Pizza à moda da casa

 

EDUARDO BRESCIANI 

O globo, n. 30024, 20//10/2015. País, p. 3

 

Relator justifica ausência de parlamentares argumentando que CPI não é um Conselho de Ética, propõe

JORGE WILLIAMConclusão. Luiz Sérgio na leitura do parecer: ele propôs a revisão da lei da delação premiada e a abertura de inquérito contra delegados da PF por vazamento de informações

rediscutir lei que instituiu delação premiada e diz que estatal foi vítima das empreiteiras

Após oito meses, a CPI da Petrobras apresentou ontem o seu relatório final, que isenta políticos e ataca delatores do escândalo desvendado pela Lava- Jato. O documento diz que não há indícios contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que, segundo documentos, mantém contas na Suíça. O relator, deputado Luiz Sérgio ( PT- RJ), argumentou que CPI não é um Conselho de Ética, disse que a estatal foi vítima de empreiteiras e criticou o excesso de delações na Lava- Jato. Colaboradores como o doleiro Youssef tiveram o indiciamento proposto. O texto deve ser votado até sexta- feira. - BRASÍLIA- Quase oito meses após a instalação da CPI da Petrobras, criada para investigar o escândalo de corrupção revelado pela Operação LavaJato, o relator da comissão, Luiz Sérgio ( PT- RJ), apresentou ontem um parecer final em que ataca os delatores do esquema, culpa empreiteiras e isenta políticos de responsabilidade pelo cartel instalado na estatal. O documento diz que não há provas contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mesmo após a revelação de que ele mantém contas não declaradas na Suíça, que teriam sido abastecidas por recursos desviados.

O documento também isenta a presidente Dilma Rousseff, o ex- presidente Lula e os 62 políticos envolvidos nas investigações da Lava- Jato.

Para Luiz Sérgio, a Petrobras foi vítima de um cartel de empreiteiras que contaram com a complacência de funcionários da companhia. Os parlamentares citados no esquema ficaram de fora com o argumento de que a CPI não é Conselho de Ética. O relator fez ainda ataques à Lava- Jato, criticando o “excesso de delações premiadas”. Deputados de PSOL e PSDB anunciaram que vão apresentar votos em separado. O texto final da comissão deverá ir a voto até sexta- feira, quando acaba seu prazo de funcionamento.

“É importante ressaltar um fato que tem passado despercebido da população: não há menção dos delatores sobre o envolvimento dos ex- presidentes da Petrobras José Sérgio Gabrielli e Graça Foster ou de ex- conselheiros da estatal, como a presidente Dilma Rousseff. Também não há nos autos da CPI qualquer evidência neste sentido, seja em relação à presidente Dilma ou do ex- presidente Lula”, afirma o texto do relator.

Em relação a Eduardo Cunha, Luiz Sérgio diz que a comissão não recebeu provas: “Em que pesem as inúmeras notícias veiculadas recentemente sobre contas bancárias no exterior das quais o deputado Eduardo Cunha seria beneficiário, o fato é que esta CPI não recebeu prova alguma destas afirmações, não cabendo a este relator adotar providências”, alega o petista.

Luiz Sérgio diz ainda que caberá ao Conselho de Ética realizar o julgamento. E, repetindo discurso de Cunha, lamenta que outros parlamentares envolvidos não tenham feito o mesmo que o presidente da Câmara, que se apresentou de forma “espontânea” para depor. Foi nesse depoimento que Cunha disse não possuir contas no exterior.

O relator ressalta no texto que apenas o ex- tesoureiro de seu partido, o PT, foi preso, apesar de vários partidos terem recebido recursos de empreiteiras para campanhas eleitorais.

PETROBRAS, VÍTIMA DE “MAUS FORNECEDORES”

No parecer, o petista questiona a existência de “corrupção institucionalizada” na Petrobras e diz que a empresa foi vítima das grandes empreiteiras. Sugere, ainda, que a mesma combinação pode ter sido feita em outras obras.

— A mais importante conclusão dessa CPI é que a Petrobras foi vítima de um cartel de maus fornecedores — afirmou Luiz Sérgio, na leitura de um resumo de seu relatório.

Foram várias as críticas às delações premiadas da Operação Lava- Jato. Ele questionou o fato de o doleiro Alberto Youssef ter conseguido fazer o acordo de delação mesmo já tendo descumprido os termos firmados no caso Banestado. Disse haver um “excesso de delações premiadas”, e que isso pode resultar em impunidade. Criticou a colaboração de réus presos e o fato de um mesmo advogado defender mais de um cliente. O relator propõe que uma comissão especial da Câmara discuta a revisão da lei que trata do tema. Pede ainda que seja investigada a advogada Beatriz Catta Preta, que trabalhou para delatores e abandonou a profissão dizendo sofrer perseguição de integrantes da CPI.

O texto repete lista de indiciados da Lava- Jato, entre eles o ex- diretor da estatal Paulo Roberto Costa e o ex- gerente Pedro Barusco. Pressionado, ele acabou acatando alguns indiciamentos recomendados por sub- relatores, como o dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, presidente da Odebrecht, e Otavio de Azevedo, da Andrade Gutierrez.

Iniciada no fim de fevereiro, a CPI ouviu 132 pessoas. Muitos interrogados, porém, usaram o direito de permanecer em silêncio. A comissão gastou R$ 1 milhão para contratar a empresa Kroll para investigar se delatores da Lava- Jato tinham ocultado patrimônio, mas o trabalho não foi concluído diante da repercussão negativa. O presidente da CPI, Hugo Motta ( PMDB- PB), fez avaliação positiva dos trabalhos, ressaltando as dificuldades de avançar devido às limitações da comissão em suas investigações: — A CPI não acaba em pizza, na minha opinião. O texto ainda propõe abertura de inquérito contra delegados da PF que cuidam da Lava- Jato, acusados de envolvimento em vazamento de informações.

 

Comissão, mas não de inquérito

 

FRANCISCO LEALI 

 

CPI ainda é sigla de Comissão Parlamentar de Inquérito, mas já vai longe o tempo em que as três letras eram sinônimo de que uma crise política estava prestes a explodir. O ocaso da comissão criada para investigar os desvios de recursos da Petrobras parece insistir que hoje ali só existem as duas iniciais: C. e P. No relatório final que deve ser votado ainda esta semana, o I. de Inquérito desapareceu.

Durante os quase oito meses de atividade, a CPI que tinha potencial para ser uma reedição da comissão parlamentar do Orçamento — aquela que em 1993 acabou provocando até a queda do então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro — preferiu evitar que colegas virassem alvo preferencial. O atual presidente da Casa, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), que se apressou a prestar depoimento ainda no início dos trabalhos, sairá ileso. Uma contradição com a montanha de documentos que aportaram da Suíça e levaram o deputado a ser investigado por lavagem de dinheiro e corrupção.

Em 1992, a CPI do PC ajudou a tirar o presidente da República do cargo depois que ficou claro que Fernando Collor, o mesmo que bloqueou poupanças, tinha despesas familiares pagas por cheques fantasmas. Na era Lula, ainda em 2005, a CPI conseguiu arrancar a confissão do marqueteiro do presidente, o publicitário Duda Mendonça, de que, pelo serviço para o PT, ele recebeu, e não declarou, dinheiro em conta no exterior.

Mas, a reboque das apurações da turma da LavaJato em Curitiba e Brasília, a CPI da Petrobras não conseguiu sequer aprofundar investigações sobre os contratos superfaturados da Petrobras e suas subsidiárias. Mesmo quando ouviu delatores do esquema de corrupção, produziu no máximo cenas de constrangimento político. Descoberta de fato novo, ficou devendo.

No período em que deveria ter atuado, a comissão se reuniu 56 vezes em Brasília. Houve tempo até para uma escapada a Londres, onde um grupo de parlamentares foi ouvir um ex- funcionário da SBM. O que colheu lá já era de conhecimento público.

Nas sessões públicas, troca de acusações entre governistas e oposição. Algumas perguntas duras, seguidas de respostas no mesmo tom. Um reduzido grupo de parlamentares ainda tentou usar a comissão para apresentar requerimentos de interesse estranho com intenção de incluir na lista dos investigados quem nem suspeito era.

A CPI da Petrobras entra para os anais como aquela que violou o bordão político de que se sabe como uma comissão parlamentar começa, mas não como termina. Na edição 2015 da CPI que quis investigar desmandos na Petrobras, prevaleceu outra máxima: de onde não se espera nada, é dali que não sai nada mesmo.