Título: Do Iraque à Líbia
Autor: Carlos, Newton
Fonte: Correio Braziliense, 31/08/2011, Opinião, p. 15

Jornalista

Um país em suspenso. Talvez seja essa a melhor definição dada à Líbia neste momento. A perspectiva, como foi dito na liberação de recursos entregues aos rebeldes anti-Kadafi, é de democracia. A Líbia pouco se conhece. Foi colônia e libertou-se como monarquia fechada em palácio. Vieram o golpe militar, Kadafi e a ditadura. Com votos historicamente negados, os líbios não tiveram até agora os meios de definir o que são e o que querem. Com votos poderão afinal defini-lo.

É o que se supõe num país em suspenso, à espera de definições. Nada de monarquia, de ditadura, de conflitos tribais ou de fundamentalismos islâmicos. A partir de agora seriam os líbios escrevendo a própria história desde que se cumpra a promessa de que eles terão o poder do voto. Para que isso ocorra, seria bom que existissem instituições de apoio. O erro no Iraque, dizem analistas, foi a extinção das duas únicas instituições que funcionavam, o Exército e o Partido Baas, de Saddam Hussein.

Com a queda do ditador, em vez de serem extintas, elas deveriam submeter-se à nova ordem em vigor no Iraque ocupado, controlada pelos invasores, o que não aconteceu. Abriu-se um vazio preenchido pela violência. O filme Zona verde, feito por americanos, procura mostrar o que se passou. O título foi tomado de empréstimo da área de maior segurança de Bagdá, onde se refugiaram invasores civis com altos cargos. Um grupo militar avançado, dos Estados Unidos, teve como missão localizar depósitos de armas de destruição maciça nunca achados.

Eram falsidades administradas por iraquianos de uma oposição externa "construída" com o objetivo de tornar-se alternativa à ditadura derrubada. O que não ocorreu por falta de peso de opositores acusados no governo Clinton de gastarem a ajuda recebida em restaurantes de luxo de Londres. Bush reanimou-a. A informação sobre armas de destruição maciça no Iraque, justificativa da invasão, foi possivelmente inventada e passada ao New York Times por gente do Pentágono e da CIA da intimidade dessa dita oposição.

Quanto à opção por abraçá-la, embora fosse carente de raízes fortes no Iraque, em vez de procurar lidar com instituições existentes forçadas a enquadrar-se, é em geral, citada, vale repetir, como uma das causas maiores da tragédia iraquiana. No filme, baseado em fatos reais, o comandante de equipe militar avançada logo constatou que lidava com falsidades. É mostrada a tentativa, não se sabe se real ou não, de fazer com que um general iraquiano falasse a respeito em sintonia com os que se viram batendo em portas erradas.

Um militar iraquiano de alta patente poderia ter sido "cooptado" e ajudado a minimizar a tragédia. A guerra do Iraque também mostrou a ONU mais uma vez submetida a um sistema de potências. É o que o historiador inglês Geofrey Barracloud chama de "falso internacionalismo da guerra fria". No Conselho de Segurança, encarregado das questões de guerra e paz, não passa nada que afete os interesses nacionais dos cinco membros permanentes. Em razão disso, os países emergentes, entre os quais o Brasil, querem um conselho mais representativo.

Os Estados Unidos invadiram o Iraque, depois de bombardeá-lo, ignorando leis internacionais. Há o registro de Bush falando que não se importa com essas leis. Com tal desdém, pôs um americano como chefão do Iraque e deu no que deu. O poder acabou caindo em mãos de xiitas próximos do Irã. Terminada a Segunda Grande Guerra, concordou-se em que era preciso criar algo parecido com a falecida Liga das Nações. Nasceu a ONU, ausente na invasão do Iraque. Na Líbia, por enquanto, marca presença. Obama, à diferença de Bush, tem se mostrado fiel ao internacionalismo.