Cunha enfrenta protesto antes de homenagem do PMDB

 

EVANDRO ÉBOLI E JÚNIA GAMA 

O globo, n. 30026, 22//10/2015. País, p. 4

 

Desde que vieram à tona as denúncias contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente da Câmara viveu ontem seu primeiro momento de hostilidade e constrangimento público. Um grupo de manifestantes gritou “Fora, Cunha!” e acabou interrompendo entrevista que ele concedia no Salão Verde, o principal da Câmara.

GIVALDO BARBOSAPerseguição. Cunha deixa o Salão Verde da Câmara, onde dava entrevista, cercado por seguranças e seguido por manifestantes com réplica de sua imagem

A Executiva Nacional do PDT defendeu o afastamento imediato de Cunha da presidência da Câmara. Para a legenda, já está comprovada a quebra do decoro parlamentar: “Comprovada através de vários documentos denunciados pelo Ministério Público. O deputado perdeu as condições políticas de se manter à frente da presidência da Câmara, e deve afastar-se”. CRÍTICAS À OPOSIÇÃO No plenário, Cunha também foi alvo de parlamentares que defendem seu afastamento da presidência. Glauber Braga (PSOLRJ) criticou Cunha e os partidos — como DEM e PSDB — que assinaram nota pela queda do presidente da Câmara, mas não fazem discurso nesse sentido. Cunha, sempre que criticado, olhou para o lado oposto ao do orador.

— O PSDB lá fora assina nota de afastamento do presidente, mas aqui faz parte da sua base.

O deputado Daniel Coelho (PSDB-PE) reagiu:

— O deputado Glauber diz isso mas não ouvimos uma palavra dele contra o governo Dilma. Braga retrucou: — O deputado Daniel deveria lembrar as palavras do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), do seu partido, que criticou a ética seletiva do PSDB, que apoia o impeachment mas preserva Eduardo Cunha.

O ato contra Cunha no Salão Verde, batizado “Em defesa da ética política”, foi marcado para coincidir com o momento em que ele seria homenageado na liderança do PMDB, onde foi colocada foto sua na galeria de exlíderes do partido. Os manifestantes, aos gritos de “Fora, Cunha”, conseguiram interromper entrevista de Cunha.

O líder do PSOL, Chico Alencar (RJ), fez discurso de improviso e disse que não se pode tratar como normal o atual momento político que atinge Cunha:

— Parece que tudo é normal. O mal está banalizado. A vida não se dá só no Parlamento. As pessoas fora daqui estão acompanhando o que está ocorrendo.

Outros parlamentares contrários a Cunha, como Luiza Erundina (PSB-RJ), Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Clarissa Garotinho (PR-RJ), apoiaram.

— Eduardo Cunha é um psicopata. Está apodrecendo aqui dentro e daqui a pouco vai começar a feder carniça. Ele não tem a menor legitimidade de continuar no cargo, muito menos colocar em curso processo de impeachment contra a presidente Dilma — disse Jarbas Vasconcelos.

Para fazer contraponto à homenagem a Cunha, os deputados exibiam uma faixa da “Pequena galeria da dignidade pública”, com fotos do líder seringueiro Chico Mendes, dos sociólogos Florestan Fernandes e Herbert de Souza (Betinho), do geógrafo Milton Santos, da bióloga Bertha Lutz, e do historiador e escritor Joel Rufino.

Clarissa era a deputada mais exaltada e perguntou a Cunha:

— Quando Vossa Excelência vai renunciar? O senhor mentiu na CPI da Petrobras. Declarou um patrimônio 37 vezes menor do que tem.

Cinco dias após ver agravada sua situação com a publicação dos documentos que usou para abrir contas secretas na Suíça, Cunha recebeu afago da bancada, com breve cerimônia para a colocação de sua foto na galeria de ex-líderes. No entanto, menos da metade dos 65 deputados do PMDB compareceu ao ato.

O evento foi sugerido por um aliado de Cunha, o deputado Washington Reis (PMDB-RJ). O ato foi descrito como “simples, mas simbólico” por aliados do presidente da Câmara, que admitiram, porém, que, se tivesse ocorrido há um mês, toda a bancada estaria presente.

— Aquela moça bonitinha que atropelou duas pessoas já foi solta. Tem uma perseguição com político que não dá para entender. Não teve prova nenhuma e já querem que ele renuncie? — questionou Washington Reis, antes do início do evento.

Reservadamente, alguns deputados do PMDB demonstram desconforto. Dizem que Cunha, até agora, não deu explicações sobre o mérito das acusações.

Ontem, em almoço em sua residência, Cunha chegou a dizer aos líderes aliados que as assinaturas expostas na sexta-feira referentes a transações nas contas na Suíça não lhe pertenciam. Afirmou que “qualquer um” poderia conseguir cópias do seu passaporte e que a publicação do documento não significa que possa constituir evidência sobre o caso. CERIMÔNIA FECHADA Por determinação de Cunha, a cerimônia para colocação de sua foto na galeria de ex-líderes foi fechada à imprensa. No ato, o líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), elogiou o colega, destacando seu “talento” político:

— Fazemos essa homenagem merecidamente pelo trabalho que Eduardo fez à frente da bancada. Ele aperfeiçoou os mecanismos de liderança, com maior debate sobre os temas.

Ao falar, Cunha destacou a cumplicidade com a bancada e reafirmou que não vai renunciar:

— Tudo que sou devo à bancada. Vou cumprir meu mandato até o último dia, e tudo será esclarecido no foro e no momento adequados.

 

Jader: ‘Não fui vestal na vida pública’

 

CRISTIANE JUNGBLUT

 

Citado na delação do lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) disse ontem que estava “indignado”, mas admitiu que nunca foi “uma vestal” na política. Jader disse que já enfrentou muitos problemas jurídicos e políticos e que tem “couro de jacaré”, curtido pelas lutas. Irônico, Jader disse que, se alguém recebeu dinheiro em seu nome, está lhe devendo.

— Não quero dizer que fui uma vestal ao longo da minha vida pública, que nunca recebi recursos para campanha. Até porque quero saber que político de longo curso nunca recebeu recursos para campanha. Mas, se alguém recebeu dinheiro da Petrobras, e recebeu em meu nome, espero que a apuração desse episódio informe efetivamente, porque estou com crédito não recebido, apesar de ter sido um crédito não solicitado por mim — disse Jader.

O senador afirmou que não conhece Fernando Baiano e que “nunca tinha ouvido falar nesse senhor”.

O nome de Jader, ex-presidente do Senado, foi citado por Baiano em delação premiada, nas investigações da Lava-Jato. Segundo Baiano, os senadores Jader, Renan Calheiros (PMDBAL) e Delcídio Amaral (PT-MS), e o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau foram beneficiários de desvios no esquema de corrupção na Petrobras. O delator afirmou que o pagamento aos políticos do PMDB foi feito pelo lobista Jorge Luz.

Em conversa com O GLOBO, Jader negou as denúncias:

— É uma coisa maluca. Não vejo Jorge há mais de 22 anos, ele tinha um contrato de saneamento com o governo do Pará, que foi mantido no meu governo e depois. É uma fantasia dizer que sou padrinho dele.

Jader foi irônico ao comentar o depoimento de Baiano:

— Só faltou dizer que a gente participou de um jantar e que o jantar foi com velas.

Mais cedo, Jader discursou sobre o caso:

— Não vejo, no momento, outro jeito a não ser aguardar que o MP, a PGR e o Poder Judiciário possam esclarecer os fatos. Posso dizer que não há nenhum envolvimento da minha parte.

 

Collor pressionou por compra de R$ 1 bi em álcool, diz Baiano

 

CLEIDE CARVALHO

 

O lobista Fernando Soares, o Baiano, um dos delatores da Operação Lava-Jato, afirmou ter ouvido de Nestor Cerveró, que o senador Fernando Collor estava pressionando a BR Distribuidora a comprar de usinas indicadas por ele uma enorme quantidade de álcool de uma safra futura. O valor da operação girava em torno de R$ 1 bilhão.

Cerveró foi diretor financeiro da BR Distribuidora e diretor da área Internacional da Petrobras. A informação foi dada por Baiano ao falar sobre a compra de um Range Rover Evoque, feita para Cerveró, com quem tinha bastante contato. O carro seria um presente para a mulher do ex-diretor da Petrobras e, na avaliação da Polícia Federal, teria sido pago por Baiano como forma de propina. EM NOTA, SENADOR NEGA

O senador negou ter feito qualquer tipo de pressão ou exercido ingerência sobre a Petrobras ou a BR Distribuidora. “O senador não se dignará a responder a especulações infundadas de delator a partir do que supostamente ouviu dizer de terceira pessoa, e que não apontam concretamente qualquer fato específico, nem lhe atribuem prática de qualquer ilegalidade”, diz a nota.

Baiano afirmou ter feito a encomenda do carro para Cerveró numa concessionária em São Paulo, onde costumava comprar seus veículos. O carro teria custado cerca de R$ 230 mil, e Cerveró queria pagar R$ 170 mil em dinheiro vivo. O lobista diz que recorreu então a um doleiro e operador de contas em São Paulo, chamado Diego Candolo, com quem tinha créditos no exterior, para que o pagamento fosse feito.

Ele disse ter recebido o dinheiro de Cerveró um mês depois, em notas de R$ 50 e de R$ 100 agrupadas em maços de R$ 10 mil, e que gastou em despesas pessoais, pois costumava usar dinheiro em espécie. Baiano não exclui a possibilidade de Cerveró ter recebido o dinheiro a título de propina em contratos, mas não soube dizer se havia irregularidades na BR Distribuidora.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já havia oferecido denúncia ao Supremo Tribunal Federal contra Collor e mais quatro pessoas por participação no esquema de corrupção na Petrobras. A denúncia de Collor permanece em segredo de Justiça, pois tem trechos sigilosos de documentos e delações premiadas.

Segundo a Justiça, as investigações revelam que Collor recebeu R$ 26 milhões em propinas entre 2010 e 2014 por um contrato de troca de bandeira de postos de combustível assinado pela BR Distribuidora.