Governo estuda acordo para quitar 'pedaladas'

Leandra Peres 

20/10/2015

O Ministério da Fazenda trabalha numa proposta de acerto de contas entre a União e o BNDES para quitar o estoque de R$ 24,5 bilhões das "pedaladas fiscais" e cumprir a exigência feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de que as contas sejam regularizadas.

A decisão dependerá da estratégia fiscal do governo para este ano e 2016. Apesar de já estar claro que a União não cumprirá a meta, já reduzida, de superávit primário de 0,15% do PIB para este ano, o governo ainda discute a magnitude do que pode ser considerado um déficit aceitável que não piore ainda mais as avaliações da nota de crédito do país.

Valor apurou que há grande resistência na equipe econômica em fazer simplesmente o pagamento dos subsídios atrasados. A avaliação é que isso significaria na prática uma transferência de recursos para o BNDES, elevando a capacidade de empréstimo da instituição. O governo também quer garantir que não haja impacto na dívida bruta da União, principal indicador da solvência do país, que já atingia 65,3% do PIB em agosto. Em qualquer cenário - a quitação das pedaladas ou o acerto de contas - haverá déficit primário para a União.

Atualmente, o crédito das pedaladas está contabilizado no patrimônio de longo prazo do BNDES. Se o Tesouro Nacional emite títulos para pagar a dívida, esse crédito melhora de qualidade e passa a ser equivalente a dinheiro no caixa. Com isso, o banco passa a ter mais liquidez para conceder financiamentos. O resultado acaba sendo praticamente o mesmo das transferências de mais de R$ 300 bilhões que a União fez ao BNDES e que foram suspensas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Da mesma forma que o BNDES é credor do Tesouro, o Tesouro também tem créditos com o banco oficial. A proposta em estudo é que, ao mesmo tempo em que o Tesouro faça o pagamento ao BNDES, o banco faça um adiantamento no mesmo valor do pagamento de juros que deve à União sobre os empréstimos feitos para financiar o Programa de Sustentação ao Investimento (PSI), além da política anticíclica do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

O BNDES renegociou a dívida com o Tesouro Nacional em março de 2014, quando o desembolso dos juros sobre os empréstimos da União aumentaria. Além de reduzir os juros cobrados, o banco ganhou seis anos de carência para começar a pagar juros (2020) e 26 anos para o pagamento do principal (2040). Os juros pagos entre o sétimo e o 21º ano serão equivalentes a um terço da TJLP e sempre limitados a 6% ao ano.

A discussão no momento é se o governo precisa de uma lei para autorizar o encontro de contas com o banco. A Fazenda estuda se a operação não pode ser vista apenas como um adiantamento do BNDES a seu controlador. O argumento contrário é que será preciso de autorização legal para mudar as condições contratuais acordadas com o banco de fomento.

Outra dificuldade é o impacto que o pagamento pode ter sobre a capacidade de o BNDES honrar os empréstimos que já foram feitos, assim como a capacidade do banco fazer novos financiamentos nos próximos anos. Essas contas, que estão sendo feitas pelos técnicos do governo podem definir, inclusive, o valor que o governo considera possível pagar nesse ano.

A decisão já tomada pelo TCU, da qual o governo recorre e ainda não tem resultado, exige que o Banco Central contabilize a dívida do BNDES, além das demais "pedaladas", na dívida pública. Quando isso for feito, haverá impacto imediato sobre a dívida bruta. O efeito do acerto de contas sobre o primário será integral, mas é diferente nas dívidas líquidas e bruta.

Na contabilidade da dívida líquida, um crédito da União contra o BNDES, que são os contratos de empréstimo, será substituído por um fluxo de caixa, na forma do adiantamento de juros. O resultado final sobre a dívida líquida, porém, será negativo. A dívida sobe nesse conceito contábil, porque haverá déficit primário quando o Tesouro pagar ao BNDES.

No caso da dívida bruta, o efeito será neutro. O endividamento bruto aumenta quando o governo reconhece e paga a dívida junto ao BNDES, devido ao mesmo resultado primário negativo. Mas cai em valor equivalente ao dinheiro que receber do banco.

Valor econômico, v. 16 , n. 3865, 20/10/2015. Brasil, p. A3