Confusão doméstica

 

GERALDA DOCA, ELIANE OLIVEIRA, ANDREA FREITAS HELOÍSA TRAIANO

O globo, n. 30034, 30//10/2015. Economia, p. 21

 

A poucos dias do 1º pagamento obrigatório de FGTS para domésticas, o site para cadastro apresentou lentidão. E a decisão da Caixa de oferecer guia em seu site criou confusão. -BRASILIA E RIO- A uma semana do vencimento do primeiro recolhimento obrigatório do FGTS para os trabalhadores domésticos, junto com outras contribuições — INSS, seguro acidente de trabalho e salário família —, os empregadores enfrentam problemas para cadastrar o funcionário no portal eSocial, prerrequisito para fazer o pagamento. Recomeço após gravar dados, erro, recusa de dados, embora eles estejam corretos. Lentidão, mensagens de erro e queda do sistema marcaram os acessos nos últimos dias. E uma iniciativa da Caixa Econômica Federal gerou ainda mais confusão: a Caixa publicou no Diário Oficial da União circular permitindo a emissão de um formulário para pagamento do FGTS em separado, como um plano B diante de problemas de acesso ao site e à guia única que vai reunir todos os tributos. Como esse formulário independe do cadastro no eSocial, foi visto como solução pelos patrões que não conseguiam acessar o sistema. Mas o problema é que ele só poderá ser usado em situação excepcional, como pane generalizada no sistema reconhecida pelo governo.

ANTONIO SCORZATarefa árdua. Claudia Cruz enfrentou dificuldade para acessar site para cadastrar a empregada doméstica

A medida gerou ruído porque a guia da Caixa foi disponibilizada no momento em que cadastramento ainda está em curso e forçou a Receita a esclarecer a situação. Clóvis Belbute, auditor da Receita Federal e membro do comitê gestor do eSocial, deixou claro que o FGTS não poder ser pago separadamente das outras contribuições. Ele afirmou ainda que a Receita também deverá anunciar uma medida semelhante para imprimir a guia do INSS, no caso de apagão no sistema — uma exigência da lei. Mas, a resolução da Receita, explicou, só será divulgada depois do dia 1º de novembro, quando já será possível imprimir a guia unificada de pagamento, justamente para evitar ainda mais complicações. O pagamento vence dia 6 de novembro. Em nota, a Caixa informou que editou a circular para cumprir a lei. “A divulgação da Circular busca dar conhecimento, de forma antecipada, aos empregadores, com intuito de evitar desinformações ou transtornos de última hora”.

Para ter acesso à guia unificada, o empregador precisa antes cadastrar seu empregado no eSocial — até ontem, 920 mil patrões tinham feito o processo. Ontem, a Receita também informou que o prazo para fazer esse cadastramento não termina em 31 de outubro, que foi a data-limite fixada pela própria Receita.

— Esse prazo de até o dia 31 de outubro não é fatal — disse Clóvis Belbute.

As informações são contraditórias, já que, no próprio site da Receita Federal, o título da nota à imprensa sobre o balanço no número de cadastramentos diz que o “prazo para cadastramento no Simples Doméstico (guia unificada) termina no dia 31 de outubro”. De acordo com o auditor, nenhum patrão será punido se ultrapassar essa data. A punição, explicou, ocorrerá por meio de multa se houver atraso no pagamento das contribuições, que vencem dia 6. A multa diária varia de 0,33% até 20% sobre o valor devido.

Belbute minimizou o ocorrido, alegando que o prazo de até 31 foi estipulado para que o empregador pudesse fazer o cadastro e eventuais correções nos dados inseridos a tempo de emitir a guia dentro do prazo para pagamento.

Ao ser indagado se será possível imprimir a guia única no domingo, dia 1º, Belbute assegurou: — Certamente. O cadastramento do doméstico no eSocial não é uma tarefa fácil para todo empregador, como mostram centenas de queixas publicadas nas redes sociais. A gerente administrativa Claudia Cruz começou o processo de sua funcionária, Elisa Jesus, há duas semanas. No dia 17, entrou no site, imprimiu o manual, verificou todos os documentos necessários e passou para a doméstica a lista do quer era necessário. Depois, acessou o link de Consulta Qualificação Cadastral do trabalhador, verificou que não havia qualquer pendência e começou. Mas, depois de fazer seu próprio cadastro como empregadora, Claudia se surpreendeu ao não conseguir concluir o processo. Uma mensagem informava que havia divergência entre o cadastro de CPF e NIS, recomendando consultar o INSS e a Receita.

Foi o que Claudia e Elisa fizeram. A doméstica foi três vezes a agências do INSS. Em todas, os dados da trabalhadora foram confirmados como corretos. Estava tudo de acordo com o que Claudia tentava incluir no eSocial. Ela também consultou a Receita, onde os dados de Elisa também estavam batendo, e o CPF aparecia como regular. Ontem, Claudia resolveu entrar no eSocial mais uma vez. Então, a mensagem de erro que se repetia desde o dia 17 até a última quarta-feira desapareceu como por encanto, e o processo foi concluído.

— Eu já estava desesperada, completamente perdida. Tentei resolver com o INSS, com a Receita, e nada. Liguei para o 135, e a resposta foi que não podiam me ajudar, porque os dados estavam certos! De repente, o cadastramento foi concluído. Minha funcionária já tinha pedido para ser fantasma, para eu não cadastrá-la devido à dificuldade. RECEITA NÃO PREVÊ ADIAR VENCIMENTO O mesmo problema foi mencionado nas redes sociais por vários empregadores nos últimos dias. A Receita admitiu que a ocorrência desse tipo de problema foi elevada, mas informou, no fim do dia de ontem, que ele já estava resolvido.

Marina Cruz, assistente de produção, começou as primeiras tentativas de cadastramento de três funcionários domésticos há oito dias e, até agora, não conseguiu concluir o processo, porque o site não reconhece os dados da última funcionária.

— Esperava demorar meia hora no máximo, mas fiquei cinco horas fazendo isso. Agora, simplesmente não consigo concluir o último cadastro porque, mesmo depois de ter concluído a primeira etapa, o CPF não é reconhecido. O site está cheio de erros, e é necessário ter muita paciência. Para evitar pagar uma multa por atraso, vou ficar tentando sem parar até o final do prazo.

O presidente da ONG Doméstica Legal, Mário Avelino, diz que os empregadores não podem pagar pelas falhas do governo e sugere à Receita adiar, excepcionalmente, o pagamento do dia 6 para 15 ou 20 deste mês. A Receita alega, porém, que não pode prorrogar o recolhimento porque não tem ingerência sobre o FGTS, cujo pagamento é fixado no dia 7, sendo antecipado quando cai no fim de semana, como este ano, ou feriado.

*Estagiária sob supervisão de Andrea Freitas