Correio Braziliense, n. 19.115, 26/09/2015. Política, p. 2

Metas de Dilma são vistas com cautela

Em discurso ontem nas Nações Unidas, em Nova York, a presidente disse que o país vai reduzir, até 2025, as emissões de gases de efeito estufa em até 37%, ampliando o percentual em 43% até 2030. Falta de detalhamento, entretanto, deixou ambientalistas cautelosos Denise Rothenburg
As instituições não governamentais ligadas ao meio ambiente receberam com cautela a ambiciosa meta anunciada pela presidente Dilma Rousseff ontem nas Nações Unidas, de até 2025 reduzir as emissões de gases do efeito estufa em até 37%, ampliando esse percentual para 43% até 2030. As metas, disse a presidente, têm como base o ano de 2005 e serão atingidas, disse a presidente, com ações para garantir 45% de energia oriunda de fontes renováveis, fim do desmatamento ilegal e ainda reflorestamento e recuperação de pastagens degradadas. Uma declaração de Dilma todos concordam: “O Brasil é um dos poucos países em desenvolvimento a assumir uma meta absoluta de redução de emissões. Nossas metas são tão ou mais ambiciosas do que as dos países desenvolvidos. O Brasil contribui, assim, decisivamente, para que o mundo possa atender às recomendações do Painel de Mudança do Clima, que estabelece o limite máximo de 2ºC de aumento de temperatura neste século”, disse a presidente, para alegria dos ambientalistas.

A nota de análise do Observatório do Clima sobre as propostas apresentadas por Dilma considera o Brasil como o primeiro país a anunciar uma meta tão ambiciosa. E o fato de haver uma outra meta indicativa para 2030 “é politicamente muito importante porque demonstra o compromisso do país com ciclos de revisão de cinco anos, de modo a permitir mais facilmente o aumento de ambição de todos os países ao longo do tempo de vigência do acordo”, diz o texto do observatório.

O acordo a que se refere a instituição é aquele a ser feito em Paris, no fim do ano, na Conferência do Clima, a Cop-21. Ali, os países apresentarão o INDC (Intended Nationally Determined Contributions), ou seja, aquilo que cada país pretende realmente fazer para ajudar a evitar o aumento da temperatura do planeta ultrapasse os 2 graus Celsius neste século. Dilma aproveitou seu discurso ontem, na Conferência de Desenvolvimento Sustentável pós-2015 para anunciar desde já essas metas.

Para muitos ambientalistas, no entanto, o anúncio prescindiu de detalhes. Daí, a cautela e a necessidade de se esperar a publicação oficial dessas metas no papel. Afinal, para muitos não ficou claro o que isso significa em termos de toneladas de CO2, uma vez que não esclarece se a redução de 37% e 43% se referem a emissões brutas ou líquidas.

Na área de energia, Dilma anunciou o seguinte quadro para obter 45% de fontes renováveis: 66% desse total viriam da hidrelétrica, 23% de fontes renováveis (eólica, solar, biomassa) e ainda 10% de eficiência elétrica. “É preciso transferir essa ambição para a realidade. O Plano Decenal de Energia ainda prevê 71% dos investimentos em combustíveis fósseis e apenas 14% para novas fontes renováveis e biocombustíveis. Deveríamos estar mudando de direção”, comenta Ricardo Baitelo, coordenador de Clina e Energia do Greenpeace.

Na área de agricultura, as metas foram consideradas pra lá de positivas. Os especialistas consideram 15 milhões de hectares para restauração de pastagens degradadas e cinco milhões de hectares para integração lavoura-pecuária-floresta algo capaz de reduzir um volume significativo de emissão de CO2.

As florestas, entretanto, foram consideradas um “ponto fraco do INDC” brasileiro. Tampouco, a proposta de reflorestar 12 milhões de hectares foi comemorada, uma vez que não se detalhou se esse reflorestamento será feito por espécies nativas ou nativas misturadas a exóticas, o que é permitido pelo Código Florestal. Ao propor o desmatamento zero apenas na Amazônia para 2025, “significa dizer que vamos tolerar a ilegalidade por mais uma década. Pior ainda, o governo silencia sobre o avanço do desmatamento em outros biomas, principalmente o cerrado”, analisa Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.

A brevidade do discurso, transmitido ao vivo pela internet, não permitiu que Dilma detalhasse o pacote de intenções do Brasil. Logo depois, numa das salas destinadas a entrevistas coletivas ainda na sede da ONU, também transmitida ao vivo, Dilma tentou detalhar as medidas. Respondeu, entretanto, mais perguntas de jornalistas estrangeiros do que de brasileiros e avisou logo no início que não falaria sobre a reforma administrativa (leia detalhes nesta página) e responderia apenas a perguntas sobre o tema de seu discurso e o INDC. Um dos temas mais cobrados foi o índice de desmatamento. A presidente afirmou que é preciso vigilância constante: “Conseguimos uma redução expressiva do desmatamento: 82%. Nosso desmatamento para plantio tem sido reduzido. Somos, talvez, uma das agriculturas com maior tecnologia do mundo”, disse ela. “Em regiões remotas, temos que combinar ações de repressão, com Exército, Marinha Aeronáutica e Ibama. Se não reprimir, o desmatamento se espalha. Se piscar o olho, o desmatamento volta”, disse Dilma.

Ela não se furtou, no entanto, a responder perguntas sobre a disposição do Brasil em cobrar a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, que deve o tema central do discurso de Dilma hoje, durante a abertura oficial da 70ª Assembleia Geral das Nações Unidas, onde o representante do Brasil é sempre o primeiro a discursar. “Queremos participar para cumprir o preceito sobre o qual a ONU foi criada: evitar guerras, construir consensos e buscar soluções que possam contribuir para que a humanidade viva em paz”, disse Dilma, lembrando que não se tem visto “uma solução muito efetiva só nas intervenções armadas”. Ela mencionou ainda que, quando a ONU foi criada, há 70 anos, os países participantes eram 50 e o conselho de segurança tinha 11 membros. Hoje, são 193 e o Conselho tem 15. Dilma deve retornar ao Brasil ainda hoje, a fim de cuidar da reforma ministerial.

Negociações abertas
Disposta a amarrar o PMDB ao seu governo, a presidente Dilma Rousseff manterá intactas as estruturas das secretarias de Portos e de Aviação Civil em estações separadas, mas, ainda assim, promete expor a divisão interna da bancada. No setor de Portos ficará o atual ministro da Pesca, Helder Barbalho. Para a Aviação Civil, Dilma escolherá um deputado peemedebista dentro do rol de nomes sugeridos ao Planalto depois da reunião da bancada do partido na semana passada.

Apesar de a ala oposicionista do PMDB insistir que a petista rompeu o acordo a manter as estruturas separadas, o líder do partido na Câmara, Leonardo Picciani, disse, em entrevista ao Correio, que o trato está mantido: “Recebemos o convite para dois ministérios, Saúde e um outro ligado a área de infraestrutura”, diz ele (leia na página 4).

As dificuldades de Dilma em fechar a reforma agora residem na necessidade de não dar mais motivos para um afastamento ainda maior do vice-presidente Michel Temer — leia-se a saída do ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha.

O desenho, se mantido, vai expor a divisão interna do PMDB. Os deputados, que indicaram os ministros, não aceitaram acolher Padilha como indicação da Câmara. Preferiram indicar um deputado entre aqueles já enviados ao Planalto (Celso Pansera e Washington Reis, do Rio de Janeiro; Mauro Lopes e Newton Cardoso Júnior, de Minas Gerais; José Priante, do Pará; e Sérgio Souza, do Paraná). Assim, se não houver mudanças até terça-feira, quando Dilma retoma a agenda no Brasil, Padilha estará fora do governo e o PMDB, mais uma vez com a sua fratura exposta.

Relação conflituosa
Desde que o vice-presidente Michel Temer dedarou, em agosto, que o Brasil precisava de alguém capaz de unir o país, a relação entre ele e Dilma Rousseff nunca mais foi a mesma. De lá para cá, Dilma, gradualmente, tratou de construir pontes próprias com a bancada peemedeLista da Câmara. 

Em meados de agosto, recebeu o líder Leonardo leda ni, e ali começou a trabalhar o convite para que deputados do PMDB assumissem vagas no govemo. Até então, ela fartams negociações partidárias com o PMDB sempre via Michel Temer, que terminava indicando seus aliados para o governo. 

Assim, viraram ministros Eliseu Padilha e Edinho Araújo (Portos). Agora, ao que tudo indica, os dois aliados de Michel Temer perderão a vaga com as mudanças de Dilma.