Riscos de uma grande mudança climática

Carlos Nobre e David King

01/10/2015

Você embarcaria em um avião se soubesse que ele tem uma chance em 10 de cair? Se recusaria a começar uma dieta se ouvisse do médico que seu risco de enfartar em um futuro próximo é de um em 50? Desistiria de um seguro residencial se as chances de um incêndio fossem de uma em mil ou até menores?

A resposta para todas essas perguntas parece óbvia - e de fato é. Ao pensar em riscos, os seres humanos tomam decisões de forma correta e racional. Nós ficamos felizes em pagar por um seguro que jamais será usado, porque sabemos que não conseguiríamos arcar com os danos de um incêndio em nossa casa.

Precisamos de um raciocínio similar para avaliarmos os riscos das mudanças climáticas e então agir. A ciência afirma com veemência que a concentração de dióxido de carbono (C02) na atmosfera deve ser menor que 350 partes por milhão, se a humanidade desejar viver de forma segura. Atualmente estamos nos aproximando de 400 partes por milhão. Já sabemos que estamos encarando de forma severa os riscos e a imprevisibilidade dos impactos climáticos e, mesmo assim, a mudança na nossa trajetória de emissões tem sido modesta. Nosso lar está quase em chamas e seguimos relutantes em pagar por um seguro.

A avaliação de riscos deve ser feita sistematicamente e atualizada regularmente, e alcançar as esferas mais altas dos governos. Enquanto isso, minimizar riscos significa influenciar a formulação de políticas que deem prioridade à mitigação das emissões

Nós, cientistas, temos parte da culpa. A maioria das pesquisas relativas aos impactos das mudanças climáticas foca no que poderia acontecer em níveis baixos de aumento da temperatura - como no limite de 2° C previsto pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). E, mesmo aqui, fala-se de mudanças no futuro que, embora sérias, são graduais.

Os impactos das altas temperaturas advindas das mudanças climáticas têm o potencial de gerar catástrofes mundiais, mas como as probabilidades desses impactos - pelo menos a curto prazo - ainda são baixas, os cientistas e tomadores de decisão acabam deixando-as de lado. Os políticos geralmente precisam de uma avaliação completa dos riscos impostos pelas mudanças climáticas antes de decidirem sobre prioridades de mitigação e adaptação. E costumam desprezar questões que tenham alto nível de incerteza. Contudo, as incertezas cortam dos dois lados e não estão atuando a nosso favor nas alterações no clima.

Nossos padrões de emissão de dióxido de carbono estão nos aproximando de 3° C a 7° C em termos de aquecimento global. Enquanto o tempo passa e falhamos em mitigar nossas emissões, a probabilidade de altos graus de temperatura aumenta. Mesmo que limitemos o total de emissões para sempre em 1 bilhão de toneladas de CO2, o "orçamento seguro de carbono" estabelecido pelo IPCC em seu 5º Relatório de Avaliação, ainda há uma chance de 40% do aquecimento global ultrapassar o limite de 2° C, considerado seguro.

De que riscos climáticos estamos falando? Um exemplo bem conhecido é o aumento catastrófico dos níveis do mar por conta do colapso dos mantos de gelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental. Essas áreas de gelo equivalem entre 7 e 10 metros de aumento do nível do mar. No passado, com 2° C a mais de aquecimento global, estes mantos de gelos se desintegraram com facilidade e o mesmo pode voltar a acontecer. Ainda é incerto quando isso se dará. Pode ser em séculos ou em um milênio, mas é muito provável que aconteça, caso o planeta aqueça entre 2° C e 3° C. Esse grande aumento nos níveis do mar poderia alterar completamente nossas zonas costeiras. Cidades litorâneas como o Rio de Janeiro e Recife seriam profundamente afetadas.

Os aumentos nos níveis do mar são, entretanto, apenas um fragmento dessa história. Alguns modelos já projetam um aumento de 5° C a 6° C até a metade do século XXI com a manutenção dos atuais padrões de emissão global. Em algumas regiões do país isto trará graves impactos: da disponibilidade de água à geração de energia em usinas hidrelétricas e à produção agrícola, tudo poderá sofrer com impactos negativos e, portanto, comprometer o esperado papel do Brasil de tornar-se um dos maiores fornecedores de comida para o mundo no século XXI. Há também enormes riscos de extinção de espécies da extraordinária biodiversidade brasileira.

É claro que os seres humanos se adaptam, e terão que fazê-lo com mais frequência. Mas existem limites para nosso poder de adaptação, como por exemplo com respeito à saúde: a fisiologia humana nos impõe restrições e 7° C de aquecimento serão, sem dúvida, suficientes para trazer riscos a populações em diversas partes do Brasil. Ondas de calor podem ser tão severas a ponto de tornarem-se fatais para qualquer um sem ar-condicionado, mesmo que esteja em repouso e na sombra. O crescimento do número desses eventos extremos, como ondas de calor e inundações, seria somado a obstáculos de desenvolvimento que o país ainda deve superar. O custo de um incêndio como este em nossa casa seria inviável.

As mudanças climáticas precisam ser compreendidas pelos formuladores de políticas como uma questão de gestão de riscos. A avaliação de riscos deve ser feita sistematicamente e atualizada regularmente, bem como alcançar as esferas mais altas dos governos. Enquanto isso, minimizar riscos significa influenciar de forma rígida e urgente a formulação de políticas que priorizem a mitigação das emissões. Já que somos uma sociedade consciente, melhor contratarmos logo aquele seguro.

Valor econômico, v. 16 , n. 3862, 01/15/2015. Opinião, p. A11