Perguntas sem respostas

 

RENATO ONOFRE, CLEIDE CARVALHO E TIAGO DANTAS

O globo, n. 30035, 31//10/2015. País, p. 3

 

Preso desde junho, Marcelo Odebrecht fez defesa por escrito e atacou a Lava-Jato. -SÃO PAULO- Em seu primeiro interrogatório à Justiça Federal, o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, se recusou ontem a responder perguntas do juiz Sérgio Moro, alegando que queria “evitar ser mal interpretado”. Preso desde 19 de junho, Marcelo reclamou da ação contra ele, disse que a Lava-Jato distorceu fatos e agiu de forma “cruel” e, para se defender, entregou ao juiz um texto de 19 páginas, uma espécie de autointerrogatório, com 60 perguntas e respostas elaboradas por ele próprio e seus defensores.

GERALDO BUBNIAK/27-05-2015Defesa. Marcelo Odebrecht: “Há mais de 15 anos não assino cheque em nome das empresas”

Moro pediu explicações sobre as contas no exterior que teriam sido usadas pela construtora para o pagamento de propina a dirigentes da Petrobras. O empresário se negou a responder e disse que estava tudo explicado no documento. No autointerrogatório, porém, Marcelo não explicou as mais de mil movimentações financeiras de empresas offshore ligadas à Odebrecht, que teriam sido usadas para lavar recursos desviados da Petrobras. Todas foram mapeadas pelo Ministério Público suíço. O destino do dinheiro, quase sempre, eram contas controladas por ex-diretores da Petrobras. Marcelo limitouse a dizer que não tinha conhecimento.

“INICIATIVA ILEGAL E CRUEL”

No documento, o empriteiro acusou a força-tarefa da Operação Lava-Jato de distorcer fatos para prendê-lo, criticou a publicidade e a interpretação dada a anotações e e-mails escritos por ele, e pediu a revogação de sua prisão. O executivo afirmou no texto, mais de uma vez, que não se envolve diretamente na área de negócio de nenhuma das 300 empresas da holding e que, como presidente do conselho de administração da empresa, tinha função apenas de “convocar e coordenar reuniões como um representante dos acionistas”.

“Há mais de quinze anos não assino nem mesmo um cheque em nome das empresas da organização, tampouco ordeno ou controlo operações financeiras”, disse. As declarações vão contra o material apreendido pela PF durante as investigações, que mostram uma forte influência de Marcelo nos negócios da empresa.

Em outro trecho, Marcelo escreveu: “Fica evidente a distorção dos fatos com o objetivo malicioso de atribuir a mim uma intenção de fuga completamente infundada. Trata-se de uma iniciativa não apenas ilegal, como cruel, apenas para me sujeitar a pedido de prisão preventiva”.

O procurador da República Antonio Carlos Welter chegou a pedir ao empresário que abra mão de uma ação da Odebrecht na Justiça suíça para impedir o acesso dos investigadores brasileiros a informações das contas, em nome da “disposição dele em colaborar com a Justiça”. Marcelo negou:

— Não me cabe responder pela construtora.

Marcelo reclamou da interpretação dada pelos investigadores a anotações e emails encontrados em seu computador e celular. Disse que houve equívoco. Para a PF, as mensagens mostram que ele sabia sobre o esquema de propina. Ele tentou explicar orientações supostamente dadas a funcionários assim que os primeiros indícios de corrupção vieram a público: “Higienizar apetrechos MF e RA”. MF e RA, para a PF, seriam Márcio Faria e Rogério Araújo e higienizar seria apagar provas. Marcelo contestou:

“Foi feito um lembrete sobre a necessidade de discutir se Márcio Faria e Rogério Araújo estavam sendo alvos de grampos ilegais e se seria o caso de fazer varredura, o que também acabou não acontecendo (...). A maior prova de que nunca cogitei apagar nada é que minhas próprias notas e mensagens foram integralmente apreendidas em meu próprio celular”.

Rogério Araújo e Márcio Faria também depuseram ontem e negaram a existência de contas na Suíça e o pagamento de propina. Em nota, a defesa de Odebrecht diz que “Marcelo refutou com firmeza as acusações que são feitas a ele na peça acusatória”. E que a empresa continua “confiante não só na sua absolvição neste processo penal, como na revogação da prisão”.

 

STF tira de Sérgio Moro caso da Eletronuclear

 

O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, remeteu à Justiça Federal do Rio a investigação sobre corrupção na Eletronuclear. Com isso, o juiz Sérgio Moro deixará de atuar no caso. É o segundo fatiamento da Lava-Jato. -BRASÍLIA- O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), remeteu para a Justiça Federal do Rio de Janeiro as investigações sobre corrupção na estatal Eletronuclear, no caso da construção da usina nuclear Angra 3. A decisão, tomada na noite de anteontem, retira a competência do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, para atuar no processo. O senador Edison Lobão (PMDB-MA) é citado como um dos beneficiários do esquema e Teori deve deixar a relatoria do procedimento que analisa sua conduta.

A decisão segue o preceito firmado pelo STF de que apenas as denúncias relativas à Petrobras devem permanecer no âmbito da Operação Lava-Jato. O tribunal adotou esse posicionamento ao analisar as suspeitas relativas ao Ministério do Planejamento, que envolvem a senadora Gleisi Hoffmann (PTPR). Também foram retiradas do âmbito da Lava-Jato as acusações de caixa dois feitas pelo delator Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, contra o ministro Aloizio Mercadante (Educação) e o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB).

O ministro Teori já tinha determinado a suspensão da ação sobre a Eletronuclear que tramitava em Curitiba, acolhendo reclamação da defesa de Flávio Barra, executivo da Andrade Gutierrez. O advogado dele, Juliano Breda, afirmou que o envio para o Rio é “o reconhecimento de que não há relação entre os casos da Eletronuclear e da Petrobras”. Ele espera também que seja acatado pedido de liberdade para seu cliente.

No desmembramento relativo ao Ministério do Planejamento, o STF decidiu que caberia à Justiça Federal de São Paulo, para onde a ação foi enviada, verificar as decisões de Moro, como as prisões determinadas até aquele momento. Caso Teori siga o mesmo entendimento, a Justiça do Rio avaliará as prisões dos envolvidos no caso da Eletronuclear. Entre eles está o ex-presidente da empresa, o almirante da Marinha Othon Luiz Pinheiro.

Segundo a denúncia do MP, operadores desviavam recursos da Eletronuclear a partir de contrato para obras na usina nuclear de Angra 3. De acordo com as investigações, 1% do valor do contrato seria destinado a propinas para dirigentes e agentes políticos. Em abril, o ex-presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini afirmou, em depoimento de delação, que houve “promessa” de pagamento de propina ao PMDB e a dirigentes da Eletronuclear. Somados, os contratos de Angra 3 chegam a R$ 3 bi.

Outros três casos correm o risco de deixar a vara de Sérgio Moro. Eles dizem respeito às investigações sobre a construção da usina Belo Monte, contratos de publicidade na Caixa Econômica Federal, e entre Ministério da Saúde e o laboratório Labogen. Nestes processos há inclusive sentenças já expedidas por Moro, como a condenação do ex-deputado André Vargas a 14 anos de prisão pelo recebimento de recursos que seriam desviados da Caixa e do Ministério da Saúde. Em relação a Belo Monte, Avancini afirmou que a Camargo Corrêa pagou R$ 20 milhões em propinas para o PMDB.