LUIZ GUSTAVO SCHMITT
O globo, n. 30013, 09//10/2015. País, p. 6
Em encontro com prefeitos de municípios fluminenses, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão ( PMDB), defendeu ontem a flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF) num ano de grave crise econômica. Ao comentar a rejeição das contas da presidente Dilma Rousseff pelo Tribunal de Contas da União ( TCU), Pezão minimizou o parecer da Corte e se disse preocupado com a queda de receita dos municípios. Disse que é preciso rever critérios da LRF, ou os prefeitos não conseguirão cumprir suas exigências, assim como o governo federal:
ANDRÉ COELHO/ 5- 10- 2015Sinal. Decisão do TCU sobre governo Dilma preocupa Pezão: “Imagina o que vai vir daí para baixo”— Se estão fazendo isso com a Presidência da República, imagina o que vai vir daí para baixo — disse, referindo- se ao risco de punição de prefeitos. — Temos aspectos da LRF que precisam ser discutidos. Se não for feito isso, não sobrará nenhum gestor neste país. É preciso aprovar uma lei no Congresso. Já conversei sobre isso umas dez vezes com o Eduardo Cunha ( presidente da Câmara) e umas oito vezes com o Renan Calheiros ( presidente do Senado).
Pezão procurou minimizar a decisão do TCU sobre as contas do governo Dilma. Afirmou que o órgão é consultivo e o parecer, um “aconselhamento”:
— Já vi contas de municípios e estados serem rejeitadas pelos Tribunais de Contas e, depois, aprovadas pelo Legislativo — disse.
O governador defendeu a governabilidade de Dilma e a volta da CPMF:
— Temos que respeitar as urnas. Sei que o país saiu dividido da eleição. Mas este processo que está aí não serve para ninguém — afirmou, referindo- se ao debate sobre o impeachment de Dilma.
A preocupação com um efeito cascata, devido à decisão do TCU, também foi manifestada pelo presidente da Frente Nacional de Prefeitos, Márcio Lacerda ( PSB), em Brasília, onde ele está reunido com outros gestores municipais.
— Olho para o futuro e vejo que, provavelmente, a imensa maioria dos municípios terá problemas com a Lei de Responsabilidade Fiscal no final do próximo ano. Já há um movimento de prefeitos perguntando à Justiça: já que o governo federal não cumpre a sua responsabilidade de repasses, como o prefeito poderá fechar suas contas no próximo ano? — questionou Lacerda, prefeito de Belo Horizonte.
Prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet ( PDT) se mostrou preocupado com o que considera excesso de controle sobre os gestores, “a pretexto de prevenir corrupção”. Isso, segundo ele, pode engessar a administração pública:
— Essa decisão ( do TCU) vai além da inelegibilidade, podendo gerar até condenação criminal. Vai fortalecer os Tribunais de Contas dos estados. Oremos.
VINICIUS SASSINE
Como viu a votação unânime do TCU ( pela rejeição das contas da presidente Dilma de 2014)?
Vi como um fortalecimento da democracia brasileira. A decisão do ministro ( do STF, Luiz) Fux ( de negar pedido do governo para suspender o julgamento) foi muito importante para preservar o tribunal e, acima de tudo, permitir que uma instituição com importância no controle externo funcione de forma democrática.
Algumas irregularidades já haviam sido constatadas em anos anteriores. Por que a rejeição agora?
Em 2014 foi muito impactante a diferença. São R$ 106 bilhões em distorções.
O plenário do TCU estava tomado por parlamentares da oposição. O governo alega que houve politização do processo.
Acho que não houve politização. O relatório é assinado por 14 auditores, um trabalho coletivo do TCU, puramente técnico, uma soma de números, verificar se cumpriu ou não a lei. No tribunal, são todos concursados. Os ministros são eleitos de forma independente. Foi uma demonstração de maturidade do TCU.
A análise das contas presidenciais vai ser diferente daqui para frente? Pode haver novas rejeições?
Foi um bom exemplo para o resto do país, para os Tribunais de Contas nos estados. É impressionante o reconhecimento. No avião, hoje ( ontem) de Brasília a Belo Horizonte, as pessoas vieram me cumprimentar.
O seu relatório será usado para embasar pedidos de impeachment da presidente. Concorda com isso?
Impeachment eu não discuto. Não é conosco. Nós temos de ver as contas.
MARIANA SANCHES
Passava pouco da meia- noite do último domingo quando Sandra Queiroz, de 37 anos, sentiu as primeiras contrações. Sua filha, de 3 anos, dormia no quarto de empregada que ela ocupa no apartamento onde trabalha, na Rua Pernambuco, no nobre bairro de Higienópolis. A patroa, Sônia Soares, também descansava. E Sandra, que descobrira a gravidez apenas três meses antes e desconhecia o paradeiro do pai da criança, que conhecera em um forró, ainda não decidira o que faria.
Conforme as dores aumentavam, Sandra foi para o banheiro em silêncio, onde ficou duas horas sem soltar um único grito até sentir uma pontada aguda que a fez agachar. A criança, de cerca de três quilos, escorregou por entre as pernas.
Ainda sob efeito da adrenalina do parto, ela enrolou a filha numa toalha enquanto a limpava com um pano úmido. Cortou o cordão umbilical com uma tesoura, fez um curativo com um pedaço de pano, jogou a placenta na privada e vestiu a recém- nascida com uma blusa rosa que pertencia à filha mais velha. Amamentou a criança e dormiu. Quando amanheceu, a patroa saiu, levando a menina de 3 anos. Sandra, conforme contou à polícia, nada contou sobre o parto. Passou o dia com o bebê e, no fim da tarde, antes que a patroa voltasse, enrolou- a em toalhas e colocou- a numa sacola de papel de um restaurante parisiense, presente de Sônia, após a última viagem à França.
Com a sacola nos braços, caminhou por quase duas horas pelas ruas do bairro, como mostram câmeras de segurança dos prédios. Parecia hesitante mas acabou deixando o bebê sob uma árvore, a um quarteirão do prédio onde mora. Segundo seu relato à polícia, ela se distanciou e ficou observando quando a recém- nascida foi encontrada pelo zelador. Foi embora apenas quando viu as luzes dos carros policiais.
— Ela não é uma bandida, fez o que fez por medo de perder o emprego — disse o delegado Eduardo Ferreira, que a indiciou por abandono de incapaz.
Sandra não tinha passagem pela polícia. Durante o depoimento, chorou, teve desmaios e se disse arrependida.
A doméstica chegou de Vitória da Conquista, na Bahia, há cinco anos. Tal qual o filme “Que horas ela volta?”, deixou o filho, então com 12 anos, aos cuidados da avó, para morar com a patroa. Com o salário de R$ 1,1 mil, ajuda a família em sua cidade natal. Não recebe pensão dos pais de seus filhos. A filha de 3 anos foi acolhida por sua empregadora:
— A menina é como se fosse da família, pagamos a escola dela aqui no bairro — contou ao GLOBO Sônia.
A patroa nega que soubesse da gravidez. Não desconfiou, porque Sandra usava roupas largas e tomava anticoncepcional.
— Não tomei conhecimento de nada para poder evitar esse tumulto. Ela é uma excelente mãe, foi um momento de desespero. Ela devia ter confiado em mim, ter tido um parto digno, no hospital, e daí ver com calma se ela queria doar a criança ou não — diz a patroa.
O filho de Sônia, advogado, tem acompanhado o caso. Sandra e a patroa ainda não decidiram se tentarão reaver na Justiça a guarda do bebê, que recebe cuidados na Santa Casa.
— Mas não vou demiti- la de jeito nenhum, só quero o bem dela, dessa criança que vive com a gente e do bebê que está no hospital — diz a patroa.
Sandra não atendeu as ligações do GLOBO.