‘Lamento que seja com um brasileiro’, diz Dilma sobre Cunha

 

O globo, n. 30023, 19//10/2015. País, p. 4

 

Após delator acusar o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, já são 62 os políticos investigados. Sobre Eduardo Cunha, a presidente Dilma lamentou, ontem, que “seja um brasileiro” envolvido com contas secretas na Suíça. - BRASÍLIA- Em viagem oficial à Suécia, a presidente Dilma Rousseff lamentou, ontem, diante da repercussão internacional, que o escândalo das contas secretas na Suíça mantidas pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha ( PMDBRJ), envolva um brasileiro. O peemedebista nega ser o titular das contas, apesar de documentos repassados ao Brasil pelo Ministério Público da Suíça mostrarem que Cunha usou passaporte diplomático, endereço residencial no Rio e telefones da Câmara e do Palácio do Planalto para abrir as contas naquele país.

Questionada em entrevista coletiva se causava constrangimento a repercussão internacional do caso Eduardo Cunha, a presidente respondeu:

— Seria estranho que causasse. Ele não integra o meu governo. Eu lamento que seja um brasileiro, se é isso que você está perguntando. Eu acho que se distingue perfeitamente, no mundo, o país de qualquer um de seus integrantes. Nenhum país pode ser julgado por isso ou aquilo. Eu lamento que aconteça com um brasileiro, com um cidadão brasileiro.

Dilma negou que o governo tenha negociado um acordo com o presidente da Câmara para evitar a abertura de um processo de impeachment, em troca da preservação do mandato de Cunha. O PSOL e a Rede protocolaram representação contra ele no Conselho de Ética da Casa.

— Eu acho fantástico essa conversa de que o governo está fazendo acordo com quem quer que seja. Até porque o acordo do Eduardo Cunha não era com o governo, era com a oposição, e é público e notório. Até na nota aparece ( nota em que a oposição defende o afastamento de Cunha do cargo). Acho estranho atribuírem ao governo qualquer tipo de acordo que não seja acordo que se faz com presidente de Poder para passar CPMF, DRU, MPs — afirmou a presidente, referindose à pauta legislativa.

Dilma não quis opinar sobre a permanência ou não de Cunha na presidência da Câmara nem sobre as liminares concedidas pelo Supremo Tribunal Federal ( STF), na semana passada, suspendendo o rito estabelecido pelo peemedebista para a tramitação de pedidos de impeachment. Ela alegou serem assuntos do Legislativo e do Judiciário.

TENTATIVA DE BLINDAGEM

Em conversa na segunda- feira passada, o presidente da Câmara pediu ao ministro Jaques Wagner ( Casa Civil) que o governo interferisse nas investigações contra ele, sua mulher e sua filha na operação Lava- Jato; no andamento de processo contra ele no Conselho de Ética da Câmara, e ainda na substituição do ministro José Eduardo Cardozo ( Justiça) pelo vice- presidente Michel Temer. Essas foram as condições colocadas para não deflagrar um processo de impeachment, de acordo com relato de Wagner a aliados. Tanto o ministro da Casa Civil quanto Cunha negam ter havido essa negociação.

O governo alegou não ter como entregar o que Cunha pedia, principalmente o controle das investigações do esquema de corrupção na Petrobras. A presidente Dilma também resiste em rifar Cardozo, o que já foi pedido pelo ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acusa o ministro de ter perdido o controle da Polícia Federal.

Cunha estava especialmente preocupado em tentar blindar sua mulher e sua filha. Documentos enviados pela Suíça e que estão em poder da Procuradoria- Geral da República revelaram que as contas do presidente da Câmara naquele país foram abastecidas com dinheiro desviado da Petrobras e financiaram gastos pessoais de sua família no exterior.

Após a conversa entre Cunha e Wagner, a situação do presidente da Câmara se agravou. A pedido do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, o ministro Teori Zavascki, do STF, autorizou, na última quinta- feira, a abertura de novo inquérito para investigar se Cunha, a mulher dele, Cláudia Cruz, e a filha do casal, Danielle Dytz da Cunha Doctorovich, têm dinheiro em contas na Suíça não declaradas.

Janot também enviou ao tribunal uma ampliação da denúncia já apresentada contra o presidente da Câmara em agosto. O pedido tem como base a delação premiada do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano. Em um dos depoimentos da delação, Baiano disse que entregou entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão em espécie ao presidente da Câmara, como informou o “Jornal Nacional”, da Rede Globo.

O dinheiro repassado a Cunha seria parte de propina de US$ 40 milhões que Julio Camargo, outro delator, confessou ter pagado ao parlamentar e a outros investigados em troca da compra de dois navios- sonda da Samsung Heavy Industries pela Petrobras. Baiano disse que entregou o dinheiro no escritório de Cunha, em outubro de 2011, a um homem identificado como Altair.

Cunha já responde a outro inquérito no STF em decorrência da Lava- Jato. Ele foi denunciado pelo procurador- geral da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O presidente da Câmara nega todas as acusações.

Depois de já dar como certa a deflagração de um processo de impeachment, o governo ganhou fôlego na última terça- feira quando o STF concedeu as liminares suspendendo o rito estabelecido por Cunha, o que freou as articulações para tentar derrubar Dilma. Tanto o governo quanto Cunha querem tempo. O Planalto para tentar reconstruir sua base aliada e garantir os votos necessários se o processo de impeachment for aberto. E o presidente da Câmara porque, a partir do momento em que tomar uma decisão sobre esse assunto, deve ser abandonado pela oposição.

 

Deputado afirma que resposta ‘será inevitável’

 

SIMONE IGLESIAS, MARIA LIMA E FERNANDA KRAKOVICS

 

As declarações da presidente Dilma Rousseff, ontem, em Estocolmo, devem dificultar a semana do governo no Congresso. Com a necessidade de ambos os lados ganharem tempo, a expectativa até o fim de semana era de que Cunha segurasse a análise do novo pedido de impeachment de Dilma que será apresentado amanhã pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reali Júnior. Ontem à tarde, no entanto, o cenário mudou e o Palácio do Planalto corre o risco de ter desperdiçado o fôlego conquistado.

Segundo pessoas próximas a Cunha, ele ficou irritado com as declarações e não descartam que ele dê “um cavalo de pau”, deferindo a ação contra Dilma. Auxiliares presidenciais, por sua vez, buscam consertar o potencial estrago causado pela presidente a milhares de quilômetros de casa. Os governistas passaram a ver com pessimismo os próximos passos de Cunha:

— Será uma semana de alta adrenalina. Ela botou fogo no estopim da bomba da cassação. No governo, tem sido assim: apagar o incêndio criado por ele mesmo — disse um ministro que pediu reserva ao GLOBO.

Em conversas com aliados ontem à tarde, Cunha disse que não iria “colocar pilha” pelo áudio da entrevista de Dilma que ouviu, mas que deverá respondêla hoje quando chegar na Câmara, depois de avaliar os detalhes da fala da presidente pelas matérias publicadas na imprensa.

— Será inevitável responder — disse Cunha.

RISCO DE DEFERIMENTO É ALTO

Interlocutores do presidente da Câmara dizem que ele não descarta deferir o impeachment, e que tratará da abertura de um eventual processo como algo absolutamente natural, já que é esperada a apresentação de um documento com substância jurídica.

— Não tenha dúvida de que o risco de Eduardo deferir o pedido de Bicudo depois de ser atacado por Dilma é alto. Ele pode ampliar a crise para que seu desgaste seja diluído. Teremos fortes emoções aí pela frente. A situação dele é insustentável, e nós não vamos segurar. Vai perder a presidência da Câmara ou o mandato, ou os dois, dependendo da evolução do quadro. Ele iniciou um namoro com a oposição, que estava interessada em aprovar o pedido de impeachment. Depois, migrou para o governo. Foi abandonado e agora não tem mais conversa com a gente — disse um dos líderes da oposição que ainda mantém diálogo com o presidente da Câmara.

Um dos mais próximos interlocutores de Cunha, o líder do PSC, deputado André Moura ( SE), disse que o presidente da Câmara já sabe exatamente o que fazer quanto ao andamento do impeachment.

— Não vou dizer que ele está tranquilo porque a situação é muito delicada. Mas se mostra consciente de tudo e está sabendo exatamente os próximos passos que irá tomar — disse Moura, que vai se reunir com o presidente da Câmara hoje, em Brasília.

Apesar da avaliação de aliados de que sua situação é frágil porque o processo pode ser contaminado por falta de credibilidade, um peemedebista afirmou ontem que o estilo de Cunha é de se manter em posição de ataque quando ameaçado.