Nervosismo nas alturas

 

RENNAN SETTI

JOÃO SORIMA NETO

O globo, n. 29978, 04//09/2015. Economia, p. 19

 

A forte volatilidade no mercado de câmbio, provocada por rumores de uma possível substituição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fez com que o dólar atingisse ontem a máxima de R$ 3,81. Desde 10 de dezembro de 2002 a moeda americana não ultrapassava a barreira dos R$ 3,80. Mas a divisa acabou perdendo força ao longo do dia e encerrou a R$ 3,76, com uma leve queda de 0,05%. Mas, apesar de encerrar um ciclo de quatro altas consecutivas, para o maior nível em quase 13 anos, especialistas acreditam que a tendência da moeda ainda é de valorização.

Segundo operadores de câmbio ouvidos pelo GLOBO, com o mercado financeiro chinês fechado por causa de um feriado, a pressão sobre o dólar veio de fatores internos. As dificuldades fiscais e políticas do governo continuaram pesando no humor dos investidores e foram amplificadas com a possibilidade de uma troca de comando na Fazenda.

REUNIÃO COM DILMA ALIVIA TENSÃO

Segundo fontes, Levy teria ido se queixar à presidente Dilma Rousseff de estar isolado no governo, dizendo que deixaria o cargo se a situação não mudasse. Essa conversa teria levado a presidente a defendêlo publicamente na quarta- feira, afirmando que ele não está isolado. Ontem à tarde, o ministro chegou a anunciar que não iria mais à reunião do G- 20, na Turquia, e se encontrou com Dilma, bem como com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Segundo alguns operadores, o mercado interpretou o encontro como uma tentativa de conciliação, o que também ajudou a derrubar o dólar e fez a Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa) ganhar força. No início da noite de ontem, Levy anunciou que participaria da reunião dos ministros de Finanças do G- 20, em Ancara, a capital turca.

— O dólar aR$ 4, algo em que ninguém acreditava, já é inevitável. Agora, o mercado financeiro começará a especular sobre o quanto além disso ele irá. O país exporta pouco e tem atraído menos capital especulativo, então há muito pouco fluxo de entrada de dólares. Quanto ao Levy, os agentes do mercado não querem acreditar na saída dele, mas todo mundo sabe que também é algo inevitável — afirmou Italo Abucater, gerente de câmbio da corretora Icap do Brasil.

Para Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da corretora Treviso, todos os dias o mercado vem testando um novo patamar para o dólar, em uma queda de braço com o Banco Central ( BC). Como não há reação da autoridade monetária, Galhardo também acredita que a cotação deve chegar aos R$ 4 em breve.

— Isso tem acontecido todos os dias, sem que o BC aumente a oferta de

swaps ( instrumento que equivale a uma venda futura de dólar) — afirmou o gerente da Treviso.

A escalada do dólar, que no ano acumula valorização de 41,2%, vem refletindo a crise política e se potencializou ontem com os rumores de que o ministro da Fazenda deixaria o cargo. Para Galhardo, esse cenário acabaria por aumentar a possibilidade de o Brasil perder o grau de investimento, espécie de selo de bom pagador, já que Levy é visto como um fiador das contas públicas do país.

— O problema é que todo dia sai uma informação desconstruindo a equipe econômica. A entrega de um Orçamento com previsão de déficit para 2016, por exemplo, mostrou divisão entre os ministros da Fazenda e do Planejamento. Também já se fala em uma eventual saída do presidente do BC, Alexandre Tombini, se ele perder o status de ministro na reforma ministerial. Esse cenário, aliado à crise na China e à possibilidade de aumento dos juros nos Estados Unidos, pesa sobre o dólar por aqui, fazendo o real perder força — explica Galhardo.

Em relatório, a consultoria Capital Economics afirmou que o maior risco para a economia brasileira é a saída de Levy do cargo, “visto que ele é a única autoridade do gabinete com credibilidade no mercado”. Neil Shearing, economista- chefe da consultoria, disse que “o maior risco é que, diante de um desastre econômico e político, o ministro Levy jogue a toalha e deixe o governo — o que significa que o Brasil perderia a última autoridade com alguma credibilidade no mercado”.

PROJEÇÕES PARA A COTAÇÃO SOBEM

Para Alberto Ramos, economista do banco americano Goldman Sachs, é possível “imaginar uma situação de ruido ainda mais intenso em que o câmbio não se estabilize em R$ 4”. Segundo Ramos, o aprofundamento da turbulência política torna possível a transformação do “ajuste fiscal difícil e prolongado” em curso hoje em uma “crise macroeconômica” — um cenário que seria marcado por uma disparada descontrolada do dólar e perda do grau de investimento.

— Não estamos longe disso. Esse risco já vem sendo sentido pelo mercado. Mas a mudança de um estágio para o outro tem muito a ver com sentimento, é difícil dizer qual é o divisor de águas. Não sou psicólogo... Seria o momento que levaria o investidor a parar e pensar: “não quero mais investir no Brasil”. Isso resultaria em uma fuga de capitais — explicou.

Ramos acredita que, caso o dólar continue se valorizando pelos próximos 45 dias, “o BC vai ter que dar algum sinal”.

O Goldman Sachs ainda não mudou suas projeções para o dólar: ainda prevê que o câmbio encerrará o ano em R$ 3,80, chegando a R$ 4 no terceiro trimestre de 2016.

Na mediana de 37 projeções compiladas pela Bloomberg, o mercado estima que dólar estará em R$ 3,60 no fim do ano — mais de 5% abaixo do patamar atual. Mas a canadense RBC Capital Markets e a americana Prestige Economics projetam o dólar a R$ 4 ao fim do ano. Assim como o câmbio, as projeções da RBC subiram vertiginosamente. Em outubro de 2014, a RBC esperava um dólar a R$ 2,25 no fim deste ano. Em janeiro, já havia elevado para R$ 2,80. Em abril, a estimativa saltou para R$ 3,50. Ao fim da primeira semana de agosto, ela finalmente revisou para R$ 4.

— Ninguém duvida da capacidade e da integridade do ministro Levy. A questão aqui é se ele será capaz de implementar sua visão, e isso, até agora, tem sido limitado. Mas se ele sair, quer dizer que desistiu de jogar — disse Ramos.

Já a Bovespa teve um dia mais tranquilo: encerrou em alta de 1,93%, aos 47.362 pontos. Os papéis ordinários ( ON, com direito a voto) da Vale subiram 4,19%, e os preferenciais ( PN, sem voto), 3,7%. Já a Petrobras fechou em alta de 0,78% nas ações ON, enquanto as PN caíram 0,56%.

 

Disparada nos juros futuros leva Tesouro a cancelar leilão de títulos

 
JOÃO SORIMA NETO 
Colaborou Rennan Setti
 

Em meio aos rumores sobre a saída de Joaquim Levy do cargo de ministro da Fazenda, o Tesouro Nacional cancelou um leilão de títulos ontem. Para especialistas, isso pode ser um sinal de que a rolagem da dívida começa a enfrentar turbulência. Foi a primeira vez que o Tesouro cancelou uma oferta de papéis prefixados desde fevereiro de 2014.

Em comunicado divulgado ao mercado, o Tesouro Nacional informou que cancelou o leilão de venda de Letras do Tesouro Nacional ( LTN) e de Notas do Tesouro Nacional do Tesouro Nacional Série F ( NTN- F). O juro futuro superava 15% em alguns contratos.

“O Tesouro Nacional acompanha de perto as condições de mercado, podendo alterar a estratégia de emissões de modo a minimizar a volatilidade no mercado de títulos públicos e assegurar um adequado equilíbrio entre custos e riscos para a dívida pública federal”, informa a nota. Procurada, a assessoria do Tesouro não deu informações adicionais sobre o motivo do cancelamento.

Para Alexandre Póvoa, sócio da Canepa Asset Management, em momentos de tensão o mercado acaba perdendo o parâmetro de preços — o que poderia ter levado o Tesouro a cancelar o leilão para não estimular a especulação e o aumento das taxas. Póvoa avalia que a subida dos juros futuros reflete as más notícias oriundas do governo, como a fragilidade fiscal e política, a possibilidade cada vez mais real de perda do grau de investimento e, agora, uma possível troca no Ministério da Fazenda.

— A situação toda é muito ruim. Isso leva o dólar cada vez mais próximo de R$ 4. E as Notas do Tesouro Nacional ( NTN- B) com vencimento em 2050 já estão pagando juro real de 7,5%, que é uma taxa de países com problemas. Se o ministro Levy sair, será muito ruim. Ele é a ponta de esperança de que a atual situação mude — diz Póvoa.

A decisão do Copom de manter a Selic em 14,25% ao ano, embora esperada pela maior parte dos analistas, também ajudou a pressionar os juros futuros.

RISCO- PAÍS EM ALTA

A turbulência no mercado fez o risco- país do Brasil, medido pelo Credit Default Swap ( CDS, uma espécie de seguro contra calote), disparar ontem. O CDS de cinco anos registrou a máxima de 388 pontos centesimais, mas, no fechamento, recuou para 369 pontos — ainda assim um patamar considerado muito elevado para um país com grau de investimento. O fator Levy impulsionou a alta, mas o indicador já vinha subindo desde que o governo entregou o Orçamento de 2016 com previsão de déficit.

— Na semana passada, o CDS do Brasil estava em torno de 320 pontos. Depois que o governo entregou o Orçamento de 2016 com previsão de déficit, o indicador pulou a 370, e hoje ( ontem) passou de 380. Estamos quase no mesmo nível da Rússia e acima de outros emergentes, como África do Sul, Turquia e Indonésia — explica Silvio Campos Neto, economista da consultoria Tendências.

O CDS ainda é superior à média de quatro países da América Latina ( Colômbia, Chile, Peru e México), de 170 pontos. Equipe econômica não pretende usar reservas, na página 20