A conta ainda não fecha

 

MARTHA BECK, CRISTIANE JUNGBLUT, BÁRBARA NASCIMENTO, CATARINA ALENCASTRO, JÚNIA GAMA E WASHINGTON LUIZ 

O globo, n. 29975, 01//09/2015. País, p. 3

 

Temer diz que situação é ‘ extremamente preocupante’ e que não há estratégia; aliados elogiam o que chamam de transparência, e oposição fala até em devolver ao Executivo o texto enviado ontem ao Congresso

ANDRÉ COELHOPuxão de orelha. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na entrevista sobre o Orçamento: saia- justa com o colega Nelson Barbosa, do Planejamento

Pela primeira vez na História, o governo enviou ontem ao Congresso uma proposta de Orçamento em que prevê gastar mais do que deve arrecadar no ano que vem, deixando um déficit de R$ 30,5 bilhões. O texto propõe aumento de impostos sobre eletrônicos, bebidas e operações do BNDES. Para o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, será necessário “enfrentar” os gastos obrigatórios, como Previdência e salários do funcionalismo. O vice- presidente Michel Temer disse que não há estratégia para conseguir receita. O relator- geral do Orçamento, deputado Ricardo Barros ( PP), propôs reavaliar o reajuste dos servidores no próximo ano. A presidente Dilma se reuniu com líderes aliados na Câmara e disse que está disposta a ir ao Congresso para explicar o Orçamento. Parlamentares governistas elogiaram o que chamaram de transparência na proposta orçamentária, enquanto a oposição estuda tentar devolver o texto ao Executivo. - BRASÍLIA- A solução para o rombo das contas públicas em 2016 virá de mais aumento de impostos ( além dos R$ 11, 2 bilhões previstos no texto do orçamento) e exigirá corte de gastos obrigatórios do governo, como despesas com Previdência e funcionalismo, entre outros. Essa foi a indicação dada ontem pela equipe econômica ao encaminhar ao Congresso um projeto de lei orçamentária que prevê um déficit primário de R$ 30,5 bilhões, ou 0,5% do Produto Interno Bruto ( PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), para o ano que vem.

O texto já prevê aumento da tributação para bebidas quentes ( como destilados e vinhos), do Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF) para operações de crédito do BNDES, do Imposto de Renda ( IR) sobre direito de imagem e uma revisão da desoneração do PIS/ Cofins para computadores, tablets e smartphones. Isso deve render aos cofres públicos uma receita adicional de R$ 11,2 bilhões em 2016. No entanto, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que para cobrir o rombo será preciso propor mudanças na legislação que permitam cortar despesas obrigatórias, como as com saúde, educação e Previdência, esta última o maior gasto do governo.

— Existem várias formas de reduzir esse déficit ao longo do ano, mas isso envolve principalmente uma atuação sobre os chamados gastos obrigatórios da União. Qualquer atuação sobre um gasto obrigatório necessita de uma proposta legal, uma proposta de lei, uma PEC. Ou seja, precisa ser construído com a sociedade, principalmente com o Congresso — defendeu Barbosa.

Já o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que é preciso fazer sacrifícios e indicou que pode ser necessário adotar medidas adicionais temporárias para solucionar o atual quadro fiscal. Até sábado o governo estudava recriar a CPMF por um período de quatro anos.

— A gente vai precisar de uma ponte segura de estabilidade fiscal para chegar lá. Com receita para cobrir as despesas nesse curto prazo. Podem ser ações temporárias. Esta é a discussão que esse orçamento provoca — afirmou Levy.

O relator- geral do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros ( PP- PR), irá propor que seja “reavaliado” o reajuste dos servidores no próximo ano. Segundo o relator disse ao GLOBO, a estimativa é que o reajuste consuma R$ 15 bilhões do Orçamento, quase a metade do déficit previsto pelo governo.

— A iniciativa privada está cortando muito, demitindo muito, e o setor público não pode demitir. Só com isso ( reavaliação do reajuste), já resolveria metade do problema. É uma questão de não disponibilizarmos esse recurso no Orçamento. O governo não pode dar o reajuste se não tiver previsão no Orçamento — disse.

Barros diz que será preciso negociar o tema com os líderes parlamentares e que a decisão final sobre isso não dependeria do governo. O deputado irá se reunir na manhã de hoje com Nelson Barbosa para debater as alternativas de corte.

No fim da tarde, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com os líderes da base aliada na Câmara e disse aos deputados que estaria disposta a ir ao Congresso para explicar a proposta orçamentária. Dilma conversou com os parlamentares para tentar garantir apoio na aprovação da proposta e do plano plurianual 2016- 2019, também entregue ontem. Dilma ainda aproveitou a reunião para pedir que o Congresso não derrube os vetos presidenciais a reajustes de servidores e ao fim do fator previdenciário. Eles serão analisados pelo Congresso na próxima quarta- feira. Dilma alegou que os vetos não podem ser derrubados porque isso “desestruturaria de vez” o Brasil.

A presidente também afirmou ser impossível dar neste momento os aumentos que as categorias de servidores estão reivindicando. Após recuar sobre a recriação da CPMF, Dilma teria descartado, segundo relatos, aumento de impostos. Disse aos líderes que está aberta a sugestões de incremento das receitas não tributárias, mas que não incluíssem vendas de ativos de “setores estratégicos”, como a Petrobras.

O Orçamento da União de 2016 prevê ainda um salário mínimo de R$ 865,50 e uma inflação de 5,4% ao ano. A meta fiscal de 2016 já havia sido revisada em julho para 0,7% do PIB, mas diante da dificuldade em cortar gastos e da queda nas receitas, o governo teve que rever o número, que agora é deficitário. Na proposta encaminhada ao Legislativo, o governo também reviu para baixo a estimativa de crescimento do ano que vem: de 0,5% para 0,2% — ainda assim acima das estimativas do mercado, de uma retração de 0,4%.

No Congresso, a avaliação é que o governo aposta em algumas ações para tentar reduzir o rombo, principalmente a aprovação do projeto de repatriação de recursos do exterior e a venda de ativos de empresas estatais, sem a perda do controle acionário. Participantes das negociações apontaram essa alternativa. Barbosa disse que a proposta entregue ontem inaugura um “novo ciclo orçamentário”:

O ministro do Planejamento afirmou que a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) estabelece que o governo tem que enviar o Orçamento com uma meta fiscal, e não importa se ela é positiva ou negativa. Segundo ele, o fato de o governo encaminhar uma proposta que prevê déficit não significa que o Brasil vá perder o chamado grau de investimento.

 

Temer diz que situação é ‘ extremamente preocupante’ e que não há estratégia; aliados elogiam o que chamam de transparência, e oposição fala até em devolver ao Executivo o texto enviado ontem ao Congresso

ANDRÉ COELHOPuxão de orelha. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na entrevista sobre o Orçamento: saia- justa com o colega Nelson Barbosa, do Planejamento

Pela primeira vez na História, o governo enviou ontem ao Congresso uma proposta de Orçamento em que prevê gastar mais do que deve arrecadar no ano que vem, deixando um déficit de R$ 30,5 bilhões. O texto propõe aumento de impostos sobre eletrônicos, bebidas e operações do BNDES. Para o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, será necessário “enfrentar” os gastos obrigatórios, como Previdência e salários do funcionalismo. O vice- presidente Michel Temer disse que não há estratégia para conseguir receita. O relator- geral do Orçamento, deputado Ricardo Barros ( PP), propôs reavaliar o reajuste dos servidores no próximo ano. A presidente Dilma se reuniu com líderes aliados na Câmara e disse que está disposta a ir ao Congresso para explicar o Orçamento. Parlamentares governistas elogiaram o que chamaram de transparência na proposta orçamentária, enquanto a oposição estuda tentar devolver o texto ao Executivo. - BRASÍLIA- A solução para o rombo das contas públicas em 2016 virá de mais aumento de impostos ( além dos R$ 11, 2 bilhões previstos no texto do orçamento) e exigirá corte de gastos obrigatórios do governo, como despesas com Previdência e funcionalismo, entre outros. Essa foi a indicação dada ontem pela equipe econômica ao encaminhar ao Congresso um projeto de lei orçamentária que prevê um déficit primário de R$ 30,5 bilhões, ou 0,5% do Produto Interno Bruto ( PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), para o ano que vem.

O texto já prevê aumento da tributação para bebidas quentes ( como destilados e vinhos), do Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF) para operações de crédito do BNDES, do Imposto de Renda ( IR) sobre direito de imagem e uma revisão da desoneração do PIS/ Cofins para computadores, tablets e smartphones. Isso deve render aos cofres públicos uma receita adicional de R$ 11,2 bilhões em 2016. No entanto, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse que para cobrir o rombo será preciso propor mudanças na legislação que permitam cortar despesas obrigatórias, como as com saúde, educação e Previdência, esta última o maior gasto do governo.

— Existem várias formas de reduzir esse déficit ao longo do ano, mas isso envolve principalmente uma atuação sobre os chamados gastos obrigatórios da União. Qualquer atuação sobre um gasto obrigatório necessita de uma proposta legal, uma proposta de lei, uma PEC. Ou seja, precisa ser construído com a sociedade, principalmente com o Congresso — defendeu Barbosa.

Já o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que é preciso fazer sacrifícios e indicou que pode ser necessário adotar medidas adicionais temporárias para solucionar o atual quadro fiscal. Até sábado o governo estudava recriar a CPMF por um período de quatro anos.

— A gente vai precisar de uma ponte segura de estabilidade fiscal para chegar lá. Com receita para cobrir as despesas nesse curto prazo. Podem ser ações temporárias. Esta é a discussão que esse orçamento provoca — afirmou Levy.

O relator- geral do Orçamento de 2016, deputado Ricardo Barros ( PP- PR), irá propor que seja “reavaliado” o reajuste dos servidores no próximo ano. Segundo o relator disse ao GLOBO, a estimativa é que o reajuste consuma R$ 15 bilhões do Orçamento, quase a metade do déficit previsto pelo governo.

— A iniciativa privada está cortando muito, demitindo muito, e o setor público não pode demitir. Só com isso ( reavaliação do reajuste), já resolveria metade do problema. É uma questão de não disponibilizarmos esse recurso no Orçamento. O governo não pode dar o reajuste se não tiver previsão no Orçamento — disse.

Barros diz que será preciso negociar o tema com os líderes parlamentares e que a decisão final sobre isso não dependeria do governo. O deputado irá se reunir na manhã de hoje com Nelson Barbosa para debater as alternativas de corte.

No fim da tarde, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com os líderes da base aliada na Câmara e disse aos deputados que estaria disposta a ir ao Congresso para explicar a proposta orçamentária. Dilma conversou com os parlamentares para tentar garantir apoio na aprovação da proposta e do plano plurianual 2016- 2019, também entregue ontem. Dilma ainda aproveitou a reunião para pedir que o Congresso não derrube os vetos presidenciais a reajustes de servidores e ao fim do fator previdenciário. Eles serão analisados pelo Congresso na próxima quarta- feira. Dilma alegou que os vetos não podem ser derrubados porque isso “desestruturaria de vez” o Brasil.

A presidente também afirmou ser impossível dar neste momento os aumentos que as categorias de servidores estão reivindicando. Após recuar sobre a recriação da CPMF, Dilma teria descartado, segundo relatos, aumento de impostos. Disse aos líderes que está aberta a sugestões de incremento das receitas não tributárias, mas que não incluíssem vendas de ativos de “setores estratégicos”, como a Petrobras.

O Orçamento da União de 2016 prevê ainda um salário mínimo de R$ 865,50 e uma inflação de 5,4% ao ano. A meta fiscal de 2016 já havia sido revisada em julho para 0,7% do PIB, mas diante da dificuldade em cortar gastos e da queda nas receitas, o governo teve que rever o número, que agora é deficitário. Na proposta encaminhada ao Legislativo, o governo também reviu para baixo a estimativa de crescimento do ano que vem: de 0,5% para 0,2% — ainda assim acima das estimativas do mercado, de uma retração de 0,4%.

No Congresso, a avaliação é que o governo aposta em algumas ações para tentar reduzir o rombo, principalmente a aprovação do projeto de repatriação de recursos do exterior e a venda de ativos de empresas estatais, sem a perda do controle acionário. Participantes das negociações apontaram essa alternativa. Barbosa disse que a proposta entregue ontem inaugura um “novo ciclo orçamentário”:

O ministro do Planejamento afirmou que a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) estabelece que o governo tem que enviar o Orçamento com uma meta fiscal, e não importa se ela é positiva ou negativa. Segundo ele, o fato de o governo encaminhar uma proposta que prevê déficit não significa que o Brasil vá perder o chamado grau de investimento.

 

Déficit é resultado de uma combinação de equívocos

 

MARTHA BECK

 

Omovimento inédito de entregar ao Congresso Nacional uma proposta orçamentária prevendo déficit nas contas públicas em 2016 não chega a surpreender quem acompanhou de perto a política fiscal do governo Dilma Rousseff nos últimos anos. O quadro atual foi resultado de uma combinação de equívocos.

De um lado, o governo tentou estimular a economia com desonerações e subsídios que, na prática, só conseguiram derrubar a arrecadação tributária. De outro, não atacou os gastos públicos e nem tocou em reformas cruciais, como a da Previdência Social. Para piorar, corroeu a credibilidade da economia abusando da chamada contabilidade criativa e do artificialismo nas tarifas administradas.

Com isso, em quatro anos, foi construída uma bomba fiscal que, agora, estoura nas mãos da equipe econômica no pior momento possível, em que a presidente está fragilizada e enfrenta uma crise política aguda.

O recolhimento de impostos continua em queda livre e, como a economia está em recessão, não há uma melhora possível para esse quadro no curto prazo. Só resta ao governo rever toda a política de incentivos que foi adotada no passado e propor aumento de tributos.

Do lado dos gastos, é preciso lidar com um Orçamento em que as despesas obrigatórias respondem por nada menos que 79,3% do total. Segundo o projeto encaminhado ontem ao Legislativo, os gastos da União terminarão 2016 em R$ 1,210 trilhão, sendo que, deste total, R$ 960,2 bilhões são obrigatórios, o que inclui a Previdência Social e a folha de pessoal.

No caso da Previdência, em particular, a recessão econômica ainda levou a uma combinação perversa. De um lado, queda na arrecadação da contribuição previdenciária e, de outro, a exigência legal de reajustar a maior parte dos benefícios dos aposentados e pensionistas pela correção do salário mínimo.

Isso, no entanto, não quer dizer que o governo esteja completamente refém do Congresso Nacional para conseguir fazer reduções significativas nos gastos. Há espaço para enxugar a máquina pública, o que tem um efeito simbólico sobre as expectativas.

Se a equipe econômica simplesmente transferir para o Legislativo a responsabilidade de equilibrar o Orçamento, vai criar mais instabilidade.

Quem conhece o Congresso sabe que medidas muito impopulares, como não reajustar o salário do funcionalismo ou aumentar impostos, dificilmente sairão do papel nesse quadro de crise política, o que só tende a aumentar a desconfiança do mercado financeiro sobre o Brasil.