Impostos à vista

 

CATARINA ALENCASTRO

O globo, n. 29977, 03//09/2015. País, p. 3

 

Após anunciar que desistira de tentar recriar a CPMF, a presidente Dilma admitiu ontem a possibilidade de acrescentar ao Orçamento proposta de mais impostos. - BRASÍLIA- Depois de o governo abandonar a ideia de recriar a CPMF, a presidente Dilma Rousseff deu sinais de que novos tributos não estão descartados. Em uma longa entrevista após evento no Palácio do Planalto, a presidente disse ontem que não gosta da CPMF, mas que não descarta a possibilidade de o governo precisar de novas fontes de receita. Segundo ela, quando houver condições para que o governo mande um adendo com mais informações sobre o Orçamento ao Congresso, isso será feito.

— Eu não gosto da CPMF. Acho que a CPMF tem suas complicações. Mas não estou afastando a necessidade de fontes de receita, não estou afastando nenhuma fonte de receita, quero deixar isso claro para depois, se houver a hipótese de a gente enviar essa fonte, nós enviaremos — disse, sem querer detalhar quais seriam as possibilidades de novas fontes de receita.

Indagada se achava ser mau exemplo para os brasileiros apresentar uma conta deficitária para o Congresso, Dilma respondeu que “não”, que está agindo com transparência, e que o governo não está “tirando nada da cartola”. A presidente também negou que o governo esteja jogando sobre os ombros dos parlamentares a responsabilidade de cobrir o déficit de R$ 30,5 bilhões no Orçamento. Segundo ela, a ideia é definir junto com os parlamentares as alternativas de cortes ou aumento de impostos:

— Nós não queremos transferir essa responsabilidade para ninguém. O que nós queremos é construir juntos. Nós estamos evidenciando que tem um déficit, estamos sendo transparentes e mostrando claramente que tem um problema. O que nós queremos, porque vivemos num país democrático, é construir essa alternativa, não transferindo a responsabilidade de ninguém, porque ela sempre será nossa. Quando acharmos que a discussão maturou, que existem as condições para fazer isso, nós iremos mandar mais elementos para o Congresso.

GOVERNO DIZ QUE DÉFICIT ESTÁ CORRETO

A presidente avaliou que o governo não está errado quanto ao tamanho do déficit nas contas públicas. No dia seguinte ao envio do Orçamento para o Congresso, parlamentares identificaram que o rombo pode ser de até R$ 70 bilhões, mais que o dobro do indicado, caso receitas não garantidas, como a venda de ativos, sejam frustradas. Dilma reconheceu, no entanto, que “todo déficit é ruim”, embora afirme discordar da palavra “desatroso” usada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, para definir o rombo.

— Do nosso ponto de vista, nós não achamos que estamos errados. Nós achamos que o déficit é de R$ 30 bilhões. O déficit é ruim. Eu não vou concordar com o “desastroso”, mas todo déficit é ruim. Se a gente achasse o déficit bom, nós iríamos abraçá- lo. Nós vamos buscar medidas para resolver o déficit. Vocês podem ter certeza que essa é uma forma correta de condução, porque qualquer tentativa de fazer diferente provocaria muito mais problema — afirmou.

Dilma fez um desagravo a Levy, dizendo que ele não está desgastado, e rejeitou a existência de divergências entre o ministro da Fazenda e o do Planejamento, Nelson Barbosa.

— O ministro Levy não está desgastado dentro do governo. Não contribui para o país esse tipo de fala de que o ministro Levy está desgastado, que ministro A briga com ministro B. Ele também não está isolado. Isolado de mim ele não está. Dentro de uma família só tem uma opinião? Não, nós todos sabemos que dentro de uma família há várias opiniões. O fato de haver opiniões da mãe, do pai, de quem quer que seja, não significa que a família está desunida. Significa que ela debate, que ela quer enfrentar o problema — comparou.

Mais de uma vez, ao longo da entrevista de quase meia hora, Dilma pregou a união para que governo e Congresso encontrem a resposta para resolver o rombo nas contas. A presidente fez ainda duras críticas aos aumentos de gastos:

— Tem um problema, é esse, ele está claro. E fica claro também a responsabilidade de todo mundo. É impossível nesta situação que o país passe a inventar despesa. Em situação normal, com o país crescendo a taxas elevadas, alguns processos foram vetados, ( pois) o país não dava conta. Muito menos quando tem um déficit. Nós não damos conta — disse.

Nelson Barbosa também negou ontem que o rombo no Orçamento seja maior que os R$ 30,5 bilhões. O ministro ainda avisou que o Congresso terá que encontrar novas verbas se quiser aumentar o recurso para a compensação da chamada Lei Kandir. Perguntado sobre as declarações de Levy, que defendeu uma meta de superávit de 0,7% mesmo com o déficit no Orçamento, Barbosa disse apenas que estão sendo tomadas medidas “de médio e longo prazo” para melhorar a situação fiscal.

— Todas as despesas que têm que estar previstas no Orçamento estão previstas no Orçamento. A questão da Lei Kandir é uma despesa que normalmente o governo não envia, e este ano a gente enviou R$ 1,950 bilhão. Há uma demanda dos estados de que essa despesa seja maior. E isso, normalmente, é realizado na tramitação do Orçamento — disse Barbosa.

O ministro também negou divergências com Joaquim Levy:

— Estamos falando a mesma coisa. A proposta orçamentária foi construída por toda a equipe econômica. É sempre bom perseguir o resultado primário mais elevado possível. Estamos empenhados nisso.

 

RENAN VÊ OBSESSÃO POR NOVAS TAXAS

 

CRISTIANE JUNGBLUT E EDUARDO BRESCIANI 

 

O presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), disse ontem que o governo precisa abandonar o “mantra obsessivo” da criação de novos impostos e fazer uma reforma profunda do Estado. O discurso foi feito na cerimônia de instalação da comissão de juristas que vai discutir projetos para a desburocratização administrativa do país. Um pouco antes, a presidente Dilma Rousseff disse que não gosta da CPMF, mas que não afasta a necessidade de novas fontes de receita.

— Ao governo, cabe abandonar o mantra obsessivo de mais e piores impostos e operar uma reforma profunda do Estado, reduzindo ministérios, cargos comissionados, e revendo contratos. Agora é a hora da verdade. O governo não cabe mais no PIB brasileiro e precisa reavaliar todos os seus programas e conferir prioridade aos que devem ser mantidos — defendeu Renan.

O presidente do Senado disse ainda que o Congresso poderá apresentar alternativas para reduzir o déficit de R$ 30,5 bilhões no Orçamento, amenizando a cobrança junto ao governo:

— O Orçamento será submetido a uma rigorosa apreciação do Congresso. Se o Congresso tiver alternativas para superação do déficit, melhor, embora não seja papel do Congresso. Cabe ao Executivo propor, e eu cobrarei em todos os instantes que o Executivo proponha soluções.

CÂMARA APROVA PEC

Renan defende também que o governo promova corte nas despesas, e que qualquer ajuste nas contas tenha esse ponto de partida. Mais cedo, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, descartou o envio de correções neste momento, explicando que faz parte da regra orçamentária enviar revisões da previsão de receita ao longo do ano.

Para o presidente do Senado, a Agenda Brasil, proposta por ele, não é inatingível. Renan disse que a comissão criada para examinar os projetos da agenda dará uma contribuição na busca de simplificar processos administrativos.

A Câmara aprovou ontem à noite, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição ( PEC) 172, que estabelece que a União não poderá impor nem transferir qualquer encargo ou a prestação de serviços aos estados e municípios sem a previsão de repasses financeiros necessários ao seu custeio. A medida integra um grupo de propostas do chamado pacto federativo. A aprovação foi fruto de um acordo dos deputados com o governo para que a União só fosse obrigada a bancar novos custos se essa despesa estivesse prevista no Orçamento federal.

 

Planejamento sugere corte de 15 ministérios, mas presidente resiste

 

GERALDA DOCA E SIMONE IGLESIAS

 

A presidente Dilma Rousseff determinou ao ministro Nelson Barbosa que amplie o corte de cargos comissionados. No anúncio feito na semana passada, seriam apenas mil dos 22 mil que ocupam a Esplanada. A presidente resiste, no entanto, a reduzir mais ministérios. Ainda está em dez o corte, sendo cinco apenas perda de status. O Planejamento apresentou estudo com corte de 15 pastas, entre elas a incorporação do Desenvolvimento Agrário à Agricultura ou ao Desenvolvimento Social, e a extinção do Turismo. Mas Dilma quer evitar mexer com a base social que ainda tem ao seu lado, evitando perder o MST.

Paralelamente aos cortes, a presidente voltou a falar com seus assessores sobre a importância de ter o apoio do PMDB, que poderá ser compensado na reforma ministerial. Com isso, Dilma pretende “reinaugurar” as relações com os peemedebistas, deterioradas com a saída de Michel Temer e Eliseu Padilha da articulação política. Só que as mudanças não serão fáceis. Integrantes do Ministério do Planejamento já defendem que as secretarias de Aviação Civil e de Portos sejam mantidas com status de ministério.

O argumento usado é que essas pastas, criadas no primeiro mandato de Dilma, ainda não terminaram a sua missão. No caso da Aviação Civil, por exemplo, é preciso concluir o marco regulatório do setor ( dos aeroportos regionais), definir a situação da Infraero e modernizar o Código Brasileiro de Aeronáutica. Em relação a Portos, estão pendentes uma definição sobre as companhias Docas e questões relativas à cabotagem e à praticagem ( serviço de auxílio à navegação).

— No Ministério dos Transportes, que sempre foi voltado para rodovias e ferrovias, aeroportos e portos ficarão em segundo plano — avaliou um técnico do Planejamento.

FUSÃO DE PREVIDÊNCIA E TRABALHO EM ESTUDO

De acordo com esse grupo, a fusão entre os Ministérios da Previdência e do Trabalho também pode ocorrer. Além disso, Turismo e Micro e Pequenas Empresas deverão migrar para o Ministério do Desenvolvimento, e a pasta da Cultura poderia voltar a integrar o Ministério da Educação. Ainda tendem a perder o status de ministério os seguintes órgãos: Secretaria de Comunicação Social ( Secom); Gabinete de Segurança Institucional ( GSI); a Secretaria- Geral da Presidência da República; Direitos Humanos; Igualdade Racial e das Mulheres. Há, no entanto, fortes resistências do PT no caso destas duas últimas secretarias.

Cotados na lista inicial de cortes, o Banco Central ( BC) e a Controladoria- Geral da União ( CGU) também podem manter o status de ministério. No caso do BC, a avaliação é que a perda de título poderia ter impactos negativos no mercado. E, no caso da CGU, a manutenção do status seria pelas tarefas “pesadas”, como a participação nas investigações da Operação Lava- Jato.