Fracasso de Doha aumenta pressão sobre a política comercial brasileira

Assis Moreira 

03/11/2015

Um enterro simbólico da Rodada Doha em dezembro, na conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC),em Nairóbi (Quênia), vai aumentar a pressão no Brasil para definir rumos de sua política comercial.

A confirmação do esgotamento da negociação global, após 15 anos marcados por impasses, deverá fortalecer o argumento na OMC dos que consideram que a entidade deve se voltar sobretudo para negociações plurilaterais. Por esse modelo, para fechar um acordo não será necessário esperar a aprovação de todos os países a todas as cláusulas de uma proposta. Isso afasta o risco de um só país vetar uma negociação global.

Em todo caso, vários países, sobretudo desenvolvidos, querem incluir temas na agenda de negociação multilateral, seja ela sob qual modelo ocorrer. Entre eles, comércio eletrônico, investimentos, trabalho, padrões ambientais e outras barreiras não tarifárias.

O embaixador brasileiro junto à OMC, Marcos Galvão, observa que o Brasil quer, em qualquer situação, garantir o prosseguimento da negociação para desmantelar distorções no comércio agrícola, em especial os subsídios à produção, que não cabem em negociações plurilaterais ou mesas regionais.

Galvão reconhece que o debate sobre política comercial no Brasil precisa ser aprofundado, mas afirma ser "necessária uma autoavaliação criteriosa de nossa realidade e de nossos atributos competitivos, sem conclusões apressadas, simplificações e voluntarismo".

Para o empresário Daniel Feffer, presidente do comitê nacional da Camara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês), o Brasil precisa implementar o que já foi negociado, como o Acordo de Facilitação de Comércio, para ajudar a reduzir a burocracia nas fronteiras, que ainda tramita no Congresso. Publicação da ICC Brasil mostra que o custo-país para exportar é de US$ 2,3 mil por contêiner. No Chile, US$ 910.

Para Feffer, o Brasil precisa ser mais ativo em negociações e procurar novos mercados, inclusive para pequenas e médias empresas. "O Brasil deveria focar todos os esforços em comércio, importando mais para exportar, assim como aumentando a exportação de manufaturados'', afirmou.

Uma ideia que prospera em certos setores no Brasil é sobre um acordo com os EUA. A verdade é que ninguém sabe como seria esse compromisso. Certo mesmo é que o desafio será muito maior para os negociadores brasileiros do que para os americanos, com economia e acordos diversificados.

Marcos Jank, diretor da BR Foods no Pacífico, é um dos que apontam o Parceria Transpacífico (TPP), entre EUA e outros 11 países (que respondem por 40% da produção mundial) como um caminho a seguir. O problema é que Hillary Clinton, pré-candidata do Partido Democrata à presidência dos EUA, e que está à frente nas pesquisas, se opõe a esse acordo e o Congresso dos EUA está rachado.

Em Nairóbi, a Rodada Doha pode não acabar legalmente, mas na prática sim. Mas, paralelamente à possível hibernação da negociação global, prosseguirão duas negociações plurilaterais das quais o Brasil está ausente.

No Acordo de Bens Ambientais, o Brasil não quis entrar, entre outras razões, porque o etanol não estava na lista de liberalização. Agora, a lista inclui biocombustíveis, mas o país continua sem interesse no acordo. De um lado, porque acha que se trata de uma negociação de bens industriais disfarçada. De outro, porque a situação da indústria do etanol no Brasil mudou. Hoje, o país é também importador, não só exportador.

Por outro lado, prossegue a negociação plurilateral no setor de serviços. Conhecida pela sigla Tisa, foi lançada pelos EUA em 2012, em resposta ao impasse de Doha. O objetivo é avançar na liberalização com os países interessados e nesse segmento de exportações, que movimenta mais de US$ 4 trilhões por ano. A China insiste em entrar, mas os americanos temem que Pequim bloqueie a liberalização.

Valor econômico, v. 16 , n. 3874, 03/11/2015. Brasil, p. A2