Reforma dará mais poder a BC e CVM

Juliano Basile e Leandra Peres 

02/10/2015

O Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terão poder para fazer acordos de leniência com pessoas e empresas que ajudem em investigações de fraudes no sistema financeiro. A autorização é um dos principais pontos da Medida Provisória para aumentar o poder dos órgãos reguladores nas disputas administrativas com o mercado financeiro, que está na Casa Civil. O teto das multas que poderão ser aplicadas pelos órgãos supervisores também aumenta. No caso do BC, sairá de R$ 250 mil para até R$ 2 bilhões. Na CVM, a autarquia já pode impor penas de até três vezes o montante da vantagem econômica obtida por quem praticar alguma irregularidade e, com a edição da MP, poderá acrescer a essa punição uma multa de até R$ 500 milhões.

Uma outra mudança importante é acabar com o efeito suspensivo das punições aplicadas ao mercado quando a instituição suspeita de irregularidade recorre ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido como Conselhinho. Além disso, o BC passará a ter poderes para assinar termos de ajustamento de condutas com bancos antes da formalização de processos administrativos. Há também, no texto que está na Casa Civil, a criação de uma espécie de medida cautelar, que permitirá a aplicação de multa diária de até R$ 100 mil em casos de descumprimento das ordens dos órgãos supervisores.

"É preciso aperfeiçoar as regras e adequar a padrões mais modernos. Atualmente, as ferramentas que os supervisores têm são muito pequenas e não surtem efeito ou estão no outro extremo, onde a liquidação é a morte da instituição", disse uma autoridade do governo ao Valor.

Pelas regras atuais, não há aplicação da pena até o julgamento final no Conselhinho. A MP vai acabar com a concessão automática deste benefício. O administrador ou companhia punidos teriam que fazer um pedido à autoridade supervisora, que julgará a questão com base em critérios definidos na lei. A ideia é que as punições aplicadas tenham efeito em prazo muito mais curto, pois a avaliação do governo é que o modelo atual enfraquece a ação dos órgãos supervisores.

A MP, que vai alterar basicamente o que se conhece como sistema coercitivo legal da Lei do Sistema Financeiro, de 1964, criará a possibilidade de o BC assinar termos de ajustamento de condutas (TAC) com bancos e instituições financeiras para a correção de desvios em prazos mais curtos. Hoje, qualquer exigência dos reguladores tem que ser feita por meio de processo administrativo, mais custoso e mais demorado. Um TAC permitirá a adesão voluntária da instituição financeira, sem uma punição aplicada. Caso haja desvios do plano combinado, o órgão regulador abriria então um processo administrativo formal. As multas aplicadas no TAC serão destinadas a um Fundo de Desenvolvimento do Sistema Financeiro Nacional, que serão gerenciados pelo BC e pela CVM.

Os acordos de leniência estarão restritos apenas à esfera administrativa. Ou seja, os colaboradores poderão ter penas menores nas punições aplicadas pelo BC e CVM. Mas o governo enviará ao Congresso Nacional um outro projeto de lei em que haverá a previsão de que os colaboradores possam também ter redução nas penas de processos na Justiça.

Um dos objetivos da MP é o de garantir que as instituições envolvidas em irregularidades cumpram as determinações impostas pelo BC e pela CVM. Nesse sentido, será prevista a imposição de multa diária de até R$ 100 mil quando houver descumprimento das determinações dos órgãos. Atualmente, a CVM cobra apenas R$ 5 mil nesses casos. Essa medida se assemelha ao que já existe no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que aplica penas diárias a empresas que descumprem as suas determinações.

O governo também quer separar o julgamento de assuntos do BC, daqueles da CVM. Para isso propõe a criação de um Conselho de Recursos do Mercado de Valores Mobiliários - um Conselhinho na CVM. Os integrantes de ambos os tribunais passarão a receber uma gratificação pela participação nas reuniões do colegiado.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central já deram aval às medidas, inclusive a de permitir os acordo de leniência o que, na avaliação desses órgãos, garantirá provas mais robustas em investigações de atividades ilícitas, como cartéis.

As mudanças propostas na legislação foram feitas após o diagnóstico de que há necessidade de atualizar as ferramentas de investigações e também de tornar mais rápidas e eficientes as apurações de fraudes. Em muitos casos, o governo avalia que as punições aplicadas não funcionam como um elemento de coerção e instituições financeiras acabam vendo vantagens em correr o risco já que as penas são consideradas baixas. Por isso, o governo decidiu ampliar as alternativas de aplicações de multas e penalidades.

Valor econômico, v. 16 , n. 3854, 02/10/2015. Finanças, p. C1