Correio Braziliense, n. 19.118, 29/09/2015. Política, p. 2

Na ONU, Dilma tenta justificar o ajuste

Na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, Dilma foi a primeira chefe de Estado a discursar a rebateu as críticas da oposição, de aliados e de movimentos sociais em relação às medidas da equipe econômica

A presidente Dilma Rousseff aproveitou o palanque mundial montado na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, para defender as medidas do ajuste fiscal implementadas por ela. No momento em que o governo tem sido fortemente questionado pela oposição, aliados, movimentos sociais e até petistas sobre o remédio amargo adotado pela equipe econômica, Dilma garantiu que o país está reequilibrando o Orçamento e reduzindo os gastos. "Propusemos cortes drásticos de despesas e redefinimos nossas receitas", disse ela.

Ainda que de maneira tímida, Dilma admitiu que o modelo de crescimento adotado pelos governos petistas nos últimos anos chegou ao limite, tanto por razões fiscais internas quanto externas. Ela ainda tentou defender a política econômica adotada nos últimos seis anos, afirmando que o Brasil buscou evitar os efeitos da crise de 2008. "Por seis anos, adotamos um amplo conjunto de medidas reduzindo imposto, ampliando crédito, reforçando o investimento e o consumo das famílias. Aumentamos os empregos, aumentamos a renda nesse período", enalteceu.

Mas o Brasil acabou sucumbindo ao inexorável abismo. "A lenta recuperação da economia mundial e o fim do superciclo das commodities incidiram negativamente sobre nosso crescimento. A desvalorização cambial e as pressões recessivas produziram inflação e forte queda da arrecadação, levando a restrições nas contas públicas", declarou ela.

Dilma, contudo, empenhou-se em retomar a confiança dos investidores internacionais. No início deste mês, a agência de análise de riscos Standard & Poor's rebaixou o grau de investimento do Brasil, tirando do país o selo de bom pagador. "O Brasil não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais", complementando que o país vem reduzindo gastos de custeios e até investimentos públicos no esforço para reequilibrar as contas.

"Todas essas iniciativas visam reorganizar o quadro fiscal, reduzir a inflação, consolidar a estabilidade macroeconômica, aumentar a confiança na economia e garantir a retomada do crescimento com distribuição de renda." Mesmo com as sucessivas revisões para baixo do Produto Interno Bruto neste ano e no próximo, Dilma assegurou que a economia brasileira é "mais forte, sólida e resiliente do que há alguns anos", o que oferece condições para que o país supere as atuais dificuldades e avance na trilha do desenvolvimento.

"Estamos num momento de transição para um novo ciclo de expansão mais profundo, mais sólido e mais duradouro. Além das ações de reequilíbrio fiscal e financeiro, de estímulo às exportações, adotamos medidas de incentivo ao investimento em infraestrutura e energia." Dilma já havia destacado o pacote de concessões em infraestrutura em palestra feita a investidores americanos durante viagem aos Estados Unidos em julho. "Essas são as bases para este novo ciclo de crescimento e desenvolvimento, baseado no aumento da produtividade e na geração de mais oportunidades de investimento para empresas e de empregos para os cidadãos", destacou.

Corrupção
Dilma também explorou, em seu discurso, outra questão responsável pela estagnação do Brasil - a crise política e os sucessivos escândalos de corrupção que corroem a imagem do governo petista. Segundo ela, todos os avanços conquistados nos últimos anos foram possíveis pelo aprofundamento da democracia brasileira. "Graças à plena vigência da legalidade e ao vigor das instituições democráticas, o funcionamento do Estado tem sido escrutinado de forma firme e imparcial pelos poderes e organismos públicos encarregados de fiscalizar, investigar e punir desvios e crimes", disse ela.

Em um momento em que se discute abertamente a perda de status de ministério da Controladoria-Geral da União (CGU) - leia mais na página 3 -, Dilma assegurou que o "governo e a sociedade brasileiros não toleram e não tolerarão a corrupção. A democracia brasileira se fortalece quando a autoridade assume o limite da lei como o seu próprio limite", garantiu.

Por fim, a presidente defendeu a civilidade no debate de ideias e uma imprensa livre com direito à opinião. "Queremos um país em que os governantes se comportem rigorosamente segundo suas atribuições, sem ceder a excessos. Em que os juízes julguem com liberdade e imparcialidade, sem pressões de qualquer natureza e desligados de paixões político-partidárias, jamais transigindo com a presunção da inocência de quaisquer cidadãos", disse ela.

Críticas
No instante em que a presidente Dilma Rousseff defendia, na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, o pacote fiscal que será enviado pelo governo ao Congresso, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, lançava um documento em São Paulo com duras críticas às propostas. "A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e dos fundos de investimento", diz o documento.

A Fundação Perseu Abramo é presidida por Marcio Pocchmann, economista com livre trânsito no PT, ligado diretamente ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O texto é ainda mais ácido em outros pontos. "Eles (os bancos e os fundos de investimento) querem capturar o Estado e submetê-lo ao seu estrito controle, privatizar bens públicos, apropriar-se da receita pública, baratear o custo da mão de obra e fazer regredir o sistema de proteção social", acusa a fundação presidida por Pocchmann.

Setores do PT manifestaram apoio expresso ao documento. É o caso, por exemplo, dos integrantes da Mensagem ao Partido, que tem, como principais expoentes, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro. "O documento contempla várias posições minhas anunciadas ao longo desta crise", justificou o petista.

Para o economista e professor da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo, o objetivo do documento lançado pela Fundação Perseu Abramo, centro de estudos criado e mantido pelo PT, é criar o clima "social e político" para mudança da atual política econômica do governo Dilma Rousseff.

Entre as críticas à atual condução da economia, Belluzzo avaliou que não se pode subir juros quando se está fazendo ajuste fiscal. Também criticou as metas fiscais estabelecidas pela equipe econômica. Na avaliação dele, não é possível tentar obter superavit primário com a economia desacelerando. Segundo ele, o clima de pessimismo que se instaurou na economia fez a recessão atual se aprofundar.

"A lógica que preside a condução do ajuste é a defesa dos interesses dos grandes bancos e dos fundos de investimento"
Trecho de documento com críticas ao ajuste fiscal divulgado pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT