Combinando com os russos

 

BRUNO ROSA

O globo, n. 30031, 27//10/2015. Economia, p. 19

 

A Oi receberá US$ 4 bilhões do fundo LetterOne, do russo Mikhail Fridman, caso chegue a um acordo de fusão com a TIM. Telecom Italia, Oi e o fundo terão, cada um, cerca de 33% da nova empresa. Depois de meses de rumores, a Oi deu ontem o pontapé inicial para a próxima consolidação no setor de telecomunicações no país. A operadora informou que o fundo de investimento LetterOne — do russo Mikhail Fridman e com sede em Luxembrugo — pretende fazer aporte de US$ 4 bilhões (R$ 15,6 bilhões) na Oi com o objetivo de possibilitar uma fusão entre a companhia carioca e a TIM Brasil, controlada pela Telecom Italia. O anúncio fez as ações das teles dispararem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Mas não é só. O negócio pode chegar a US$ 8 bilhões. De acordo com fontes, a LetterOne estaria negociando injeção de outros US$ 4 bilhões na própria Telecom Italia para permitir o negócio, que envolverá a troca de ações entre Oi e TIM no Brasil.

A possível união entre Oi e TIM é mais um exemplo do movimento contrário ao cenário planejado pelo governo após a privatização do setor, em 1998, quando o Sistema Telebrás foi desmembrado em 12 empresas. Após a consolidação do grupo mexicano América Móvil (dono da Claro, Embratel e Net) e da compra da GVT pela Telefônica (Vivo), a união entre Oi e TIM criará a maior empresa de celular do país, com 123 milhões de clientes e 44% do total de usuários. Ficará em posição isolada e longe da segunda colocada, a Vivo, com 81,4 milhões de usuários e 29% do mercado. A análise inicial é que TIM e Oi podem gerar sinergias de mais de R$ 22 bilhões.

ESPECIALISTAS TEMEM PIORA NO SERVIÇO

Especialistas apontam efeitos negativos do negócio. Segundo eles, a menor competição no país vai representar menos investimentos. Em 2014, a Oi foi a empresa com maior número de reclamações fundamentadas, ou seja, para as quais não houve acordo, nos Procons de todo o Brasil: 196,3 mil. Já a TIM, em quinto lugar, teve 52,3 mil registros. Para Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o negócio deveria ser barrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que regula a competição:

— Somadas, as duas tiveram cerca de 600 mil registros de reclamação na agência reguladora (Anatel) no ano passado. É necessário que haja concorrência, ou o troco pode vir mais tarde em aumento de tarifa ou piora de qualidade.

Com o anúncio, as ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Oi subiram 6,06% (R$ 3,5) ontem, assim como as preda ferenciais (PN, sem direito a voto), com alta de 8,72% (R$ 2,12). Porém, a Oi soma valor de mercado de R$ 2,67 bilhões, uma queda de 64,5% desde janeiro. Na TIM, os papéis PN avançaram 5,93% (R$ 8,57). E, assim como a Oi, a TIM já perdeu 27,25% em seu valor de mercado desde janeiro: ontem fechou em R$ 20,75 bilhões.

Segundo uma fonte do governo, TIM e Oi — que já compartilham a rede 4G — recorrem a promoções agressivas, sobretudo entre os clientes pré-pagos. Porém, com a possível união, as duas empresas terão de devolver parte das frequências, já que haverá sobreposição em mercados importantes como o Rio de Janeiro e Minas Gerais, segundo o analista de um banco que não quis se identificar.

Do lado da Oi, o negócio vem sendo conduzido pelo banco BTG Pactual e, segundo fontes, as conversas com o fundo LetterOne começaram há meses. A Oi é uma das principais empresas em banda larga e telefonia fixas, diferente da TIM, forte em telefonia móvel.

— A injeção de recursos do fundo só vai acontecer se a consolidação ocorrer. A ideia é que o LetterOne capitalize a Oi em US$ 4 bilhões para sanear a companhia (com dívida líquida de R$ 34,6 bilhões). Após isso, é que a fusão entre Oi e TIM vai ocorrer com a troca de ações. A BTG e o LetterOne já vêm mantendo conversas informais com a Telecom Italia. Por isso, o anúncio foi feito — disse essa fonte.

Do lado italiano, as exigências são grandes. Primeiro, a Telecom Italia — com dívida de € 28,3 bilhões (cerca de R$ 120 bilhões) — precisa incorporar a empresa resultante da fusão em seu balanço para manter a geração de caixa exigida pelos credores em razão do endividamento. Ela também teria cobrado do BTG solução para a renovação da concessão de telefonia fixa da Oi, que vence em 2025 e não poderá ser renovada. Segundo fontes, o LetterOne negocia aporte adicional de US$ 4 bilhões na Telecom Italia para viabilizar o negócio.

— A dívida da Telecom Italia não pode aumentar mais. Pelo lado da Oi, a ideia é usar o dinheiro do fundo para abater parte da dívida. Também será usado parte dos R$ 16,6 bilhões que a Oi tem hoje em caixa após vender a operação da Portugal Telecom (PT) para os franceses da Altice — disse uma fonte a par do negócio.

A proposta do LetterOne será apresentaao Conselho de Administração da Oi amanhã. Os conselheiros assistirão a uma apresentação do BTG e do LetterOne, fundo que conta com 280 milhões de assinantes em telefonia móvel por meio da VimpelCom, presente em 14 países e com sede na Holanda, e da TurkCell, líder na Turquia e com operação em nove nações.

— Após o Conselho da Oi aprovar, BTG, Oi e LetterOne vão sentar e formatar a proposta de fusão. A ideia é fazer essa proposta até o fim do ano — disse a fonte.

ITALIANOS PODEM FICAR COM UM TERÇO

Da operação, o acionista majoritário será a Telecom Italia, que deverá ficar com cerca de um terço das ações. Fatia pouco menor ficará com o LetterOne, que, dizem fontes, não quer ter a maior parte das ações, mas quer participar da gestão. É um destino diferente do traçado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva para a Oi, que, ao comprar a Brasil Telecom (BrT), em 2008, tinha o plano de se tornar a supertele nacional. Ronaldo Sá, da Orion Consultores, diz que o país perde competição, embora, para as teles, seja uma boa opção, já que as operações são complementares:

— Vai reduzir a competição e será menos uma alternativa de suprimento de serviço. Isso ocorre no momento em que outras fusões acontecem no país. Segundo fontes, a americana AT&T, dona da Sky, líder em TV por assinatura no país, já teria iniciado conversas com a NII Holdings, dona da Nextel. Procuradas, as companhias não comentam. Há quem diga que a japonesa Soft Bank, dona da Vodafone no Japão, tem planos para o Brasil. O consultor Hermano Pinto destaca o efeito negativo das consolidações para o consumidor:

— As empresas fazem sinergias e cortam custos, reduzindo investimentos. Para o consumidor, é sempre ruim. Mas a consolidação é um movimento que só tende a ganhar força. A Nextel, por exemplo, é a mais cotada agora.

Procuradas, Oi, BTG e TIM não comentaram. A TIM informou ao mercado que não tem conversas com as empresas.

 

De limpeza de janela a tecnologia e infraestrutura

 

A fortuna de Mikhail Fridman — avaliada em US$ 14,7 bilhões pela Forbes — começou a ser construída durante o colapso da União Soviética, que culminou em 1991. O bilionário fundou seu principal negócio, o conglomerado Alfa Group, em 1989. Na época, contou com o apoio de investidores que permanecem anônimos até hoje. Em 2013, criou o LetterOne, grupo que ofereceu ontem o aporte de US$ 4 bilhões à Oi. O fundo, baseado em Luxemburgo, foi financiado com os recursos da venda de sua fatia na petroleira TNK-BP (joint

venture entre a russa TNK e a britânica BP) à estatal russa Rosneft por US$ 28 bilhões. Fridman tem presença nos setores de energia, tecnologia, varejo e telecomunicações.

FINANCIADOR DE YELTSIN

A carreira de empresário começou de forma mais modesta. Aos 24 anos, Fridman montou seu primeiro negócio, uma firma de limpeza de janelas, em 1988, dois anos após se formar no Instituto de Aço e Ligas de Moscou. De origem judaica, nasceu e cresceu em Lviv, na Ucrânia. Chegou à capital russa na juventude para estudar, onde graduou-se em um curso que tem pouca relação com sua atual atividade: é bacharel em Artes,de acordo com perfil da “Forbes”.

O poder econômico garantiu ao bilionário posição de influência no país. Em 1996, foi um dos principais financiadores da campanha de reeleição do ex-presidente Boris Yeltsin. Em entrevistas, porém, Fridman costuma descartar ambição política, segundo reportagem do “Financial Times”: “Nunca tentei ser importante ou influente, como outros empresários russos. É muito arriscado na Rússia”, disse Fridman em uma entrevista.