Dilma: reduzir Bolsa Família é atentar contra 50 milhões

 

WASHINGTON LUIZ E CRISTIANE JUNGBLUT

O globo, n. 30026, 22//10/2015. País, p. 8

 

O BC manteve ontem a taxa básica de juros em 14,25% ao ano, apesar da alta dos preços nos últimos meses. E, pela primeira vez, sinalizou que não mais buscará reduzir a inflação até o centro da meta, de 4,5%, no ano que vem. Para analistas, diante do agravamento da recessão e da piora no quadro fiscal, a única alternativa era manter os juros estáveis e indicar que a inflação só voltará à meta em 2017. Apesar das dificuldades na economia e do déficit fiscal, a presidente Dilma rechaçou a proposta do Congresso de cortar R$ 10 bilhões do Bolsa Família. Para ela, isso seria “atentar contra 50 milhões de brasileiros”. -BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff reagiu ontem à proposta do relator do Orçamento da União, deputado Ricardo Barros (PP-PR), de cortar R$ 10 bilhões do programa Bolsa Família no próximo ano. Pelo Twitter, Dilma fez uma defesa veemente do benefício e afirmou que “cortar o Bolsa Família significa atentar contra 50 milhões de brasileiros que hoje têm uma vida melhor por causa do programa”.

Em outra postagem, a presidente disse que não irá permitir o corte: “não podemos permitir que isso aconteça. Estou certa que o bom senso prevalecerá na destinação de recursos ao programa”.

Dilma aproveitou os 12 anos do Bolsa Família, completados ontem, para garantir que ele continuará prioritário.

“O Bolsa Família é prioridade máxima para o meu governo, como foi para o do ex-presidente Lula”, afirmou.

Ainda no Twitter, a presidente ressaltou que a política pública mantém 36 milhões de pessoas fora da extrema pobreza, beneficia crianças e adolescentes, e que teve sua importância reconhecida pela ONU e pelo Banco Mundial.

“O Bolsa Família garante ainda que 17 milhões de crianças e adolescentes estejam na escola e ajudou a reduzir em 58% a mortalidade infantil”. RENAN TAMBÉM CRITICA CORTES O anúncio da possível redução foi feito anteontem por Barros, após uma reunião no Palácio do Planalto. A verba total para o principal programa social do governo na proposta orçamentária foi fixada em R$ 28,8 bilhões. O corte proposto pelo relator foi de 35%.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), também criticou ontem a ideia de cortes no programa e disse que os mais pobres não podem pagar pelo ajuste fiscal.

— Sempre tivemos muita preocupação com o ajuste. Ele precisa ser qualificado e não pode cobrar a conta, sobretudo de quem não pode pagá-la. É essa inversão que não podemos permitir. O Congresso tem muita responsabilidade com isso. Mais do que nunca é preciso ter bom senso, responsabilidade. A única maneira de aumentarmos a receita é com a retomada do crescimento econômico — disse Renan.

Ontem, Barros apresentou mais uma proposta para ajudar a cobrir o déficit do Orçamento de 2016, já que não acredita na aprovação de uma nova CPMF. O relator propôs aumento da Contribuição de Intervenção sobre o Domínio Econômico (Cide) — o chamado imposto dos combustíveis — para gerar receita de R$ 12 bilhões. A ideia dele é elevar o tributo dos atuais R$ 0,10 por litro para R$ 0,50 por litro, provocando um reajuste de R$ 0,40 por litro. O assunto já foi debatido com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

Segundo Barros, a legislação permite ao governo reter até R$ 0,86 por litro. O ministro Levy sempre disse preferir a CPMF à Cide porque um aumento do imposto dos combustíveis pressionaria a inflação. A ideia de elevar o tributo ressurgiu no início do mês passado, pelo vicepresidente Michel Temer, após uma conversa com o economista Delfim Neto. Temer acabou recuando por pressão do seu próprio partido, o PMDB, e do governo, que teme o impacto inflacionário.

Justamente para minorar esse impacto, o relator explicou que sua proposta é de um aumento apenas sobre a gasolina, sem afetar o diesel e o álcool. Barros acredita que isso vai gerar uma receita adicional de R$ 12 bilhões, sendo que R$ 9 bilhões ficariam com a União e outros R$ 3 bilhões com os estados. Na proposta do Orçamento de 2016, a Cide tem receita estimada de R$ 6,5 bilhões, que subiria para R$ 18,5 bilhões.

O próprio governo havia estimado conseguir arrecadar R$ 15 bilhões com aumento da Cide, mas desistiu diante do efeito sobre a inflação e optou por recriar a CPMF, com alíquota de 0,20%, por quatro anos. O problema é que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da CPMF está parada na Câmara.

— Quero prever uma receita extra com a Cide de R$ 12 bilhões, com a previsão de aumentar em 40 centavos apenas na gasolina. Acredito que o Congresso aprovará apenas a PEC da DRU e o projeto de repatriação de recursos que estão no exterior, mas não a criação da CPMF. Conversei com Levy. São propostas que estou fazendo para fechar o Orçamento — disse Barrros.

Ele admitiu que o aumento da Cide é uma decisão exclusiva do Executivo, que tem margem na lei para fazê-lo. Mas disse que pode fazer uma previsão com novas regras:

— Faço a previsão, e o governo decide se quer usar ou não.

Além de não acreditar na aprovação da CPMF, o relator do Orçamento também não considera que irão adiante as medidas do pacote fiscal que reduzem as contribuições para o Sistema S (Senai, Sise e Sesc). Com as medidas, o governo espera uma economia de R$ 8 bilhões.

Dentro do pacote do governo, começa a andar a PEC que prorroga a DRU (Desvinculação de Receitas da União), mecanismo que permite ao governo mexer livremente em parte de suas receitas. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse essa semana que a PEC tem chances de ser aprovada. Mas os parlamentares são contra a elevação da alíquota da DRU de 20% para 30%.