Mercado não espera que BC altere discurso neste momento

Lucinda Pinto e Silvia Rosa 

21/10/2015

Apesar da piora do quadro fiscal e das expectativas de inflação, economistas não esperam uma mudança no discurso do Banco Central (BC) no comunicado que será divulgado hoje ao fim da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

É consensual entre agentes de mercado que o Copom manterá a taxa básica Selic nos atuais 14,25%. A dúvida é se haverá algum sinal sobre uma mudança de estratégia. A expectativa é que, em algum momento, o BC ajuste o discurso e admita que trabalha com a perspectiva de convergência da inflação para a meta em um prazo mais longo, provavelmente já mirando 2017.

Para economistas, essa indicação deve ocorrer mais para o fim do ano, possivelmente no Relatório Trimestral de Inflação (RTI), que sai nos últimos dias de dezembro. Em sua visão, o BC ainda vai aguardar mais informações sobre o cenário fiscal para, então, definir sua estratégia.

O ex-secretário do Tesouro e atual economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, diz acreditar que o BC deve aguardar até o fim do ano e usar instrumentos de comunicação formal, como o RTI, para ajustar seu discurso sobre o rumo da política monetária. Ele deve manter o discurso de que a taxa de juros permanecerá estável em 14,25% até que algumas questões se definam.

Kawall observa que, além das incertezas sobre o cenário fiscal, não se sabe ainda se haverá reajuste dos combustíveis ou de outros preços administrados. Além disso, hoje a volatilidade do câmbio, fruto desse ambiente de incertezas, é uma das razões para a deterioração das expectativas. "Então, provavelmente, passando o fim do ano, o BC deve ajustar o discurso para admitir uma convergência mais lenta da inflação para a meta", diz.

Para o economista-chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, há uma grande dúvida no mercado sobre como o BC vai reagir neste momento e como ele deve tratar a eficácia da política monetária frente à dinâmica de piora da dívida. "O BC vai ter de indicar para o mercado qual o cenário dele. Não acho que estamos em um cenário de dominância fiscal, mas há uma preocupação grande com o comportamento da dívida e com os riscos inflacionários gerados por essa dinâmica no câmbio e na inflação", afirma.

Segundo Padovani, o BC deveria começar a apontar uma mudança de estratégia já na ata da reunião do Copom que termina hoje e que será divulgada na semana que vem. "Se não sinalizar nenhuma mudança no discurso, ele vai reforçar a visão de que a perda da coordenação política e o seu impacto na área fiscal reduzem a eficácia da política monetária, o que tem contribuído para elevar as expectativas de inflação."

Por enquanto, o discurso do BC tem sido no sentido de que a autoridade monetária não deve reagir aos aumentos dos prêmios de risco gerados pela incerteza no cenário político e fiscal, sinalizando a manutenção da taxa de juros por período prolongado.

A incerteza sobre o rumo da política monetária tem mantido os investidores cautelosos. Ontem as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) recuaram na BM&F. O DI para janeiro de 2017 caiu de 15,42% para 15,3%, enquanto o DI para 2021 recuou de 15,82% para 15,77%.

Para Padovani, o BC deveria subir já a taxa de juros dada a piora da parte fiscal e a desancoragem das expectativas de inflação. "A situação já é preocupante e o BC deveria mostrar que, apesar da piora fiscal, ele está atento. Mas a minha convicção é que ele vai aceitar uma convergência mais lenta da inflação para a meta e vai manter a taxa de juros e não reagir neste momento."

A Votorantim Asset trabalha com um cenário de manutenção da taxa Selic em 14,25%, com o BC podendo cortar a taxa de juros no segundo semestre de 2016 se houver uma melhora da tensão no cenário político, que favoreça o ajuste fiscal.

Ter uma maior clareza sobre o cenário fiscal é uma condição fundamental para que o BC defina o rumo da política monetária, na opinião do economista-chefe da Opportunity Asset Management, Alexandre Bassoli. "Para que seja possível buscar a convergência da meta em 2016 é preciso ter mais clareza sobre o fiscal", afirma.

Bassoli vê a possibilidade de o BC optar pela convergência da inflação em um prazo mais longo, uma vez que a depreciação da taxa de câmbio tornou mais desafiadora essa tarefa. "O objetivo de convergência para 2016 exige taxas de juros mais altas por mais tempo, o que tem efeito sobre a dívida", diz. Mas qualquer decisão, reitera, vai depender da política fiscal.

Para Bassoli, o ponto central desse ambiente de incertezas é que a economia deve ter uma recessão severa no próximo ano - estimando queda de 2,6% do PIB -, com repercussões sobre a arrecadação. Então, além da continuidade do esforço de contenção de gastos, o governo terá de conseguir uma fonte para elevar receita. Nesse cenário, ele prevê estabilidade da Selic em 14,25% até o fim de 2016.

Nova orientação compensaria desvio?

Angela Bittencourt 

A penúltima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de 2015 termina hoje. E com o BC devedor em resultado. O mercado financeiro entende que 2015 tem sido um ano peculiar para a inflação devido ao forte alinhamento dos preços administrados aos preços livres ou à prática do "realismo tarifário". Mas a inflação vem atropelando a meta de 4,5% há muito mais tempo.

Há cerca de 20 meses, a inflação vem a galope e ao aproximar-se de 10% em 12 meses, pelo IPCA, como agora, está arriscada a cair na indiferença. Quem pode, porém, mantém a mão no coldre para reagir, promovendo ajustes de preços nos ativos financeiros. Preços como juro e câmbio podem ser submetidos a correções com sucesso porque sua negociação não tem relação direta com retração ou expansão da economia.

Mesmo considerando as peculiaridades do primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff - incluindo a forte tensão política -, se a inflação projetada para o ano está em quase 10%, quanto estará para 2016?

Atrás de resposta para essa pergunta, o mercado notou que entre o Copom de setembro e o de outubro, que termina hoje, a projeção para a inflação passou de 5,64% para 6,27% - ou 0,63 ponto percentual. Se a meta de inflação brasileira é de 4,5%, o "desvio padrão" sobe a 1,77 ponto percentual. E isso é um "desvio significativo" para o Banco Central?

A pergunta dirigida ao BC faz sentido, a partir do momento em que ele adotou a expressão "desvio significativo" na ata do Copom nas reuniões de julho e setembro. A comunicação mais recente do BC com o mercado - incluindo o Relatório de Inflação do terceiro trimestre - incorporou a ideia de que as projeções de inflação para que o indicador convirja à meta de 4,5% em 2016 são condizentes com o efeito defasado e cumulativo da ação de política monetária, mas "exigem que a política monetária se mantenha vigilante" em caso de "desvios significativos" das projeções de inflação em relação à meta.

Reportagem ontem no Valor informou que o BC pode revisar sua estratégia de política monetária - um novo "forward guidance". A ideia é sinalizar como pretende guiar decisões futuras para a Selic. A estratégia atual prevê a manutenção da taxa em 14,25% ao ano por um bom tempo, com a convergência da inflação ao centro da meta (4,5%) ao fim de 2016.

Valor econômico, v. 16 , n. 3866, 21/10/2015. Finanças, p. C1