Agora Cunha pauta projetos para governo sair do ‘buraco’

 

EVANDRO ÉBOLI E JÚNIA GAMA

O globo, n. 30031, 27//10/2015. País, p. 6

 

 Em momento de trégua com o governo, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), colocará para votar esta semana uma série de projetos que podem melhorar a economia, como deseja o Planalto. A Câmara deve votar hoje a medida provisória que autoriza o reajuste de três taxas cobradas por órgãos federais — Ancine, Ibama e Cade —, e amanhã o projeto de repatriação de recursos e bens no exterior. Mas Cunha, investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dois inquéritos por envolvimento na Lava-Jato, anunciou ontem que pautará ainda uma nova proposta: a que permite a securitização da dívida ativa de União e estados.

GIVALDO BARBOSAGentileza. Cunha sobre renegociação de dívidas da União: É uma contribuição da Câmara para resolver o problema do buraco financeiro do governo

Ela abre a possibilidade de o governo repassar dívidas que têm a receber para investidores e bancos, que “comprariam” aquele crédito à vista, com desconto. Cunha disse que, com a aprovação da securitização, a Câmara vai contribuir para o governo sair do “buraco financeiro”.

— Tem um projeto muito bem feito que está sendo discutido a várias mãos: a securitização da dívida ativa da União e dos estados. Vários líderes assinaram. A ideia é votar a urgência. Tem uma dívida ativa de R$ 2 trilhões. Destes, R$ 500 bilhões são facilmente negociáveis. Só isso poderia resolver o problema do ano inteiro que vem com sobra. É uma contribuição que a Câmara dos Deputados quer dar para resolver o problema do buraco financeiro do governo — disse Cunha.

Nessa trégua com o governo, o presidente da Câmara evitou comentar a busca que a Polícia Federal fez num escritório de um dos filhos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na última sexta-feira, Lula havia dito que não queria “afundar” Cunha e que o presidente da Câmara deveria ter direito de se defender das acusações que vem sofrendo.

— Não quero ficar falando sobre isso, nem julgar o que está acontecendo com os outros. Não sei o que aconteceu com a família do ex-presidente — disse Cunha ontem.

CRÍTICAS A VICE-LÍDER DO GOVERNO

Cunha atacou apenas o deputado Silvio Costa (PSC-PE), que, na semana passada, encaminhou pedido ao procuradorgeral da República pelo afastamento do peemedebista do comando da Câmara.

— O Silvio Costa é vice-líder do governo. É preciso saber se está fazendo isso em nome próprio. Cabe o governo esclarecer. Como vice-líder ele protagoniza espetáculo todo dia, em disputas com o próprio governo.

Cunha realiza hoje uma sessão ordinária da Câmara. Será a terceira desse tipo desde que o pedido de investigação contra ele no Conselho de Ética chegou à Mesa da Câmara. Pelo regimento, o presidente tem até três sessões ordinárias para devolver o processo ao conselho. Ele disse que esse procedimento nem passa por ele, e que quem conduz o trâmite é o secretário-geral.

O presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA), disse que o processo deve chegar ao conselho amanhã e que não terá tempo de marcar reunião para esta semana e escolher o relator do processo. A reunião só deverá ocorrer no dia 3 de novembro.

A divulgação de que a pauta econômica finalmente andará na Câmara após um período de troca de acusações entre Cunha e Planalto foi vista por governistas como uma sinalização de que o presidente da Câmara, ao menos durante este início de semana, atenderá a um dos principais pleitos do governo, que deseja a votação das matérias para recuperar a economia.

Ontem, na reunião de coordenação, no entanto, a presidente Dilma reclamou das mudanças que fizeram no projeto de repatriação. Benesses foram incluídas no texto, de iniciativa do Executivo, pelo relator na Câmara, Manoel Júnior (PMDB-PB). Originalmente, o projeto de lei 2.960 previa a extinção da punibilidade para crimes como sonegação fiscal e lavagem de dinheiro (além de crimes correlatos, como falsidade ideológica e falsificação de documentos) desde que o sujeito não tivesse condenação criminal transitada em julgado.

Pelo substitutivo, a anistia ficou mais ampla. Ele prevê extinção da punibilidade “para todos aqueles que, agindo no interesse ou benefício da pessoa jurídica a que estiver vinculado, de qualquer modo, tenham participado, concorrido, permitido ou dado causa aos crimes previsto”. Para os técnicos do governo, se mantida, essa regra teria repercussões sobre os condenados nas investigações da operação Lava-Jato, que revelou esquema de corrupção na Petrobras.