Na base da pressão

 

JÚNIA GAMA 

O globo, n. 30033, 29//10/2015. País, p. 3

 

Paulinho da Força pediu informações contra Chico Alencar, e Júlio Delgado disse que foi instado a abandonar Conselho de Ética, que recebeu ontem a acusação. Julgamento só deve ser concluído no ano que vem

MARCOS ALVES/21-8-2015Amigos. Cunha e Paulinho: deputado do Solidariedade nega dossiê, mas pediu informações sobre Chico Alencar

Aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, estão intimidando deputados que pediram o seu afastamento ou atuarão no processo contra ele no Conselho de Ética. Um grupo reúne dados que possam constranger opositores. Na terça-feira, Paulinho da Força pediu informações à Diretoria da Câmara sobre investigação, já arquivada, contra Chico Alencar, revela JÚNIA GAMA. Júlio Delgado disse ter sido interpelado por colegas, que sugeriram a ele que deixasse a vaga no Conselho de Ética. Cunha chamou as acusações de maldade. Ontem, o processo de cassação chegou ao Conselho, depois de o deputado usar o tempo limite para retardar o seu início. A conclusão deve ficar para o ano que vem. -BRASÍLIA- Aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), estão atuando para intimidar deputados que já se posicionaram publicamente pelo afastamento do peemedebista do cargo ou estão envolvidos no processo de cassação de seu mandato no Conselho de Ética. Um interlocutor próximo a Cunha revelou ao GLOBO que, quando o PSOL apresentou a representação contra o presidente da Câmara, um grupo de deputados ligados a ele começou a levantar informações sobre seus opositores, dentro e fora do conselho.

Exemplo disso foi ação do deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD-SP), que na terça-feira pediu à diretoria-geral da Câmara cópia de um processo referente a um procedimento instaurado por uma procuradora em 2014 contra o líder do PSOL, Chico Alencar, que iniciou o movimento para levar Cunha ao Conselho de Ética. O procedimento em questão já foi arquivado.

Outro alvo dos aliados de Cunha é Júlio Delgado (PSB-MG), integrante do Conselho de Ética, e que também é investigado na Operação LavaJato, por suposto recebimento de doações eleitorais com dinheiro desviado da Petrobras, acusação que ele nega.

Delgado disse ao GLOBO ter sido interpelado esta semana por deputados próximos a Cunha e questionado sobre “quando” iria renunciar à sua vaga no conselho, pelo fato de, assim como Cunha, ser também investigado na Lava-Jato. A abordagem foi recebida por Delgado, que não revelou os nomes de seus interlocutores, como uma tentativa de intimidação.

— Eduardo Cunha tem denúncia apresentada ao Supremo, representação no Conselho de Ética, outra na Corregedoria da Câmara e não sai da presidência, e eu é que tenho que sair do conselho? Não vai ser essa intimidação que vai me impedir de cumprir o papel para o qual fui eleito no Conselho de Ética. Agora, estou pensando na imagem do Parlamento. Se ele fizer um gesto e sair da presidência da Câmara, eu saio do conselho — afirmou o deputado ao GLOBO. DISSEMINAÇÃO DE BOATOS Chico Alencar, por sua vez, também diz ter sido avisado de que o grupo ligado ao presidente da Câmara levantou informações para tentar constrangê-lo, como as doações que recebeu de funcionários de seu gabinete na campanha de 2014 e um processo de que foi alvo no mesmo ano. Para ele, a intenção é disseminar as informações para tentar intimidá-lo.

Apesar de não integrar o Conselho de Ética, Alencar acredita estar sendo alvo de disseminação de boatos para intimidá-lo por “vingança”, já que foi ele que mobilizou o PSOL para que apresentasse o pedido de cassação.

— É uma tentativa vã de intimidar um partido que até aqui já fez tudo o que tinha que fazer, nem teria mais o poder de reverter nada no conselho. É um ato sujo de teatro do absurdo. E pode ser um tiro no pé, porque vai soar claramente como vingança e retaliação. Quem não deve não teme — afirma Chico Alencar.

Para o deputado, apesar das pressões, o conselho deveria acatar a denúncia contra Cunha. Mas Chico Alencar não descarta a possibilidade de o colegiado arquivar o processo sem sequer debatê-lo.

— Se decidir pela não procedência do processo, vai ser um escândalo nacional e depreciará ainda mais o Parlamento como um todo. Mas sei que esse não é um resultado impossível, dada a anestesia que parece impregnar a Casa em relação ao clamor público — afirmou.

Na linha de frente das ações estariam Paulinho da Força e André Moura (PSC-SE), além de outros deputados menos expressivos de partidos como o PHS. Eles negam estarem atuando para intimidar opositores de Cunha.

— Não há trabalho sendo feito em relação a esses membros do conselho. A própria defesa do Eduardo vai falar mais alto e dar o conforto necessário para que os membros do conselho possam votar pela absolvição — disse André Moura.

— Não tem dossiê, eu não estou fazendo esse papel. A única coisa que a gente faz é tentar ver os votos, ter uma ideia de quantos são a favor e quantos são contra — afirma Paulinho.

Procurado, Cunha reclamou das acusações e disse que elas tentam intimidá-lo: “Não tenho conhecimento disso, não falarei sobre ilações. Não adianta desmentir e publicam como fato. O melhor que eu faço é não responder a esse tipo de maldade”, afirmou por mensagem.

Cunha contratou para defendê-lo no Conselho de Ética o ex-ministro do STF Francisco Rezek.

 

Entre o céu e o inferno

 

MAIÁ MENEZES 

 

Ocomportamento a cada dia mais pendular do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que invariavelmente dorme adversário e acorda aliado do governo Dilma, denota a aflição de estar na iminência de seu pior pesadelo. Ou do melhor dos sonhos. As implicações de Cunha com o envio de dinheiro a contas não declaradas na Suíça se tornam cada vez mais claras, na mesma proporção em que cresce a pressão para que se posicione sobre o pedido de impeachment da presidente. Dois papéis-chave antagônicos: o de vilão e o de herói.

É para evitar incorporar de vez o primeiro personagem do enredo de desfecho ainda insondável que Cunha oscila. Ora prometendo imparcialidade ao governo, ora garantindo à oposição que dará a celeridade esperada por ela ao rito de impugnação. De algoz a salvador, paralisa também os dois lados, acostumados a um maniqueísmo incapaz de dar conta das mudanças de tom de Cunha.

Enquanto governo e oposição ainda se encaixam em seu roteiro, assegurando a ele uma sobrevida ao atuarem como seus defensores ocasionais (ainda que não tenham como lhe garantir salvação), o suspense se concentra nas decisões que serão tomadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Cunha pode ser preso.

E, enquanto tenta agradar aos lados que espera atrair, o deputado deixa escapar um aliado de quem vem extraindo ao longo de sua trajetória política a aura impoluta de homem religioso.

No abaixo-assinado divulgado ontem por grupos evangélicos, estavam representantes até da Assembleia de Deus, sua igreja. Em um limbo particular, Cunha, um estrategista profissional, muda freneticamente de comportamento. Para se manter como está: vivo.

 

Após demora no envio, processo por quebra de decoro começa na 3ª feira

 

EVANDRO ÉBOLI E CHICO DE GOIS 

 

O Conselho de Ética da Câmara recebeu ontem de volta a representação do PSOL e da Rede contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por quebra de decoro. A Mesa Diretora, comandada por Cunha, utilizou todo o prazo de três sessões para devolver o processo, postergando em uma semana o início da análise, que estava inicialmente previsto para ontem. Diante disso, o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), marcou para a próxima terça-feira a instauração do processo.

A expectativa agora é com a escolha do relator, que se dará por sorteio na próxima semana. Dos 21 titulares do Conselho de Ética, 18 nomes estarão no pote de onde serão retirados três nomes. Depois, caberá a Araújo, após conversa com cada um deles, definir quem será o relator.

O perfil do relator — se a favor ou contra Cunha — vai ditar o ritmo do conselho. Se for um relator alinhado ao presidente, usará todos os prazos até o limite. Se o escolhido for um parlamentar não alinhado a Cunha, esses procedimentos serão mais céleres. O prazo máximo para concluir o processo é de 90 dias úteis. Se levado a cabo, vai terminar somente em 2016.

Entre os titulares do conselho, surgem os nomes dos três relatores mais favoráveis a Cunha e dos três menos simpáticos ao presidente. Entre os três anti-Cunha, dois são filiados ao PSDB — Nelson Marchezan Júnior (RS) e Betinho Gomes (PE). O terceiro é Júlio Delgado (PSB-PE). Entre os pró-Cunha, o grupo político do presidente gostaria de ver na relatoria Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), mas vê com bons olhos Cacá Leão (PP-BA) e Wellington Roberto (PR-PB). DEPUTADO FOCA NO RELATÓRIO PRELIMINAR Inicialmente, o relator avaliará se há elementos suficientes para prosseguir a investigação contra Cunha. É o chamado parecer preliminar. Se aprovado esse parecer, o processo segue o curso, com defesa de Cunha e indicação de testemunhas, e o resultado final da votação do Conselho seguirá para a análise do plenário da Câmara.

Cunha está focado em conseguir a rejeição do parecer preliminar para não ter de enfrentar o voto aberto no plenário. Ele disse ontem que ainda não sabe se irá ao conselho na terça.

— Quando for demandado, farei a defesa. Eu vou avaliar. Deixa eu ser intimado. Para ser franco, nem li a representação. Deixa chegar, e, a partir daí, eu vou tomar uma providência — afirmou.