Mortos e feridos

 

ALFREDO GUARISCHI

O globo, n. 30013, 09//10/2015. Opinião, p. 4

 

Aviolência é filha da corrução e da impunidade. A guerra no Rio mereceu destaque, com a filmagem de policiais da UPP do Morro da Providência, na adulteração da cena do traficante morto, menor de idade que sabia manusear armas como adulto.

Foram presos, serão processados e punidos, talvez de forma diferente do que alguns desejam, a menos ou a mais. A sociedade civil não tolera desvios de conduta, como também os 49 mil policiais militares, homens e mulheres. Choramos.

Nessa mesma semana, a violência na cidade que vai sediar as Olimpíadas mereceu outras manchetes menores. O PM Bruno foi amarrado e arrastado por um cavalo montado por um adolescente. Estava indo encontrar seu irmão e acabou chacinado. Dias depois, o PM Alyson, indo a um salão de beleza encontrar a sua mulher, foi assassinado pelas costas. Choramos. A semana continuou. Caio e Moraes foram assassinados em serviço. Eram alunos do Estágio de Ação Tática ( EAT). Esse treinamento, que vem sendo realizado no Comando de Operações Especiais da PM, consiste em práticas de patrulha, treinamento com armas não letais, primeiros socorros, estudo de casos e ética. Até esta semana, já foram 1.400 policiais treinados.

O soldado Caio nas horas vagas era dublador do personagem Harry Porter. Morreu fazendo o que gostava, como falou uma colega de dublagem: “prender bandidos”. Tinha orgulho de ser policial, gostava de ser dublador e de crianças. Sua voz continuará viva nos lábios do pequeno bruxo, que, como ele, buscava vencer o mal. Choramos.

O sargento Moraes, que por anos serviu no Bope, morreu, e um colega seu foi ferido ao reagirem a um assalto. Era experiente, mas, mesmo assim, estava fazendo o EAT com colegas da UPP. Pela estrutura do treinamento, recebia instrução de policiais menos graduados, mas especializados. Era o primeiro a chegar. Era “o aluno”. Iria receber no dia de sua morte uma homenagem surpresa dos seus instrutores de 20 anos atrás, alguns hoje coronéis. Choramos.

A Polícia Militar teve, de 1 º de setembro a 5 de outubro, nove policiais assassinados, 36 baleados e um ferido por granada, sendo 15 em locais com UPP. A impunidade e a corrupção garantem a continuidade dessa guerra, inexistente em outra capital civilizada.

Os policiais, como qualquer trabalhador, não saem de suas casas para matar ou morrer. São filhos, pais, avôs, cinegrafistas, músicos, médicos, advogados, dentistas, jornalistas, fisioterapeutas, pedagogos, enfermeiros, fotógrafos, psicólogos, religiosos. Fardados. Guerreiros sim, mas do bem.

Nada justifica a violência cometida por alguns policiais. Nada justifica malignizar toda uma corporação.

Bem- aventurado quem reproduziu no muro do XVI Batalhão da PM, localizado no pé do Morro do Alemão, a frase do brigadeiro Eduardo Gomes: “Postos e graduações existem nas instituições não para criar divisões, mas sim para definir responsabilidades.”

A sociedade dividida, sem definir as responsabilidades, não vai diminuir a violência.