Receita investiga se Cunha cometeu sonegação fiscal

 

JAILTON DE CARVALHO

O globo, n. 30032, 28//10/2015. País, p. 4

 

A Receita Federal investiga o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, dono de contas na Suíça, por suspeita de sonegação fiscal e de outros crimes. -BRASÍLIA- A Receita Federal abriu fiscalização para apurar suposta sonegação e outros crimes fiscais do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A devassa começou em agosto e tem como base informações que deram origem a um inquérito e, depois, a uma denúncia contra o deputado no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro desviado da Petrobras.

GIVALDO BARBOSAContradição. Cunha entrou com recurso na Justiça suíça para impedir a transferência de dinheiro que nega ter

Cunha é um dos parlamentares investigados na Operação Lava-Jato por desvio de dinheiro em contratos de empresas privadas com a estatal.

Na denúncia, o procuradorgeral Rodrigo Janot, acusa o presidente da Câmara de receber US$ 5 milhões de um suborno pago pelo lobista Júlio Camargo para facilitar a contratação de dois navios-sonda da Samsung Heavy Industries pela Petrobras. Os valores repassados ao presidente da Câmara fariam parte de um suborno de US$ 40 milhões desembolsados por Camargo para viabilizar o negócio de US$ 1,2 bilhão entre a empresa sul-coreana e a Petrobras.

Os auditores também aguardam autorização de autoridades suíças para usar informações sobre contas secretas do deputado e da mulher dele, Cláudia Cruz, no banco Julius Baer. Relatório do Ministério Publico suíço informa que o deputado e a mulher são donos de quatro contas na Suíça. Em duas delas, os investigadores encontraram um saldo equivalente a R$ 9,6 milhões em abril. Os valores estão bloqueados.

Outras duas contas foram desativadas ano passado, logo depois do início da Operação Lava-Jato. O relatório sobre as contas secretas deu origem a um segundo inquérito contra Cunha, a mulher e a filha Danielle Cunha no STF. O deputado recebeu remessas de dinheiro ilegal, entre elas depósitos no valor de US$ 1,3 milhão do lobista João Rezende Henriques, intermediário de um negócio de US$ 34,5 milhões entre a Compagnie Beninoise e a Petrobras.

Os suíços decidiram remeter os documentos e autorizar a transferência da investigação para o Brasil com o argumento de que Cunha não poderia ser extraditado e, neste caso, se condenado, não teria como ser punido.

Agora, a Receita Federal deve pedir acesso ao relatório para incluir na fiscalização já aberta a movimentação financeira do deputado. Para autoridades brasileiras, o relatório do MP suíço reforça as suspeitas de que o presidente da Câmara se envolveu em corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Mas as informações só podem ser incluídas numa investigação fiscal com autorização prévia dos responsáveis pela apuração inicial.

Autoridades brasileiras estão em dúvida se pedem já a liberação dos documentos sobre as contas secretas para investigação da Receita ou se esperam o resultado do processo em que advogados de Cunha tentam impedir a reenvio para o Brasil do dinheiro bloqueado na Suíça. Advogados contratos pelo presidente da Câmara entraram com recurso na Justiça suíça para impedir a transferência de documentos e de dinheiro em nome do deputado para o Brasil, conforme revelou o GLOBO no último sábado.

Na Receita tem prevalecido o entendimento de que, por enquanto, o melhor é aguardar o resultado do julgamento do recurso de Cunha. A precaução evitaria eventuais pedidos de nulidade de parte da fiscalização, caso o deputado obtenha decisão favorável na Justiça. Os valores das multas em casos de sonegação criminosa podem chegar a 150% dos valores não recolhidos aos cofres públicos. A situação fiscal do deputado é considerada complicada.

Pelas informações do Ministério Público Federal, o deputado não declarou os US$ 5 milhões que teria recebido de Julio Camargo. Também não declarou à Receita as contas que mantem na Suíça em nome de offshores sediadas em paraísos fiscais. Para auditores, o uso de empresas laranjas, como seriam as offshores, indicam intenção de driblar o fisco. O relatório do MP suíço informa também que há 20 anos Cunha abriu conta no Merryl Linch, nos Estados Unidos.

A Receita também abriu fiscalização contra outros parlamentares acusados de receber propina de empresas envolvidas em fraudes na Petrobras.

NA WEB O caminho da propina de Eduardo Cunha

 

Silêncio nas ruas e no Congresso

 

MÁRCIO MENASCE, MAYARA MENDES E JÚNIA GAMA 

 

Parlamentares, partidos ligados ao governo e à oposição e entidades civis que historicamente lideram protestos políticos mantêm postura discreta e até silêncio sobre a permanência de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da Câmara, mesmo diante de denúncias de corrupção e de quebra de decoro.

Procurados, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Sindicato dos Servidores do Legislativo não quiseram dar declarações. Já os movimentos estudantis, representados pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), apesar de críticas a Cunha, não decidiram ainda realizar mobilizações.

— Acompanhamos as pautas mais retrógradas que estão sendo aprovadas na Câmara, mas não temos feito protestos diretamente para pedir a saída do Cunha. Não tivemos reunião da entidade desde o surgimento das denúncias — disse Bárbara Melo, presidente da Ubes.

Carina Vitral, que preside a UNE, disse que “é ruim” para o Brasil ter um presidente da Câmara alvo de “acusações graves”:

— O mais grave é que ele usa seu poder para chantagear as partes, se manter e influenciar no rumo do país. Acho que ele deveria se afastar do cargo.

Mesmo já tendo protagonizado embates com Cunha, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não se posicionou. Segundo a assessoria da OAB, o presidente Marcus Vinicius Furtado não foi localizado desde o dia 22 de outubro. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), no entanto, defendeu o afastamento de Cunha.

— Como regra, alguém que preside um Poder tem que se impor pelo exemplo. Se o Eduardo Cunha agiu contra as regras de decoro, deve sair. Não é nada pessoal. Isso é com quem quer que seja — afirmou Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Diap.

Em relação aos partidos, até o momento, apenas PSOL e PDT se manifestaram publicamente a favor do do afastamento de Cunha. Líderes de cinco siglas da base e da oposição, porém, evitaram comentar as denúncias contra o peemedebista ou desenvolver estratégias para que ele deixe o comando da Casa. Segundo esses líderes, não haverá orientação partidária sobre o caso e os representantes no Conselho de Ética terão autonomia para agir.

Líder do PT, Sibá Machado (AC) preferiu não falar sobre o mérito das acusações:

— Não vamos entrar na pauta da disputa política. Não vamos fazer nada para ajudar ou atrapalhar. Não tem orientação partidária. Os companheiros que estão no conselho sabem da responsabilidade que têm lá.

A pedido do governo, o PT não fechou questão sobre o processo contra Cunha, mas metade da bancada apoiou a representação contra ele.

O líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), também afirmou que não há orientação de bancada sobre o processo:

— Não tem orientação. Tem autonomia total para nosso representante (no conselho). Ele vai votar com sua consciência, assegurando a ampla defesa para o presidente Eduardo.

Ouvidos pelo GLOBO, os líderes do PSD, Rogério Rosso (DF), do PBR, Celso Russomanno (SP), e do Solidariedade, Arthur Maia (BA), disseram que não haverá orientação partidária e que os representantes do conselho têm mandato para atuar conforme considerarem mais adequado.

Desde que as denúncias apareceram, o PT, diante da possibilidade de Cunha encaminhar o pedido de impeachment de Dilma, evitou ter posição oficial. A oposição chegou a soltar nota defendendo o afastamento de Cunha, mas, em seguida, reuniu-se com ele e chegou a afirmar que o malestar provocado pela nota estava resolvido.