Na Suíça, com endereço da Barra da Tijuca

 

JAILTON DE CARVALHO

O globo, n. 30013, 09//10/2015. País, p. 3

 

Depois de receber documento da Procuradoria Geral da República, PSOL decide pedir cassação do deputado

JORGE WILLIAMContas bloqueadas. Cunha durante sessão: o deputado foi denunciado ao STF por corrupção passiva e lavagem

Documentos do Ministério Público da Suíça mostram que os registros das contas naquele país atribuídas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), têm o endereço na Barra da Tijuca, no Rio, onde o deputado mora. Segundo procuradores suíços, em abril de 2014, um mês após o início da Lava- Jato, Cunha fechou duas das quatro contas no banco Julius Baer. Nas duas que continuaram ativas, a Suíça bloqueou US$ 2,5 milhões. Ontem, o PSOL anunciou que pedirá ao Conselho de Ética abertura de processo de cassação do deputado, que nega ter conta no exterior. - BRASÍLIA- Relatório do Ministério Público da Suíça revela que nos registros das contas atribuídas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDBRJ), no banco suíço Julius Baer consta o nome dele e um endereço na Avenida Heitor Doie Maia, número 98, na Barra da Tijuca. É neste endereço que o deputado mora com a mulher, a jornalista Cláudia Cruz, também apontada como beneficiária das contas. O documento suíço informa ainda que duas das quatro contas que Cunha tinha no Julius Baer foram fechadas em abril do ano passado, um mês após o início da Operação LavaJato, como antecipou ontem o site do GLOBO.

As outras duas foram bloqueadas em abril deste ano com um saldo de US$ 2,5 milhões. Em valores atualizados, o saldo corresponderia a cerca de R$ 10 milhões. As contas — que foram bloqueadas a partir de uma investigação sobre suposto envolvimento do presidente da Câmara em corrupção e lavagem de dinheiro — estão em nome de empresas offshores que têm como beneficiários Cunha e Cláudia Cruz.

Os documentos contém detalhadas informações sobre os donos das contas. Pelo documento, um dos beneficiários é brasileiro, chama- se Eduardo Cosentino da Cunha e nasceu em 29 de setembro de 1958, data de nascimento de Cunha. Uma das offshores atribuída ao deputado é chamada de Orion. Autoridades brasileiras e suíças não têm dúvida de que as contas pertencem ao presidente da Câmara.

INDÍCIOS EVIDENTES

Segundo um investigador, os indícios contra o deputado são evidentes. Diferentemente do que aconteceu com o ex- prefeito Paulo Maluf, Cunha não terá como negar a responsabilidade sobre contas e offshores, diz a fonte. O relatório contém extratos da movimentação financeira das duas contas. Uma delas recebeu, entre maio e junho de 2011, quatro depósitos. Três depósitos de 250 mil francos e um de 311,7 mil francos.

O Ministério Público suíço informa que Cunha foi devidamente notificado do bloqueio das contas. Os documentos foram enviados na última quarta- feira para a Procuradoria- Geral da República, numa operação intermediada pelo Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça. Caberá agora ao procurador- geral, Rodrigo Janot, decidir se pede ao Supremo Tribunal Federal ( STF) abertura de novo inquérito ou se apresenta nova denúncia contra Cunha.

As contas foram descobertas em abril deste ano e, desde então, o presidente da Câmara vinha sendo investigado na Suíça por corrupção passiva e lavagem de dinheiro desviado da Petrobras. Cunha é suspeito de receber propina numa transação relacionada a vazamento de informação privilegiada e venda, para a Petrobras, de um campo de petróleo no Benin.

Na outra investigação, aberta no Brasil, Cunha foi denunciado ao STF por corrupção passiva e lavagem dinheiro, sob acusação de receber US$ 5 milhões em propina para facilitar a compra de dois navios- sondas da Samsung Heavy Industries, pela Petrobras ( um negócio de US$ 1,2 bilhão). O negócio teria resultado em propina no valor de US$ 40 milhões. Outros dois acusados na fraude, o lobista Fernando Soares, o Baiano, e o ex- diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró já foram condenados pelo juiz Sérgio Moro, da 13 ª Vara Federal de Curitiba.

SEIS DELATORES DENUNCIARAM CUNHA

Na denúncia, Janot pede que Cunha devolva ao cofres públicos US$ 80 milhões, soma entre multa e valores desviados. As investigações iniciadas na Suíça podem se complementar com outras informações já obtidas no Brasil pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal.

O nome de Cunha é vinculado à corrupção na Petrobras por pelo menos seis acusados de envolvimento nas fraudes: o doleiro Alberto Youssef, os lobistas Júlio Camargo, Fernando Baiano e João Augusto Henriques, o ex- gerente- geral da área Internacional Eduardo Vaz Costa Musa, e Leonardo Meirelles, ex- sócio de Youssef.

Parte das suspeitas das autoridades suíças sobre a movimentação financeira de Cunha foram confirmadas pelo lobista João Henriques. Em depoimento à PF em Curitiba, há duas semanas, Henriques disse que fez depósito numa conta que, mais tarde, descobriu pertencer a Cunha.

A conta destinatária do pagamento foi indicada a ele pelo lobista Felipe Diniz, filho do ex- deputado Fernando Diniz ( PMDB- MG), já morto, um ex- aliado de Cunha. João Henriques disse que fez o depósito em retribuição à venda de um campo de Petróleo no Benin para a Petrobras. A transação só foi possível graças a uma informação privilegiada que ele recebeu.

Com a informação, o lobista fez uma sociedade com o empresário Idalecio de Oliveira, dono de um terreno no Benin, que foi vendido por US$ 15 milhões para a Petrobras. Depois da transação, o lobista embolsou US$ 7,5 milhões. Em seguida, repassou parte do dinheiro para as pessoas que o ajudaram na concretizam do negócio.

 

Plano é usar impeachment como cortina de fumaça

 

CHICO DE GOIS

 

Procurado pelo GLOBO para falar sobre a menção a seus dados pessoais e endereço residencial no relatório da Suíça, Eduardo Cunha não retornou. A assessoria informou que seus advogados poderiam falar, mas esses não atenderam às ligações. Em duas entrevistas, durante o dia, Cunha se negou a falar do assunto.

O presidente da Câmara tentará usar pedido de impeachment da presidente Dilma, apresentado pelo ex- petista Hélio Bicudo, como cortina de fumaça, segundo admitem aliados dele. Temendo uma tormenta ainda maior contra si — o que, acredita, deve ocorrer também na semana que vem —, Cunha vai dar início à onda do impeachment como forma de se proteger da divulgação do documento na qual constaria sua assinatura como beneficiário dos recursos que estão congelados na Suíça.

Cunha tem conversado com aliados para reiterar que não tem contas no exterior, mesmo depois que o Ministério Público Federal recebeu os documentos oficiais da Suíça. Está convencido de que, uma vez que o assunto impeachment entre no horizonte, a população brasileira vai voltar toda sua atenção para a situação da presidente. E, para espanto de alguns interlocutores, Cunha acredita plenamente que receberá apoio popular para manterse no cargo.

No entanto, alguns aliados têm dito a ele que a população vai torcer para ver todos políticos caírem. Para esses aliados, Cunha tem tido uma visão equivocada da situação por tomar como base apenas os apoios que tem recebido de evangélicos e em eventos da Força Sindical.

O script para a próxima semana já está definido. A interlocutores, Cunha afirmou que vai despachar os sete pedidos de impeachment apresentados à Câmara até terça- feira. A tendência é que ele determine o arquivamento de todos esses pedidos. Deputados da oposição preparam recurso ao plenário para que, ainda assim, o documento apresentado por Bicudo e Miguel Reale Júnior seja levado adiante. Precisam de maioria simples para desarquiválo.

 

Após confirmação de Janot, PSOL vai ao Conselho de Ética contra Cunha

 

EDUARDO BRESCIANI

 

O PSOL anunciou ontem que vai ingressar na próxima terça- feira com uma representação de quebra de decoro parlamentar contra Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara. O partido usará como base da ação um documento que recebeu da Procuradoria- Geral da República ( PGR) que confirma a existência de contas em nome de Cunha e parentes, já bloqueadas em uma investigação sobre lavagem de dinheiro e corrupção. O processo no conselho poderá levar à cassação do mandato do peemedebista.

Editoria de Arte

— Nós esperamos esse documento porque ele nos dá elementos para fundamentar a representação ao Conselho de Ética em desfavor do deputado Eduardo Cunha. Não se poderá ter como alegação no Conselho que são apenas notícias de jornal — disse o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar ( RJ).

O documento é assinado pelo procurador- geral Rodrigo Janot e foi recebido pelo PSOL na noite de quarta- feira. O partido utilizou a Lei de Acesso à Informação para que Janot respondesse a questionamentos sobre as contas atribuídas a Cunha. O procurador- geral respondeu de forma “afirmativa” sobre a existência de contas bancárias em nome de Cunha e seus familiares e sobre o bloqueio de recursos pelas autoridades suíças. A PGR confirmou também que a investigação que levou ao bloqueio tratava de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção previstos na legislação penal suíça. Janot afirmou que a PGR apresentará posteriormente ao Supremo Tribunal Federal ( STF) suas conclusões.

A representação ao Conselho de Ética será feita em nome do PSOL e, por isso, não precisará passar por análise prévia da Corregedoria e da Mesa Diretora. A legenda argumentará na representação que Cunha mentiu à CPI da Petrobras ao negar ter contas não declaradas ao Fisco. O presidente do Conselho de Ética, deputado José Carlos Araújo ( PSD- BA), explicou que o caso pode começar a ser analisado dentro de duas semanas.

— Vou receber a representação não contra o presidente, mas contra o deputado Eduardo Cunha. E procederei como no caso de qualquer outro deputado, adotando as medidas legais que tiverem de ser tomadas. Vou receber, mandar numerar, e convocar uma sessão — explicou.

ESCOLHA DO RELATOR

Já na primeira sessão, o Conselho deve sortear três possíveis nomes para que o presidente do órgão escolha quem será o relator do caso. Este apresentará um parecer preliminar opinando se há ou não elementos para abrir um processo contra Cunha. Araújo evitou se posicionar:

— Não conheço a representação. Sobre conjecturas eu não posso achar. O presidente do Conselho não pode achar, o presidente tem que agir dentro da legalidade.

O PSOL disse estar aberto a receber a adesão de outros partidos à representação. O PSB deve ser o próximo partido a apoiar.