Infraestrutura fora do radar

 

GERALDA DOCA E DANILO FARIELLO

O globo, n. 30023, 19//10/2015. Economia, p. 21

 

Com a alta dos juros, fundos de pensão ampliam investimentos em títulos do governo e devem ficar fora dos próximos leilões de concessões de infraestrutura. - BRASÍLIA - Diante da alta dos juros e do cenário de incertezas, os títulos do Tesouro Nacional passaram a ser a melhor opção de investimento para os fundos de pensão e, assim, recursos que poderiam ajudar a financiar projetos de infraestrutura no país estão migrando para o mercado financeiro. A consequência é que, nas próximas concessões, o governo não deverá contar com a participação ativa desses fundos como sócios nos empreendimentos, interrompendo uma tradição dos últimos anos. Dados da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar ( Abrapp) mostram que as fundações estão reduzindo suas aplicações em renda variável ( ação em bolsa e compra de participação em empresas ou empreendimentos) e ampliando as aplicações em renda fixa. Nesse universo, escolhem principalmente títulos públicos, que estão pagando remuneração bastante atraente com a alta das taxas de juros.

Segundo o presidente da Abrapp, José Ribeiro, uma sondagem feita junto às entidades associadas mostra a perda de interesse por ativos de infraestrutura em detrimento da renda fixa:

— Ninguém quer saber de rodovias, portos, ferrovias e energia. Todo mundo ficou com o pé atrás, diante do cenário de incerteza. As alocações foram concentradas em títulos públicos, porque esses papéis estão pagando taxas mais interessantes. Alguns são indexados à inflação e casam muito bem com os compromissos dos fundos.

O coordenador de Operações da Dívida Pública do Tesouro Nacional, José Franco, confirmou que está havendo uma maior procura por parte dos fundos de previdência pelos papéis do governo este ano.

— A gente observa que há uma demanda maior por parte destes investidores por títulos públicos. Não temos como dizer se está havendo uma realocação, se eles estão vendendo outros ativos para comprar títulos públicos. Mas imagino que sim. As decisões dos investidores são tomadas com base no risco e no retorno — explicou Franco.

RENDA VARIÁVEL VIROU ‘ MAU NEGÓCIO’

No primeiro semestre deste ano ( dados mais recentes), 65,9% do total de ativos dos fundos estavam aplicados em renda fixa, contra 62,5% no mesmo período do ano passado. Já os investimentos em renda variável baixaram de 26,9% para 23,4%. Em valores absolutos, o montante investido em títulos públicos passou de R$ 83,351 bilhões para R$ 93,939 bilhões.

Já os chamados investimentos estruturantes ( projetos de infraestrutura) caíram de R$ 22,467 bilhões para R$ 21,738 bilhões entre dezembro e junho. Segundo fontes do setor, esse é um sinal de que os gestores já venderam tudo o que queriam em ações e agora estão até se desfazendo de investimentos de longo prazo, característica dos empreendimentos de infraestrutura e imobiliários.

Segundo uma fonte do setor, esse movimento dos fundos de pensão de se desfazer de ativos de risco ou suspender novos aportes está freando investimentos de algumas empresas. É o caso da Invepar ( formada pela construtora OAS, mais os fundos Previ, Petros e Funcef ), que atua na infraestrutura de transporte ( rodovias e aeroportos). Citada da operação Lava- Jato, a OAS está em recuperação judicial.

Segundo fonte do governo, essa migração da renda variável para a renda fixa se intensificou nos últimos 12 meses, com a recessão na economia, a piora generalizada nos indicadores e a alta das taxas de juros. Ele destaca que o recente rebaixamento do Brasil por agências de classificação de risco pioram esse cenário.

— Investir em renda variável, ações na Bolsa e comprar participação em empresas passou a ser um mau negócio. No caso das empresas, por exemplo, elas não estão performando ( entregando resultados) — disse essa fonte.

Segundo dados do Tesouro, os fundos de pensão em geral ocupam o terceiro lugar entre os maiores detentores da dívida pública. Do total investido, 60,4% estão aplicados em papéis corrigidos pela inflação; 20%, pré- fixado e 20%, flutuante ( Selic). Em relação ao prazo, 60% são investimentos em papéis com vencimento de cinco anos.

Em nota, a Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, informou que não fez qualquer investimento em infraestrutura neste ano. “Em relação aos desafios impostos pelo atual cenário econômico, em abril foram implementadas mudanças na política de investimentos, de forma a aproveitar o momento favorável dos títulos públicos, que estão pagando juros mais atrativos, e reduzir os riscos da renda variável”.

A Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa, é uma tradicional investidora em infraestrutura, com participações em Invepar, Norte Energia e Sete Brasil. Mas, diante da deterioração do cenário econômico, em junho a fundação promoveu uma revisão extraordinária de sua política de investimentos, para, assim como a Petros, aplicar mais em renda fixa e menos em investimentos arriscados. Essa tendência, diz Maurício Marcellini, diretor de investimentos da Funcef, continua, com os juros altos e a evolução da crise.

— Mudamos nossa política para ficarmos mais conservadores. A nossa tendência é de novo recuo de ativos atrelados ao crescimento econômico, reduzindo bastante nosso apetite para investimentos estruturados — disse Marcellini.

O gestor lembra que um título do Tesouro Nacional pode oferecer juros de mais de 7% ao ano, mais inflação, como no caso da Nota do Tesouro Nacional da série B ( NTN- B). Isso reduz a atratividade de outros tipos de investimentos, já que os papéis do Tesouro oferecem ganho livre de riscos. Esse tipo de título atende à necessidade dos fundos de pensão de bater uma meta anual de rentabilidade, composta pela inflação ( INPC), mais um ganho de 5,5% a 6% ao ano para honrar todos os compromissos.

PREJUÍZO EM INFRAESTRUTURA

A Previ — fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com investimentos da ordem de R$ 16 bilhões em infraestrutura, por meio de empresas como Invepar, ALL e CPFL — informou , por meio de nota, que os projetos de infraestrutura “interessam”, mas a instituição está avaliando o risco e o retorno desses investimentos.

Também pesa no redirecionamento dos recursos dos fundos o baixo retorno e até prejuízo de alguns investimentos em infraestrutura. Segundo dados do Fórum Independente em Defesa dos Fundos de Pensão, a maioria das entidades patrocinadas por estatais e que estão deficitárias fizeram muitas aplicações na infraestrutura. No caso de Funcef, Forluz ( fundo de pensão dos funcionários da Cemig) e Petros, por exemplo, o percentual investido no setor representa 10,84%, 7,44% e 6,14% do patrimônio, respectivamente. Nas maiores entidades patrocinadas por empresas privadas, como Fundação Itaú Unibanco, esse percentual é de apenas 0,02%.

 

Parceria com Banco Mundial visa a atrair investidores

 

O governo federal tem lançado novos instrumentos para atrair recursos dos fundos de pensão para a infraestrutura. No início deste mês, anunciou acordo com o Banco Mundial para criar debêntures de infraestrutura que já remuneram seus investidores desde o começo do empreendimento e que, portanto, se enquadram no atual perfil de investimento dos fundos de pensão.

Dessa forma, os fundos deixariam de correr riscos com os empreendimentos, como ocorre quando eles são efetivamente sócios dos consórcios vencedores dos leilões, para se limitarem a um papel de financiadores. Ainda assim, os fundos exigiram dos grupos empreendedores um juro acima daqueles pagos pelo Tesouro Nacional, para cobrir o risco maior de inadimplência nesses empréstimos.

— Uma operação mais arriscada terá que assegurar uma rentabilidade absurda — admitiu uma fonte do próprio governo.

MAIS INVESTIMENTO SÓ EM 2017

A parceria com o Banco Mundial visa a aproveitar a experiência da instituição para atrair recursos privados, via mercado de capitais, para os projetos do Programa de Investimentos em Logística ( PIL). O Banco Mundial vai apoiar o programa piloto, que deve começar nos próximos meses, com recursos de até US$ 500 milhões. O piloto estará aberto à participação de outras agências multilaterais de fomento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento ( BID).

Tanto governo como o setor privado acreditam que a volta dos fundos de pensão para grandes projetos de infraestrutura somente vai acontecer a partir de 2017, quando está prevista alguma recuperação no crescimento do PIB ( Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos pelo país).

— Vai depender da recuperação da economia e da saúde financeira das empresas — afirmou um integrante do governo.

No passado recente, a presença forte dos fundos de pensão de estatais em consórcios de infraestrutura foi incentivada pelo governo para viabilizar leilões, como o da usina hidrelétrica de Belo Monte e de rodovias. No caso da usina, com o atraso na obra, as entidades ainda não tiveram retorno significativo. O funcionamento de Belo Monte está previsto para começar em março do ano que vem.