JÚNIA GAMA, MARIA LIMA E CRISTIANE JUNGBLUT
O globo, n. 29978, 04//09/2015. País, p. 7
Um dia após o Senado aprovar um dispositivo da reforma política que determina o fim de doações de empresas a campanhas eleitorais, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, disse ontem não ter dúvida de que os deputados vão derrubar a decisão dos senadores e recuperar o texto aprovado anteriormente na Casa, que autorizava as doações empresariais. Segundo Cunha, o tema terá prioridade na pauta de votações na semana que vem.
ANDRE COELHOCunha. “Maioria da Casa já está consolidada tranquilamente ( a favor de doações empresariais)”— Se a Casa, em dois turnos, manteve na Constituição ( doação empresarial) com quórum de 330 votos, não tenho a menor dúvida de que a Câmara vai restabelecer o texto com relação a esse ponto. A maioria da Casa já está consolidada tranquilamente — afirmou ele.
Cunha lembrou que, como o Senado atua como Casa revisora, a Câmara tem a palavra final no caso, e pode concordar com o que o Senado aprovou ou não:
— No mesmo dia que ( o projeto) chegar, vai para o plenário. A pauta está livre e será a prioridade na semana que vem a conclusão da apreciação das emendas do Senado ao projeto da reforma política infraconstitucional que saiu da Câmara.
Líderes da oposição e o relator da reforma política na Câmara, Rodrigo Maia ( DEM- RJ) , avaliam que a aprovação do fim das doações de empresas para campanhas foi posição política do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), e de senadores do PT e da base para responder às ruas, sabendo que o dispositivo deve cair na volta do projeto de reforma política à Câmara.
Relator da reforma política no Senado, Romero Jucá ( PMDB- RR) admite que, no retorno do texto à Câmara, as doações de empresas para campanhas devem ser novamente autorizadas.
SEM ACORDO COM A CÂMARA
Jucá disse que 95% das alterações foram negociadas com Rodrigo Maia, mas não houve acordo sobre o financiamento e o dispositivo que acaba, na prática, com as coligações proporcionais, que os deputados devem também derrubar.
Para valer para as eleições do ano que vem, o projeto que agora será reanalisado pela Câmara tem que ser sancionado pela presidente Dilma até 2 de outubro.
O texto aprovado no Senado prevê que as campanhas serão financiadas apenas por doações de pessoa física e pelo Fundo Partidário. O texto que a Câmara quer recuperar prevê a doação de empresas até o teto de R$ 20 milhões por empresa para todos os partidos, e doação de pessoa física até 10% dos rendimentos auferidos no ano anterior a eleição.
— Fizemos uma votação histórica e marcamos uma posição do Senado, que atendeu a uma cobrança da sociedade. Mas essa é a posição do Senado. Eu respeito a posição da Câmara, que é soberana para mudar — disse Jucá.
PSDB e DEM continuam tentando anular a votação que acabou com as doações empresariais. O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima ( PB), disse que vai pedir as notas taquigráficas e levantar o que foi aprovado e encaminhado, para tentar anular a sessão. O líder do DEM, senador Ronaldo Caiado ( GO), também requereu as notas taquigráficas da sessão para analisar se houve erro regimental na condução da emenda de Jucá.
CAROLINA BRÍGIDO
Um julgamento realizado ontem pelo Supremo Tribunal Federal ( STF) permite que o Congresso continue realizando sessões alternadas — ou da Câmara dos Deputados ou do Senado — para analisar as contas dos presidentes da República. A próxima contabilidade a ser votada será a da presidente Dilma Rousseff referente a 2014, com as polêmicas “pedaladas fiscais”. Pela prática adotada, a tarefa de analisar as contas será do Senado, em sessão conduzida pelo presidente da Casa, Renan Calheiros ( PMDB- AL).
A polêmica chegou ao tribunal em uma ação de autoria da senadora Rose de Freitas ( PMDBES), presidente da Comissão Mista de Orçamento. Ela pediu que fosse anulada a sessão da Câmara que aprovou as contas dos ex- presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O relator do caso no STF, ministro Luís Roberto Barroso, negou o pedido. Mas determinou que as próximas sessões fossem realizadas em conjunto, com senadores e deputados, como determina a Constituição. As sessões conjuntas do Congresso são comandadas pelo presidente do Senado.
A presidência da Câmara recorreu da decisão e, no plenário do tribunal, Barroso esclareceu que não determinou a forma de realização das sessões futuras. Ele disse que, na liminar, apenas sinalizou sua posição. A decisão sobre as sessões de apreciação de contas presidenciais deve ser tomada no julgamento de outro tipo de ação, que questione especificamente essa regra.
Gilmar Mendes estranhou a explicação de Barroso e, em plenário, leu a decisão do colega para demonstrar que havia ali uma determinação, e não uma sugestão ao Congresso.
— O tom adotado ( na liminar) é mandatório. Não há uma palavra que não seja determinação. Se tudo isso que foi dito não vale, não tenho dúvida em negar provimento ao agravo. O tribunal não está se pronunciando sobre essa questão, é bom deixar isso de forma bastante clara — afirmou Gilmar.
— Eu sinalizei. Sinalizar não é determinar. É a sinalização de que um ministro entende dessa forma. A minha decisão deixa inequívoca a minha compreensão de que a competência seja das duas casas do Congresso. É o que acho. Disse isso sem determinar nenhuma providência concreta — explicou Barroso.
Depois do esclarecimento, a decisão de Barroso foi mantida, sem que o mérito da questão fosse analisado. Para a maioria dos ministros do STF, o recurso não poderia ser julgado por um motivo técnico: ele foi proposto pela presidência da Câmara, e não pela senadora Rose de Freitas, a autora da ação.