Modelo do setor elétrico está esgotado

 

LUIZ ALFREDO SALOMÃO

O globo, n. 30013, 09//10/2015. Opinião, p. 17

 

Em 1 º de dezembro, começa a estação úmida da Região Sudeste, onde estão as hidrelétricas com reservatórios de maior capacidade para armazenar energia do Brasil. A situação atual dos reservatórios de todo o país é preocupante ( 30,5% da capacidade máxima), apesar de ter chovido bastante em setembro.

A possibilidade de se repetir o que ocorreu no verão passado, no entanto, não pode ser descartada. As autoridades, no entanto, expressam uma certa tranquilidade em função da recessão e da queda do consumo em 2015, afirmando que “é zero o risco de racionamento”, quando deveriam estar tomando medidas mitigadoras do esvaziamento dos reservatórios.

As termelétricas mais caras, desligadas recentemente, terão de ser religadas, provocando nova elevação das tarifas e aumentando o mau humor dos brasileiros. Já deveriam estar na mídia, portanto, campanhas esclarecendo a população e pedindo que os consumidores poupem energia elétrica. Também seriam oportunas ações para combate às perdas absurdamente elevadas das distribuidoras.

Mas o fundamental é que se inicie imediatamente a discussão de uma nova reforma do setor elétrico. O modelo adotado em 1995 está esgotado do ponto de vista institucional e econômico- financeiro. Veja- se a situação.

As geradoras entraram na Justiça para não pagar a energia que adquiriram no mercado spot, em função dos preços ( PLD) estratosféricos cobrados. As distribuidoras estão superendividadas, por terem tomado empréstimos em troca de não repassar integralmente os custos mais elevados que tiveram. O Tesouro Nacional, que se endividou para socorrer as empresas, em 2014, está no “hospital”. Os consumidores estão indignados com o governo Dilma, porque já pagam 50% a mais pela eletricidade e ainda estão ameaçados com novos aumentos.

Qual é o principal problema do setor elétrico, além da escassez das chuvas no Sudeste e no Nordeste? É o modelo do custo marginal copiado do Reino Unido, há 20 anos. Lá, ele pode ter sido adequado, porque o sistema elétrico britânico é essencialmente térmico. Para o sistema brasileiro, porém, com grande predominância hidrelétrica, o regime do custo marginal só pôde ser implantado com grandes e forçadas adaptações, acobertadas por modelos matemáticos complexos, desenvolvidos originalmente para orientar a operação das usinas e das linhas de transmissão.

Quando a natureza frustra as previsões feitas nas simulações dos modelos, o plano de operação das hidrelétricas e das térmicas pode ser modificado em função de um custo teórico, calculado com base em vários parâmetros e hipóteses sobre o futuro. Até aí, tudo bem, os modelos não são infalíveis; mas a operação das usinas tem de ser guiada por algum critério técnico- econômico. Não pode ser arbitrária ou subjetiva.

No entanto, considerar essa variável, o custo marginal teórico, como a base determinante dos preços da energia negociada no mercado não tem fundamento econômico sólido e está apoiado apenas num ideal competitivo mal concebido.

Os contratos de energia de curto prazo não são liquidados em função de leilões que cotejem a oferta e a demanda de energia, a cada semana ou mês. Mas por um preço arbitrário, calculado por um modelo matemático que não foi feito com tal objetivo e que tem produzido resultados desastrosos ( um PLD de mais de R$ 800/ MWh, na seca, e de apenas R$ 12/ MWH, quando há chuva abundante).

Toda a legislação foi modificada em função dessa mudança de modelo. Hoje, fazer novas concessões, planejar a expansão, negociar compra e venda de energia no mercado de curto prazo, estabelecer tarifas etc. dependem do “custo marginal de operação”, calculado como subproduto de simulações por modelos matemáticos. Na realidade, o custo marginal real de um sistema hidrotérmico interligado, como o brasileiro, não é calculável. São estimativas baseadas em probabilidades desconhecidas.

O governo precisa agir rapidamente para induzir a população a poupar energia elétrica, para as distribuidoras reduzirem as perdas que são pagas pelos consumidores e mudar para um novo modelo institucional, pois o atual nos colocou como recordistas mundiais de preços altos da energia elétrica.