que comecemos a partidarizar, selecionar matérias, deixar com medo os servidores, e isso é o fim da democracia.

Miro Teixeira ( PROS- RJ), que também foi contrário, disse, na última quinta-feira, que a TV não é para promoção pessoal.

— Sou contra esse modelo que se volta para a promoção do titular. Pode ter embaraço eleitoral lá na frente. Uma TV pública não é para promoção pessoal. Pode mostrar os problemas do país — afirmou Miro.

A assessoria de Cléber Verde afirmou que a escolha se dá por sorteio e que o deputado busca atender a todos. Informou que ele não considera justo atender um parlamentar e preterir outro e que até está deixando de fora alguns colegas mais próximos. Verde foi procurado pelo GLOBO na última sexta-feira, mas estava em viagem para o México.

 

'O deputado não vai mostrar ali seus defeitos ou falhas'

 

Os deputados que foram as “estrelas” das primeiras edições repetem o mesmo argumento quando questionados se não consideram o “Onde o povo está” uma promoção político-eleitoral fora de época numa TV pública. Eles consideram o programa uma oportunidade para mostrar o que fazem fora de Brasília, em seus redutos eleitorais. Segundo os defensores da iniciativa, o trabalho de um parlamentar não está restrito a votações de terça a quinta-feira na Câmara.

Giuseppe Vecci (PSDB-GO) disse que o programa é positivo para a imagem dos parlamentares:

— O deputado não vai mostrar ali seus defeitos ou falhas. Acho que o programa está numa fase de testes e ainda pode evoluir.

Marcos Abrão (PPS-GO) não considerou um erro ter participado de entregas de “cheques reforma” em seu estado.

— O cheque reforma é uma política do governo. Fui como convidado. E só aquela vez — frisou Abrão.

Para Efraim Filho (DEM-PB), é um erro apontar o programa como uma exploração eleitoral ou uma forma de promoção. Ele defende ‘‘a necessidade de o deputado mostrar seu contato com a base’’.

— Essa agenda é essencial para a gente poder ver, sentir e escutar o que a população tem a dizer. Não é de Brasília que vou adivinhar se querem um ginásio, uma obra de saneamento ou calçamento de ruas — afirmou Efraim.

Max Filho (PSDB-ES) não vê problema em ser tucano e pleitear uma emenda do governo petista:

— É uma obrigação do governo com todos os deputados.

João Rodrigues (PSD-SC) garantiu que, na TV, apenas seguiu sua rotina de trabalho em Santa Catarina:

— É meu trabalho. Não tive que encenar nem montar nada ali.

Já Cabuçu Borges (PMDB-AP) alegou que o personagem que interpretou no programa é ‘‘um humor regional’’.

— Não fiz o programa com objetivo eleitoral. Fiz pela cultura, que respiro 24 horas por dia — disse Cabuçu.

Carlos Manato (SD-ES) falou de sua ida a um casamento coletivo:

— Não fabriquei aquele casamento. Não teria como mobilizar mais de 700 casais.