STF tende a se manter contra rito de Cunha para impeachment

 

CAROLINA BRÍGIDO

O globo, n. 30020, 16//10/2015. País, p. 4

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal ( STF) avaliam que há tendência de o plenário da Corte referendar as duas liminares concedidas por Rosa Weber e Teori Zavascki sobre as regras de tramitação de processos de impeachment na Câmara dos Deputados. Na última segunda- feira, os dois ministros suspenderam o rito estabelecido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para o andamento de processos de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

NELSON JR/ STF/ 26- 2- 2014Clima ruim. Lewandoswki e outros ministros do STF não gostaram de atitudes de Eduardo Cunha

Ainda não há data marcada para o julgamento definitivo do assunto, porque os relatores ainda querem ouvir a opinião do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União.

Interlocutores do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, dizem que os ministros do tribunal alegam desconforto com a postura de Cunha — que, no passado, teria procurado integrantes do Supremo para tentar obter apoio em julgamentos. Isso teria contribuído para gerar um clima de repulsa no STF contra o parlamentar. No entanto, ministros ouvidos pelo GLOBO em caráter reservado negam ter sofrido tentativa recente de pressão por parte de Cunha. MINISTRO DEFENDE DECISÃO DE COLEGAS Três ministros ouvidos pelo GLOBO concordaram com as liminares de Rosa e Zavascki. Argumentaram que a presidência da Câmara não poderia baixar regras novas sobre a tramitação do processo de impeachment porque esse assunto já é disciplinado pela Constituição Federal, pela lei 1.079 de 1950, e pelo regimento interno da Câmara. Uma inovação deve ser fixada por lei.

Alguns ministros foram a público para defender as decisões de Rosa e Zavascki. Foi o caso de Marco Aurélio Mello, em declaração dada na última terça- feira, antes da sessão plenária do STF. Para ele, não houve interferência do Judiciário em relação ao Legislativo.

— Não ( houve interferência). A última trincheira da cidadania é o Judiciário, é o Supremo. A partir do momento em que constataram os colegas que estaria havendo o atropelo das normas instrumentais do próprio processo do impeachment, eles atuaram, e a presunção é de que atuaram corretamente — afirmou Marco Aurélio.

Ontem, o ministro Gilmar Mendes considerou normal que a discussão sobre a tramitação de processo de impeachment seja judicializada. Ele lembrou que há lei tratando da tramitação, e ressaltou a necessidade de ser aprovada nova lei para tratar das lacunas deixadas na legislação específica.

— A matéria é de reserva de lei. Eventual acréscimo ( nas regras) não pode alterar a lei — opinou Gilmar.

O presidente da Câmara anunciou que vai recorrer até hoje ao STF contra as liminares de Zavascki e Rosa. O caso deverá ir a plenário apenas a partir de novembro. Rosa e Zavascki deram dez dias de prazo para a Câmara enviar informações ao tribunal sobre o tema. Depois disso, o Ministério Público Federal terá o mesmo prazo para se manifestar. Caso julgue necessário, a Advocacia Geral da União fará o mesmo. Só depois, os relatores vão elaborar seus votos e submetêlos a votação em plenário. ZAVASCKI: NÃO PODE HAVER DÚVIDAS O rito para a tramitação de processo de impeachment foi definido por Cunha em setembro, na resposta a uma questão de ordem proposta na Câmara. Deputados governistas recorreram ao STF. Alegaram que Cunha extrapolou os limites do disposto na Constituição, na lei e no regimento interno da Câmara.

Numa das liminares, Zavascki ressaltou que o assunto, à primeira vista, tinha aparência de “interna corporis” ( relacionado a assuntos internos da Câmara). Porém, ele ponderou que um processo de impeachment é tema sério e merece atenção especial. “Em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do governo da nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”, escreveu Teori Zavascki.

 

Quem nunca cassou agora quer cassar

 

EVANDRO ÉBOLI E JÉSSICA MOURA 

 

Há oito anos no Conselho de Ética da Câmara, o deputado Wladimir Costa ( SD- PA) notabilizouse pela aversão a cassar colegas. Sempre declarou que não foi eleito para esse fim. Licenciado por questões de saúde, ele quer voltar para o julgamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), no colegiado. Contrariando seu histórico, considera os fatos apresentados contra Cunha “extremamente graves”:

RIVBEIRO/ AGÊNCIA CÂMARA/ 16- 12- 2014Costa. Deputado diz que situação de Cunha é “extremamente grave”

— E, desta vez, parece que não estamos lidando com ilação. Estamos falando de um documento enviado de um Ministério Público para outro, da Suíça para o Brasil. Portanto, com provas cabais. E será uma vergonha, uma desmoralização do conselho se não fizer nada — disse Costa.

O deputado é quase uma exceção entre os titulares do Conselho de Ética. Poucos se arriscam a dar opinião, mesmo sob anonimato. Por precaução, alegam ser necessário conhecer o processo e aguardar as provas. Paulo Azi ( DEM- BA) chegou a citar o relator das “pedaladas fiscais” de Dilma no Tribunal de Contas da União ( TCU), Augusto Nardes, acusado pelo governo de antecipar voto.

JáMauro Lopes ( PMDBMG) diz não haver nada, até agora, que ponha em risco o mandato de Cunha:

— Trabalho com prova material. O que estou vendo até o momento é notícia de jornal.

O GLOBO conversou com 16 dos 21 titulares do Conselho de Ética. Só quatro deram opinião sobre o mérito do caso. Além de Costa e Lopes, mais dois, que pediram anonimato, disseram ser a favor de cassar Cunha.

 

Cresce no PT rejeição a ideia de um acordo

 

SÉRGIO ROXO

 

A pressão dentro do PT para que o partido assuma uma posição contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), aumentou. Oito correntes internas enviaram ontem ao presidente da sigla, Rui Falcão, e aos membros da Executiva uma carta com pedido para que a legenda apresente uma representação no Conselho de Ética da Câmara contra o parlamentar.

Ao mesmo tempo, o ex- governador do Rio Grande do Sul e ex- presidente do PT Tarso Genro, da corrente Mensagem ao Partido, a segunda maior força interna petista, classificou como entrega da “alma ao diabo” a possibilidade de um acordo para evitar a cassação de Cunha, em troca do arquivamento dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Até o momento, 34 dos 64 deputados do PT assinaram a representação do PSOL e da Rede contra Cunha no Conselho de Ética da Casa, mas a direção do partido não assumiu uma posição.

“Defendemos que o PT assuma imediatamente a posição de representar junto ao Conselho de Ética contra o deputado federal Eduardo Cunha, solicitando abertura de investigação e processo em razão das graves denúncias de atividades ilícitas e quebra de decoro que são puníveis com a cassação do mandato parlamentar”, afirma a nota assinada pelas correntes Articulação de Esquerda, Avante, Brasil Socialista, Esquerda Popular Socialista, Mensagem ao Partido, Militância Socialista, O Trabalho e Socialismo 21.

As correntes majoritárias CNB e Novo Rumo, que possuem 53,6% dos postos no Diretório Nacional e da qual fazem parte Falcão e o ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não assinam o documento.

— O PT tem que ter posição clara . Estamos cobrando isso — afirma o secretário de Formação Política do PT, Carlos Árabe, da corrente Mensagem ao Partido.

Falcão negou ontem no Facebook que o partido esteja negociando com Cunha um acordo. “Denúncias contra Cunha seguirão seu rito normal, e os representantes petistas votarão conforme as provas e sua consciência”, disse o presidente do PT, que na última terça- feira, quando perguntado se Cunha deveria deixar a presidência da Câmara, respondeu que essa questão cabe ao Conselho de Ética da Casa.

Para Árabe, o presidente do PT precisa ser mais claro em sua posição sobre a situação de Cunha, que, segundo informações repassadas pelo Ministério Público da Suíça, é beneficiário, ao lado de familiares, de quatro contas no país. Em março, ao falar de forma espontânea à CPI da Petrobras, Cunha negou ter dinheiro depositado no exterior.

— O Rui ( Falcão) diz que não há uma negociação ( com Cunha), o que é ótimo porque seria absurdo negociar. Mas também não apresenta uma posição — disse Árabe.

O dirigente petista discordou da avaliação de integrantes da corrente CNB de que uma postura mais dura no caso provocaria uma reação do presidente da Câmara contra o governo, que prejudicaria a presidente Dilma:

— Ele já é contra o governo. Tudo que ele fez até agora é contra o governo. Integrante da mesma corrente que Árabe, Tarso Genro disse “custar a crer” ser verdade que o partido negocia com o presidente da Câmara. “Se isso, porém, for verdadeiro, deputados do PT — ressalvados os que assinaram o pedido de cassação de Cunha — estarão cometendo o mais grave erro coletivo, político e ético, da história da bancada”, escreveu o ex- governador do Rio Grande do Sul, em sua página no Facebook.

Para Tarso, a negociação colocará o partido no mesmo patamar da oposição. “Fazer esse acordo, é entregar a alma ao diabo. É se colocar no mesmo nível dos defensores do impedimento, que tinham até ontem Cunha como o seu líder mais coerente e reconhecido”. Ainda segundo Tarso, a negociação indicaria que a bancada do partido na Câmara não tem “compreensão da interdependência necessária entre fins e meios na política”.

 

 

Uma nova Guerra Fria

 

JÚNIA GAMA E SIMONE IGLESIAS 

 

Uma nova “Guerra Fria”. Assim tem sido descrita por parlamentares a relação do Palácio do Planalto com Eduardo Cunha desde que as liminares de ministros do Supremo Tribunal Federal concentraram no peemedebista o poder de decidir isoladamente sobre o impeachment.

O clima é de ameaças mútuas. A ordem no governo é observar o inimigo antes de atacar. Se Cunha lançar o míssil do impeachment, a reação será imediata. Foi essa a orientação do Planalto, combinada com o comando do PT, de evitar um confronto direto no Conselho de Ética. Apesar de mais da metade da bancada petista ter assinado o pedido de cassação do presidente da Câmara, evitou- se uma afronta institucional.

A situação não deve se prolongar por mais de duas semanas, a exemplo dos 13 dias que durou a Crise dos Mísseis entre Estados Unidos e União Soviética, quando o mundo esteve próximo de uma terceira guerra mundial. Mesmo na oposição, muitos acreditam que, se o impeachment não prosperar até o fim deste mês, a tendência é o distensionamento e a retomada de relativa normalidade.

Enquanto as ameaças não se concretizam, as negociações continuarão a ocorrer de forma subterrânea. Não haverá acordo às claras. Prova disso foi a irritação de Cunha com os vazamentos de conversas com ministros petistas. Ontem, ele chegou a classificar de ridículas as informações de que teria pedido sua salvação em troca do arquivamento do impeachment.

Nesse meio tempo, cada um usará sua caneta para sobreviver. O governo, uma potência enfraquecida pela baixa popularidade presidencial, acelerou o ritmo de nomeações, a liberação de emendas e fez uma arriscada manobra sobre seu caixa para quitar restos a pagar e saciar parlamentares.

De sua parte, Cunha conserva extensa área de influência na Câmara e detém a arma com potencial de dano equiparável a um míssil nuclear: o poder para definir o destino do impeachment.

A aposta, em ambas as trincheiras, é sobre quem vacilará primeiro. Como resumiu um interlocutor de Cunha, a dúvida não é se alguém será blindado ou não; é sobre quem vai disparar antes.