FERNANDA KRAKOVICS SIMONE IGLESIAS
O globo, n. 30034, 30//10/2015. País, p. 4
Ao discursar ontem na reunião do Diretório Nacional do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que o PT reelegeu a presidente Dilma Rousseff com um discurso diferente do que está sendo praticado em seu segundo mandato. Segundo ele, isso é “um fato” e deixou muita gente “nervosa” e “irritada:
— Ganhamos uma eleição com um discurso e, depois, tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer, e isso é um fato.
Lula afirmou que é mais importante aprovar as matérias de interesse do governo do que “derrubar” o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), alvo de denúncias de corrupção. Lula e o partido insistiram na defesa de mudanças na política econômica, na necessidade de virar a página do ajuste fiscal, mas recuaram do pedido de substituição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O ex-presidente aproveitou ainda para ironizar as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público contra sua família.
"PRIORIDADE ZERO” É O AJUSTE FISCAL
Para Lula, a “prioridade zero” é concluir a votação do ajuste para retomar o crescimento, e não a situação de Cunha — acusado de receber propina em contas na Suíça — nem a discussão sobre os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.
— O que interessa à oposição é que a gente arranje quinhentos pretextos para discutir qualquer assunto e não o que interessa, que é aprovar o que a Dilma mandou para o Congresso. A não ser que tenha alguém aqui que ache que isso não é importante, que primeiro vamos tentar derrubar o Eduardo Cunha, depois derrubar o impeachment e, depois, se der certo, a gente vota as coisas que a Dilma quer — disse Lula.
Em almoço com a bancada do PCdoB, após a reunião do diretório, Lula voltou a falar do presidente da Câmara:
— O PT precisa decidir se quer governar o Brasil ou expulsar Eduardo Cunha— disse, segundo participantes.
Lula mostrou-se preocupado com a falta de apoio na Câmara e com as dificuldade de fechar acordos:
— Tem um componente novo que é a força do Eduardo Cunha junto a um conjunto grande de deputados. Ele disse para muita gente que não lidera aquela quantidade de deputados, que eles estão é insatisfeitos com a gente. O dado concreto é que estamos vivendo certa estranheza de comportamento no Congresso.
Três dias após a Polícia Federal fazer operação de busca e apreensão na empresa de seu filho Luis Claudio, Lula ironizou as investigações contra sua família:
— Tenho mais três filhos que não foram denunciados, sete netos e uma nora que está grávida. Porra, não vai terminar nunca isso. E me criaram um problema desgraçado. Disseram que uma nora recebeu R$ 2 milhões. Aí, vão perguntar quem está rico na família. Daqui a pouco, uma nora entra com um processo contra a outra para ter dinheiro repatriado.
Lula admitiu que o partido não vive seu melhor momento, devido ao “bombardeio” sofrido, mas disse que a sigla é como “fênix” e “renasce das cinzas”. Ele afirmou que, apesar das previsões pessimistas, o PT terá bom desempenho nas eleições municipais de 2016:
— Esse partido, sempre que é colocado em xeque, reage como fênix, renasce das cinzas — afirmou.
Lula previu que os próximos três anos serão de “muita pancadaria” contra ele, mas disse que vai “sobreviver”:
— Aprendi com a vida a enfrentar adversidade. Se o objetivo é truncar qualquer perspectiva de futuro, então vão ser três anos de muita pancadaria. E podem ficar certos, eu vou sobreviver — disse, em discurso no Diretório Nacional do PT.
Em público, Lula não repetiu as críticas que têm feito internamente a Levy. Manteve, porém, o discurso de que é preciso aumentar a confiança na economia.
— Temos um problema que se chama confiança. Aumentando a confiança, aumenta a possibilidade de fazer mudanças na economia. Gritam fora, Levy com a mesma facilidade que a gente gritava fora, FMI, e não é a mesma coisa. Mas tem que mudar, tem que voltar a despertar sonho e esperança na sociedade brasileira.
O ex-presidente afirmou que a tarefa principal do PT é recuperar a imagem do partido e de Dilma:
— Não é justo que a Dilma esteja passando o que está passando. Não é justo por ela, pela história dela, pelo caráter dela, pelo que representa para a gente. Em vez de ficar vendo defeito, cada um de nós tem que virar uma Dilma, tem que defender.
O ex-presidente cobrou reação dos petistas aos ataques da oposição:
— Não dá para ficar vendo os caras batendo na gente. Se eu estivesse no pelourinho, minhas costas não tinham mais pele. Estão me jogando de costas para quebrar meu casco.
No almoço com a bancada do PCdoB, Lula defendeu “ousadia” na política econômica e afirmou que as empresas de petróleo e gás envolvidas na Operação Lava-Jato devem fazer acordos de leniência, trocar seus donos e voltar a atuar no mercado, fazendo a economia voltar a rodar. À noite, Lula foi ao Palácio da Alvorada jantar com Dilma.
O PT recuou nas críticas ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy. No encontro do Diretório do partido, o ex-presidente Lula admitiu que a presidente Dilma venceu a eleição com um discurso e depois mudou. -BRASÍLIA- O PT resolveu ontem ficar em cima do muro em relação a temas polêmicos como a condução da política econômica e a sustentação política do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de corrupção. Reunido em Brasília, o Diretório Nacional do partido defendeu mudanças na economia sem pedir a cabeça do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. E não se posicionou em relação à permanência de Cunha no comando da Câmara, embora tenha afirmado, em resolução política, que ele lidera a ala “mais reacionária” da bancada do PMDB e “flerta” com o impeachment.
Na contramão do receituário de Levy, o documento aprovado pelo diretório prega a expansão do mercado interno, ampliação dos investimentos estatais, redução da taxa de juros e aumento da tributação sobre a renda, a riqueza e a propriedade das camadas mais ricas da população. Em discurso feito na reunião, o expresidente Lula defendeu ainda o aumento do crédito para incentivar o consumo.
Para o PT, a mudança na política econômica facilitaria a tarefa de derrotar “a escalada golpista”, isolar a oposição e recuperar a governabilidade, já que agradaria sua base social e sua militância. Essa proposta de resolução política foi aprovada por 47 votos a 26, derrotando texto sugerido pela segunda maior corrente interna, a Mensagem, apoiada por alas mais à esquerda, que defendiam não só a saída de Levy, como a substituição de toda a equipe econômica.
Quanto ao presidente da Câmara, o PT critica o peemedebista por causa da crise política, mas não se posiciona sobre sua permanência no cargo nem sobre como os petistas votarão no Conselho de Ética da Casa no processo contra Cunha. Lula e a corrente majoritária do partido preferiram ganhar tempo, confiando que o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria Geral da República derrubarão Cunha.
“A situação congressual agravou-se também pela preponderância, dentro da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, de sua ala mais reacionária, capitaneada pelo deputado Eduardo Cunha. Depois de conquistada a presidência da Casa, o parlamentar rapidamente pactuou com o bloco PSDBDEM-PPS e assumiu a liderança de uma agenda para contrarreformas, além de flertar com o impeachment presidencial”.
O texto apresentado pela Mensagem, que foi derrotado, afirmava que há provas contra Cunha que justificam a cassação de seu mandato. Foi retirado do texto parágrafo que afirmava que a composição de um Ministério “com maior peso das agremiações de centro” e o ajuste fiscal provocaram “tensões e divisões nas fileiras populares”. Ainda segundo o PT, a queda de popularidade do governo dificultou a manutenção da base parlamentar depois da posse.