O Estado de São Paulo, n. 44509, 28/08/2015. Política, p. A4

CPIs bancadas por Cunha investem contra Dirceu e ex-presidente Lula

DAIENE CARDOSO, EDUARDO RODRIGUES, RACHEL GAMARSKI E RICARDO GALHARDO

 

As três CPIs bancadas por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na Câmara dos Deputados promoveram nesta quinta-feira, 27, uma investida em direção ao governo Dilma Rousseff, ao PT e às relações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com empreiteiros. Numa das frentes, as comissões aprovaram requerimentos para ouvir executivos presos pela Operação Lava Jato, ex-presidentes do Banco Nacional de Desenvolvimento e Social (BNDES) e o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil de Lula). Em outra, interpelaram petistas próximos à cúpula da sigla.

Logo após ter anunciado seu rompimento com a gestão Dilma, Cunha deu prosseguimento à criação de duas CPIs contrárias aos interesses do governo e do PT: BNDES e Fundos de Pensão. Elas se somaram à da Petrobrás, ativa desde o primeiro semestre. 

Nesta quinta, na CPI da Petrobrás, além de Dirceu, foi convocado o executivo Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht. Em relatório da 14.ª fase da operação, a PF informou ao juiz Sérgio Moro que Lula conversou com Alexandrino Alencar em 15 de junho, quatro dias antes de o executivo e Marcelo Odebrecht, presidente da empreiteira, serem presos. Segundo o relatório, Lula estaria preocupado com “assuntos do BNDES”. A PF não grampeou Lula. Os investigadores monitoravam contatos de Alexandrino Alencar.

Também foi aprovada a convocação do ex-diretor de Internacional da Petrobrás Jorge Zelada. Anteriormente, já havia sido convocado Marcelo Odebrecht. Dirceu será ouvido segunda-feira em Curitiba, onde está preso desde o mês passado.

Novo alvo. Lula e a cúpula do PT avaliam que o risco de Dilma ter o mandato abreviado diminuiu nos últimos dias após ela ter se aproximado do empresariado. O alvo dos adversários agora é impedir que Lula e o PT cheguem em boas condições de disputa às eleições de 2018.

Segundo um interlocutor de Lula, o ex-presidente está convencido de que os objetivos dos adversários agora são enfraquecer a imagem dele próprio e “aniquilar” o PT até a eleição de 2018. A principal arma da oposição seria a Operação Lava Jato.

A CPI do BNDES ouviu nesta quinta o presidente do banco, Luciano Coutinho. Nos questionamentos, o alvo prioritário foi Lula. Antes mesmo de Coutinho começar a falar, foi aprovada a convocação de todos os presidentes do banco de 2003 a 2015 – período que engloba os governos Lula e Dilma. Dentre eles, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que comandou a instituição de novembro de 2004 a março de 2006. Na lista estão ainda Eleazar de Carvalho Filho (que havia sido nomeado pelo tucano Fernando Henrique Cardoso), Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa e Demian Fiocca.

‘Interferência’. Durante cerca de seis horas de depoimento, Coutinho teve de responder por mais de uma vez se Lula interferia no BNDES. Isso porque os parlamentares levantaram coincidências entre os países que receberam financiamentos do BNDES e aqueles que são alvo das ações do Instituto Lula na América Latina e na África. 

“Nunca houve interferência do presidente Lula nesses processos junto ao BNDES. Questões relativas às atividades do ex-presidente devem ser esclarecidas pelo Instituto Lula, não posso responder pela instituição”, afirmou Coutinho. 

Questionado pelo deputado Caio Narcio (PSDB-MG) se mantinha relações com Fábio Luiz Lula da Silva, o “Lulinha”, Coutinho disse não conhecer o filho de Lula. O presidente do BNDES negou também ter relações com o dono da UTC, o empreiteiro Ricardo Pessoa, e o ex-ministro José Dirceu.

Diante das negativas, o deputado mineiro perguntou se Coutinho abriria mão do seu sigilo telefônico. “Ceder o sigilo telefônico à CPI não é decisão minha, mas uma prerrogativa da comissão”, limitou-se a responder. As defesas mais incisivas da política do banco vieram de uma deputada do PC do B, Jandira Feghali (RJ).

Já a CPI dos Fundos de Pensão interrogou o diretor-presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), Carlos Alberto Caser. Os questionamentos abordaram desde o fato de ele ser filiado ao PT e fazer a defesa do partido em sua página no Facebook até a influência de sua preferência partidária nos investimentos do fundo.

A Sete Brasil, empresa investigada na Operação Lava Jato e na qual o fundo mantém investimentos, foi citada na CPI. 

 

 

Manifesto de deputados pede saída de Cunha do cargo

Texto assinado por 35 parlamentares, sendo 18 do PT, critica ‘silêncio’ do Congresso sobre denúncia contra peemedebista

 

Um grupo de deputados opositores ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), divulgou nesta quinta-feira, 27, um manifesto em que pedem a saída do peemedebista do cargo. O texto é assinado por 35 parlamentares – 7% do total de 513 da Casa. Não há na lista nenhum parlamentar do PSDB, do Solidariedade e do DEM. Do PMDB, só há o apoio do deputado Jarbas Vasconcelos (PE). Dentre os apoiadores, o maior número vem do PT (18, ou 30% da bancada). Há ainda deputados do PSB, PPS, PSOL, PROS, PSC e PR.

‘Pacto do silêncio’. Com a baixa adesão, o PSOL promete buscar o apoio de entidades civis para aumentar a pressão sobre Cunha e acabar com o que chama de “silêncio de cemitério”. “Eu chamaria o silêncio de silêncio ensurdecedor”, afirmou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP). A acusação é a de que há um pacto velado para não tratar do afastamento de Cunha. “Criou-se um pacto espúrio de silêncio, inclusive de parte da maioria das lideranças, de omitir o assunto”, completou o líder da bancada, deputado Chico Alencar (RJ).

O PSOL acredita que Cunha cancelou a sessão de debates ontem para evitar que outros parlamentares viessem à tribuna falar sobre a denúncia e pedir seu afastamento. Por isso, cobrou uma explicação em plenário do peemedebista.

“O procurador-geral (Rodrigo Janot) apresentou uma denúncia robusta contra o presidente (da Câmara). De maneira inédita, um denunciado não se manifestou minimamente sobre isso no plenário e era obrigação elementar ir à tribuna na primeira vez após a denúncia”, disse.

Alencar reclamou que Cunha virou as costas quando foi confrontado sobre a denúncia e questionou a viagem do peemedebista para os Estados Unidos. “Parece que deviam ir para a Disney, porque lá é um parque de diversões e um mundo encantado onde a vida real não chega”, afirmou. O presidente da Câmara dos Deputados participa no dia 31 da quarta edição da Conferência Mundial de Presidentes de Parlamentos, na sede da ONU, em Nova York.

Já o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), evitou o confronto com o peemedebista ao ser questionado sobre o assunto. “O governo tem uma questão que, para ele, é fundamental, que é a Justiça, o trânsito em julgado, o direito ao contraditório.”

Conselho de Ética. Alencar declarou que o PSOL, por enquanto, não entrou com pedido de investigação no Conselho de Ética da Câmara porque o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou se acata ou não a denúncia da Procuradoria contra Cunha. Segundo ele, o pedido já está sendo preparado “com muito esmero”.

O parlamentar acrescentou que o partido já pediu a abertura de sindicância sobre todos os investigados e que, até hoje, a Corregedoria não se manifestou. “É mais um episódio degradante”, criticou. / COLABOROU CARLA ARAÚJO