Correio Braziliense, n. 19.115, 26/09/2015. Política, p.6

Receita cobra R$ 318 milhões de 89 atletas 

Mais da metade dos impostos sonegados se referem a dívidas de Neymar. Ele teve R$ 188,8 milhões bloqueados pela Justiça. Subsecretário do Fisco diz que fraudes ocorrem, principalmente, por meio de transferência de recursos de pessoas físicas para empresas Astro da Seleção Brasileira e do Barcelona, Neymar não foi o único jogador de futebol a cair nas garras da Receita Federal. Pelo menos 89 atletas de alto rendimento foram autuados por sonegação de impostos entre 2012 e 2015. Dados exclusivos, obtidos pelo Correio, apontam que o Leão está cobrando R$ 318,6 milhões dos desportistas em multas e agravos. Desse total, 59,2% se referem à sonegação do craque que despontou no Santos. Não é possível saber quais são os clubes, os nomes e as modalidades praticadas pelos autuados, pois todos gozam de sigilo fiscal. O subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Jung Martins, explica que, para evitar uma tributação de 27,5% de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), em geral, os atletas constituem uma empresa e transferem os direitos de imagem e parte do salário para ela. Com isso, a alíquota a ser recolhida aos cofres públicos despenca para 13,53%, alíquota que engloba Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), além do PIS e da Cofins. No entendimento de Martins, esse esquema constitui uma fraude. Ele detalha que, no caso de Neymar, o desembargador Carlos Muta, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, manteve em segredo de Justiça os documentos que estão nos autos do processo, mas tornou pública a decisão que determinou o bloqueio de R$ 188,8 milhões em bens do jogador, dos pais dele, Neymar Santos e Nadine, e de três empresas da família, a Neymar Sport e Marketing, a N & N Consultoria Esportiva e Empresarial e a N & N Administração de Bens Participações e Investimentos.

 

Denúncia 

 

Esse valor corresponde a uma autuação por sonegação e lavagem de dinheiro de R$ 66 milhões, mais agravo de 150% do valor da multa aplicada porque a Receita entendeu que houve dolo, fraude e simulação de operações para tentar enganar o Fisco. Segundo o subsecretário, o pedido de indisponibilidade do patrimônio do astro da Seleção Brasileira, revelado com exclusividade ontem pelo Correio, ocorreu para que não houvesse risco de dilapidação e de prejuízos aos cofres públicos. Os técnicos da Receita entenderam que o risco de calote era grande porque pessoas ligadas a Neymar já haviam sido autuadas antes pelo Leão, ao qual devem R$ 4,6 milhões. O processo do jogador do Barcelona ainda poderá ser discutido administrativamente no Fisco. Se todos os argumentos da defesa forem refutados pelos servidores, o caso ainda poderá ser submetido ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Caso o colegiado ratifique o entendimento dos auditores, a Receita poderá encaminhar ao Ministério Público Federal (MPF) uma Representação Fiscal para Fins Penais (RFFP), para que o órgão faça uma investigação e, se achar adequado, ofereça denúncia à Justiça. O subsecretário de Fiscalização explica que a legislação vigente determina que, se o débito for quitado por Neymar e por sua família, a representação não poderá ser enviada ao MPF. "Isso é possível porque a lei é fraca. Em qualquer país sério, isso não ocorreria. A Justiça é mais rigorosa com quem rouba um quilo de carne, se arrepende e devolve o alimento do que com quem sonegou milhões", diz.

 

Efeito educativo

 

Na avaliação de Martins, casos como o de Neymar mostram que sonegar impostos não é bom negócio. "Estamos falando de um entre vários casos apurados pela Receita. Somente no primeiro semestre deste ano, lavramos multas totalizando R$ 75,1 bilhões", comenta. Ele afirma que as investigações sobre o astro do Barcelona começaram em maio do ano passado, um mês antes do início da Copa do Mundo, após a área técnica detectar movimentações financeiras atípicas do jogador e das empresas da família dele. Estão sob suspeitas as declarações de renda feitas entre 2011 e 2013. Os impostos cobrados pela Receita pegam o período em que Neymar ainda jogava pelo Santos e a transferência dele para o Barcelona. Pelas investigações do Fisco, o jogador alegava que 90% do que recebia do clube paulista se referiam a direitos de imagem. Os recursos eram destinados a uma das empresas dos pais do atleta, a N & N Consultoria Esportiva, recebendo tributação diferenciada. No caso do Barcelona, a Receita constatou que houve uma simulação de empréstimo para driblar o Leão. Como Neymar ainda tinha contrato de exclusividade com o Santos, mas já havia uma negociação com o clube espanhol, foi acertado que ele receberia adiantamento de 10 milhões de euros (hoje, R$ 44,5 milhões) como direito de preferência pelo passe. Martins ressalta Neymar e os demais atletas sob investigação caíram nas garras de um grupo especial de 2,8 mil auditores que se dedicam ao trabalho de monitoramento em todo o país. No total, a Receita conta com 10 mil auditores, número longe do ideal. Apenas na área que ele comanda são 4,1 mil servidores. "Temos 400 auditores que fazem um trabalho prévio com cruzamentos de  dados, e são eles que apontam quais são os casos em que há indícios de irregularidades", detalha. O caso Neymar foi vital para que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciasse, no fim de agosto, a edição de uma medida provisória que aumentou, de 32% para 100%, a base de cálculo para a incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) no caso de receitas oriundas dos direitos de imagem. A expectativa da Receita Federal é arrecadar R$ 615 milhões em 2016.