Levy vai negociar cronograma para pagamento de pedaladas

 

EDUARDO BRESCIANI, MARTHA BECK E CRISTIANE JUNGBLUT

O globo, n. 30039, 04//11/2015. Economia, p. 20

 

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai negociar pessoalmente com o Tribunal de Contas da União (TCU) um cronograma para o pagamento das pedaladas fiscais (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro Nacional para bancos públicos). Ele pediu uma reunião para tratar do assunto com os ministros José Múcio, relator do processo das pedaladas, e Vital do Rêgo, que relata o recurso apresentado pelo governo, que deve acontecer esta semana. Em outra frente, Levy se reuniu ontem com integrantes da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e se comprometeu a enviar aos parlamentares, nos próximos dias, um cronograma com o detalhamento desses débitos e os prazos de pagamento. Isso deve ocorrer após a negociação com o TCU.

UESLEI MARCELINO/REUTERSConciliatório. Atuação do TCU “não deve ser vista como ameaça a gestores”

Ao GLOBO, Múcio disse que, em abril, quando a Corte condenou as pedaladas por entender que se tratava de operações vedadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ele já havia sugerido o parcelamento do débito. Segundo o ministro, não há objeção da área técnica do TCU para que a regularização seja feita dessa forma:

— Nós não podemos dizer para o governo que tem de pagar tudo agora. Sugerimos que o governo nos mande uma proposta para que possamos construir um entendimento — disse Múcio.

Na área econômica, há a expectativa de que outros ministros do TCU também aceitem que o pagamento das pedaladas, estimado pelo Tesouro em R$ 50 bilhões, seja feito ao longo do tempo. Caso todo esse passivo tenha de ser quitado em 2015, o rombo das contas públicas poderá chegar a R$ 110 bilhões, ou 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo integrantes do governo, os ministros da Corte têm uma preocupação com o efeito que um déficit primário dessa magnitude poderia ter sobre o mercado financeiro.

Múcio afirmou ainda que, por já ter aprovado a rejeição das contas da presidente Dilma Rousseff em 2014 e condenado as pedaladas de forma definitiva, o TCU não tem mais o que decidir sobre o tema, e sim sobre suas consequências:

— No momento em que foi aprovado o relatório do ministro Augusto Nardes (sobre as contas de 2014), já está confirmado que “morreu”. Agora cabe-nos definir quem matou e o que fazer com o corpo.

PARTE FICARÁ PARA 2016

Segundo parlamentares da CMO que participaram do encontro com Levy, o ministro disse que o governo pretende fazer alguns pagamentos em 2015 e jogar outros para 2016. Uma das possibilidades é o governo quitar, por exemplo, uma taxa administrativa de R$ 2 bilhões que tem com a Caixa.

— Éa Comissão que vai definir, dentro do projeto da meta fiscal, a forma de pagamento das pedaladas. Precisamos conhecer o posicionamento do TCU e a contabilidade detalhada do governo destas pedaladas. E o ministro prometeu enviar essa contabilidade — disse a presidente da CMO, Rose de Freitas (PMDB-ES).

Nas discussões dentro do governo sobre o pagamento das pedaladas, a Fazenda sempre defendeu que a fatura fosse paga em parcelas. Já o Planejamento queria resolver a questão de uma só vez. O argumento era que isso “limparia o caminho à frente”.

O relator da proposta que altera a meta fiscal de 2015 apresentou na semana passada seu parecer fixando a possibilidade de o governo abater do resultado até R$ 55 bilhões com as pedaladas. Sua proposta era dar uma margem adicional para a equipe econômica acomodar esses gastos. Assim, na prática, há margem para que o rombo deste ano fique ainda maior: R$ 115 bilhões, ou 2% do PIB.

Mais cedo, após participar de seminário no TCU, Levy falou sobre mudanças na atuação de Tribunais de Contas:

— (A atuação do TCU) não deve ser vista como ameaça aos gestores públicos, mas sim como oportunidade, uma vez que ações desse tipo auxiliam e ensejam o aprimoramento da administração pública.

 

Economistas veem inflação a 10% este ano

 

GABRIELA VALENTE

 

Após o Banco Central (BC) abandonar o compromisso de levar a inflação para o centro da meta em 2016, o mercado financeiro piorou as expectativas para o controle de preços no Brasil. O grupo de economistas consultados para o boletim Focus que mais acerta as apostas, o chamado “Top 5”, prevê inflação de dois dígitos este ano, o que não acontecia desde 2002. Na visão geral, o índice só atingirá o centro da meta, de 4,5%, em 2019. Segundo a pesquisa semanal do BC, a estimativa para o IPCA, o índice oficial de inflação, este ano subiu de 9,85% para 9,91%, a sétima deterioração consecutiva. Para o “Top 5”, o IPCA ficará em 10,03%. Até a semana passada, o esperado era 9,95%.

REMÉDIO AMARGO PARA INFLAÇÃO

Para 2016, o “Top 5” vê uma inflação resistente, em 7,33%. O boletim mostra que este grupo está um pouco mais pessimista que as demais instituições. Na mediana, os economistas esperam um IPCA de 6,29% para o próximo ano, contra 6,22% na semana passada.

Pesa nas estimativas a avaliação de que o tarifaço deste ano terá impacto bem maior na inflação do que o projetado anteriormente. Só em 2015, a inflação dos preços administrados (como água e energia) deve ser de 16,5%. O percentual foi revisado após o BC projetar um aumento de mais de 50% na conta de luz este ano. Em 2016, as tarifas públicas devem ter alta de 6,75%.

O pessimismo contaminou outras projeções. A economia deve encolher 3,05% neste ano (a aposta anterior era de 3,02%) e 1,51% em 2016 (1,43% anteriormente). Esse é um argumento favorável para a convergência da inflação para a meta em 2017: com menos renda e emprego, o brasileiro deve consumir menos, e os empresários não elevarão mais os preços.

— Com a recessão de 1,5% no ano que vem, é possível que haja convergência para a meta em 2017. Serão dois anos de recessão, coisa que não acontece desde a crise dos anos 1930. A inflação será controlada por uma situação terrível. É um efeito positivo de uma situação dramática — afirmou Alcides Leite, professor da Trevisan.