Título: Cenário menos catastrófico
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 31/08/2011, Ciência, p. 20

Apesar dos estragos provocados pelo aquecimento global, a densidade das florestas não diminuiu tanto como se previa. Um novo cálculo desenvolvido por cientistas brasileiros mostra que valores divulgados anteriormente estavam superestimadosNotíciaGráfico

Em agosto de 2010, um artigo norte-americano publicado na revista científica Science trouxe uma informação alarmante. O aquecimento global vinha produzindo secas cada vez mais prolongadas e intensas; por isso, a cada década, a Terra estaria perdendo 1% de sua capacidade de produzir biomassa, deixando as florestas menos densas e diminuindo a produtividade das lavouras. Estava prevista uma crise mundial no abastecimento de alimentos. No entanto, uma pesquisa feita com a participação de cientistas brasileiros e publicada neste mês no mesmo periódico mostrou que a realidade não é tão dura quanto se imaginava. As florestas têm se adaptado ao aumento da temperatura e, embora o aquecimento global seja catastrófico, não é na densidade vegetal que ele deve produzir seus maiores danos.

Os pesquisadores analisaram a produção primária líquida (NPP), que é a capacidade do meio ambiente em converter a radiação solar em matéria vegetal.

Para isso, usaram dados de satélite e de sensoriamento remoto fornecidos pela Agência Espacial Americana (Nasa) e criaram um algoritmo, ou seja, uma espécie de equação, que leva em conta dados como a disponibilidade de água, as trocas de calor entre a floresta e o meio ambiente e a capacidade de as plantas absorverem calor.

Em seguida, os pesquisadores se concentraram em oito regiões do Brasil, da Colômbia e do Peru que tinham dados coletados em campo; ou seja, os cientistas sabiam exatamente a quantidade de biomassa, pois fizeram medições in loco. Eles, então, compararam o valor real ao proposto pelo algoritmo anterior e pela nova equação. A descoberta foi que, enquanto as contas feitas pelos americanos apresentaram uma diferença de 28% em relação ao que foi encontrado na prática, a equação brasileira teve um desvio de apenas 3%. "Embora tenhamos testado apenas nas florestas tropicais, a constatação vale para todas as regiões do mundo", explica o pesquisador da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Edson Nunes, um dos autores da pesquisa.

"Ainda segundo o nosso cálculo, não existe uma tendência de perda da capacidade de produção vegetal nas regiões onde a vegetação é mais importante", explica Nunes. "As zonas em que efetivamente houve redução da capacidade vegetal foram as mais áridas, como o meio-oeste da Austrália, e a região do deserto do Atacama, onde a vegetação não tem um papel tão preponderante", completa. Isso significa dizer que, ao contrário do que o estudo anterior previu, o superaquecimento da Terra não vem afetando a capacidade de produção de matéria vegetal.

Na Floresta Amazônica, erro foi induzido por imagens de satélite

Imagem A escolha das florestas tropicais da Amazônia e da Mata Atlântica para testar o algoritmo não foi aleatória. Segundo os pesquisadores norte-americanos, só a Floresta Amazônica seria responsável por 66% da redução na produção primária líquida. O erro pode ter sido induzido pela má qualidade das imagens registradas por satélite. "Elas podem apresentar pixels cobertos por nuvens ou por aerossóis provenientes de queimadas", conta a pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Simone Vieira. "Na Amazônia, a ocorrência de nuvens e aerossóis é generalizada e pode comprometer a imagem e a sua interpretação." Por isso, antes de analisar os dados de satélite, os pesquisadores trataram as imagens, para que a fumaça não afetasse o estudo.

Agora, os cientistas trabalham para melhorar o algoritmo criado, que já ele é a base para as medições nacionais. "A próxima etapa é continuar os estudos para aprimorar cada vez mais os modelos de estimativa de NPP", conta Simone. Além disso, os pesquisadores estão trabalhando na publicação dos dados da redução da NPP segundo o cálculo elaborado por aqui, que já foram submetidos à análise para publicação em revistas especializadas. "Em breve, vamos publicar um estudo mais detalhado que traz dados mais realistas do impacto do aquecimento global na produção primária líquida", completa Edson Nunes.