Programa de oposição

 

PAULO CELSO PEREIRA

O globo, n. 30034, 30//10/2015. País, p. 3

 

 Principal aliado do governo Dilma Rousseff, o PMDB apresentou ontem a primeira versão de seu novo programa partidário, com propostas majoritariamente antagônicas às do PT e à condução econômica adotada pelo próprio governo. Intitulado “Uma ponte para o futuro”, o texto faz críticas, diretas e indiretas, à política econômica, ressaltando que o país “encontra-se em uma situação de grave risco”, e “tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação”. Diante desse quadro, o partido sugere uma ampla agenda de transição econômica, pautada por reformas legislativas, que, defende, “precisam ser feitas rapidamente”.

A nova agenda peemedebista foi apresentada pelo vice-presidente Michel Temer e pelo presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, e será debatida no congresso nacional do partido, em 17 de novembro. A parte do documento relativa à política econômica, com 19 páginas, propõe uma série de medidas que, embora impopulares, são defendidas por muitos economistas como fundamentais para o reequilíbrio das contas públicas e a retomada do crescimento. Entre elas, estão a defesa do fim das indexações de qualquer benefício, inclusive o previdenciário, ao salário-mínimo; a definição de uma idade mínima para a aposentadoria de, no mínimo, 60 anos para mulheres e 65 anos para homens; o fim dos gastos mínimos constitucionais com Saúde e Educação; e o retorno ao regime de concessão na área de petróleo, dando apenas preferência à Petrobras.

— Se você não começa a pregar certas coisas, elas nunca acontecem. Estamos lançando palavras que são corajosas, coisas que têm que ser discutidas — afirmou Temer.

As críticas ao desajuste atual das contas públicas são duras no texto:

“Nosso desajuste fiscal chegou a um ponto crítico. Sua solução será muito dura para o conjunto da população, terá que conter medidas de emergência, mas principalmente reformas estruturais. (...) Nos últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A situação hoje poderia certamente estar menos crítica”.

Temer afirmou que enviaria ainda ontem uma cópia do documento ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e outra à presidente Dilma. Pela manhã, o vice conversou com o ministro por telefone e citou um dos pontos polêmicos defendidos no texto: permitir que as convenções coletivas de trabalho prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos. Segundo Temer, Levy mostrou-se animado com a proposta e sugeriu que o governo a debata.

Para Temer, o objetivo do partido é preparar um programa para o país.

— Se o governo incorporar essas teses, isso terá sido um trabalho do PMDB. Se não incorporar, vamos trabalhar como um programa para 2018 — disse Temer, defendendo a candidatura própria presidencial após mais de 20 anos sem o partido ter um nome: — É muito provável que em 2018 o PMDB tenha candidato. Não sei se o PT virá conosco ou não.

Segundo Moreira Franco, que nos últimos dois meses trabalhou no texto, vários economistas de Rio, São Paulo e Brasília foram consultados. Entre eles, o exministro Delfim Netto e o ex-secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa.

— O PMDB tem posição diante da realidade e vai discuti-la com seus militantes. Isso aqui é uma ponte para o futuro. O que queremos é unificar a sociedade — disse Moreira.

No momento em que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), examina pedidos de impeachment contra Dilma, o programa também serve como uma sinalização ao mercado e à sociedade sobre o que o partido pretende fazer no poder.

“O país clama por pacificação, pois o aprofundamento das divisões e a disseminação do ódio e dos ressentimentos estão inviabilizando os consensos políticos sem os quais nossas crises se tornarão cada vez maiores. (...) Impõe-se a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial, capaz, de num prazo curto, produzir todas estas decisões na sociedade e no Congresso Nacional”

Junto com o amplo programa econômico, foi apresentado curto plano de quatro páginas sobre direitos sociais, que consiste basicamente de propostas genéricas, como “uma educação transformadora” e “universalizar o atendimento de qualidade na rede pública (de saúde)”, e que chama atenção apenas pela defesa da redução do papel do Estado: “Espera-se, nesse caso, que a melhora da qualidade de vida tome ares do que Amartya Sen chama de ‘desenvolvimento como liberdade’. Que o desenvolvimento da sociedade seja medido pelo grau de liberdade de que desfrutam as pessoas para determinar os seus próprios caminhos, sem a interferência de outros atores, entre eles o Estado”.

 

Edinho nega conflito com maior aliado do governo

 

Com críticas à política econômica do governo Dilma, o PMDB divulgou ontem documento que propõe um novo modelo para superar a crise. Em “Uma ponte para o futuro”, o PMDB defende o fim da indexação de benefícios ao salário mínimo, a fixação de idade mínima para aposentadoria, a volta ao regime de concessões na área de petróleo, entre outras medidas. O documento contraria propostas do PT. A reação do Palácio do Planalto ao programa apresentado pelo PMDB foi do ministro da Secretaria de Comunicação, Edinho Silva. Em entrevista ao Jornal Nacional, ele negou a existência de conflito e disse que todos os partidos da coligação do governo podem apresentar propostas.

ANDRÉ COELHOEntre o PT e o PMDB. Dilma com placa de inauguração de unidades do Minha Casa Minha Vida

— É legitimo que os partidos tenham suas formulações. Muitas dessas posições, aquelas que estiverem em consonância com o projeto eleito, aquele que foi escolhido pelo povo brasileiro e que é liderado pela presidente Dilma, podem até ser incorporadas pelo governo — afirmou o ministro.

Temer também buscou colocar panos quentes e disse que o documento não é um rompimento com o governo. Petistas procurados pelo GLOBO não retornaram as ligações.

Alguns pontos do programa do PMDB vão ao encontro de propostas defendidas pelo economista Armínio Fraga, em artigo publicado pelo GLOBO no início de setembro. As medidas também são defendidas por outros economistas tucanos. A análise de Armínio foi feita após o rebaixamento do grau de investimento do Brasil. Entre as propostas em comum, PMDB e Armínio, que foi presidente do Banco Central no governo do expresidente Fernando Henrique Cardoso, sugerem o fim de indexações de salários ou benefícios.

Segundo Armínio, a vinculação do piso da Previdência ao salário mínimo “é cara e regressiva.” Para os peemedebistas, vinculações e indexações “engessam o Orçamento”. Ainda entre as propostas de Armínio, está a reforma do PIS-Cofins e do ICMS, este último acrescido da unificação e simplificação das regras do imposto. Na mesma linha, o PMDB defende a redução do número de impostos, além da unificação da legislação do ICMS.

Tanto peemedebistas quanto Armínio sugerem mudanças na área trabalhista. O partido recomenda que “as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”. Armínio defendeu mudanças, “onde o negociado se sobrepõe à lei”.

Outra convergência está na política externa. O PMDB prega a “busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes — EUA, União Europeia e Ásia — com ou sem a companhia do Mercosul.” Já Armínio, defendeu “o aumento da integração do Brasil ao mundo (um primeiro passo seria transformar o Mercosul em zona de livre comércio).”