Governo quer manter ações preferenciais para estatais

Raquel Ulhôa 

13/10/2015

O governo quer retirar do projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais, prestes a ser votado no Senado, a obrigatoriedade de, em até dez anos, todo o capital social das sociedades de economia mista ser composto exclusivamente por ações ordinárias - cujos detentores têm direito de votar nas assembleias da empresa. A administração federal quer preservar as ações preferenciais existentes e apenas proibir a emissão de novas. Este é praticamente o único ponto pendente na negociação entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento com o relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Para o tucano, essa é uma regra importante para estabelecer normas de governança para o setor à semelhança das grandes empresas privadas. "No mundo inteiro está acabando a diferença entre acionistas. É considerado um truque ter uma ação com direito a voto e outra sem. Por exemplo, os milhões de brasileiros que têm ações na Petrobras não têm direito a voto. No caso do Banco do Brasil, a mesma coisa. É uma norma internacional tornar todos os acionistas iguais. Todos têm os mesmos direitos e os mesmos deveres", diz o senador.

Tasso quer manter o texto aprovado na comissão especial - onde o relator foi o deputado Arthur Maia (SD-BA) -, que determina a conversão das ações preferenciais em ordinárias num período de transição de dez anos. Pelo projeto, fica vedada a emissão de novas ações preferenciais, que não dão ao acionista direito de voto, sendo que as existentes só podem ser mantidas até o fim desse prazo.

Outra regra prevista na Lei de Responsabilidade das Estatais é que em dois anos, as sociedades de economia mista tenham de colocar no mercado pelo menos 25% de suas ações. Segundo o relator, o novo estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, da União, dos Estados e dos municípios, "dará mais transparência e profissionalismo na gestão das empresas estatais, mas não vai evitar a corrupção".

O projeto está dividido em duas partes: uma trata da governança e a outra, de normas de licitações e contratos. Há critérios rígidos para a nomeação de diretores, como dez anos de experiência na área e experiência comprovada em gestão no nível superior.

É vedada a participação em conselho de administração de ministros, secretários-executivos e servidores que ocupem cargos de direção e assessoramento superiores (DAS), se não for de carreira. Uma pessoa pode participar no máximo de dois conselhos, mas ser remunerado apenas por um. Também é prevista a instituição de 20% de membros independentes no conselho, sem qualquer vínculo com empresa pública ou sociedade de economia mista e não ter parente no governo, entre outras coisas.

A nova Lei de Responsabilidade das Estatais, caso seja aprovada como proposta, vai limitar as despesas com publicidade e patrocínio, em cada exercício, a 0,5% da receita bruta do ano anterior e a 35% das despesas aplicadas em pesquisa e desenvolvimento no exercício anterior. Veda a essas empresas realizar, em ano de eleição, despesas com publicidade que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.

Empresário e controlador de um dos maiores grupos privados do país, a holding Calila -com participação nos setores de shopping center, bebida e comunicação, entre outros-, Tasso presidiu a comissão especial do Congresso que aprovou a proposta e é também o relator no Senado, onde será votada primeiro. O projeto de Lei de Responsabilidade das Estatais faz parte da Agenda Brasil, relação de medidas apresentada pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), como saída para a crise. Tramita em regime de urgência e está pronta para ser votada.

O senador Paulo Paim (PT-RS) pediu a retirada da urgência porque acredita que ele servirá para privatizar o patrimônio público. Mas, segundo o líder do governo, Delcídio Amaral (PT-MS), a urgência está mantida e a votação deve ser realizada em novembro. Os pontos sobre os quais não houver consenso serão decididos no voto.

"No mérito, o governo concorda que a gente pode qualificar mais a governança. Agora, tem alguns detalhes [a negociar], como a obrigatoriedade de acabar com as ações preferenciais. Isso não dá pra fazer. Mas pode estabelecer que daqui para a frente não emite mais preferenciais. Naturalmente, vai reacomodando", afirma Delcídio.

Outro ponto do projeto destacado por Tasso é a necessidade de existência de uma diretoria de "compliance", para acompanhar o cumprimento das normas legais e éticas, e a obrigatoriedade de divulgar uma carta pública anual explicitando os objetivos de políticas públicas a serem perseguidos e os recursos necessários, inclusive com sua origem. Na parte de compras e licitações, o projeto faz uma "adaptação" do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) - criado para ser adotado nas obras para a Copa do Mundo e hoje já ampliado para outros setores-, criando o sistema de "contratação semi-integrada", por meio da qual o próprio governo terá que apresentar o projeto básico.

Valor econômico, v. 16 , n. 3860, 13/10/2015. Política, p. A5