Nas mãos da Câmara

 

JÚNIA GAMA

O globo, n. 30039, 04//11/2015. País, p. 3

 

O relator do processo de cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), instaurado ontem no Conselho de Ética será definido hoje entre três nomes de partidos da base, em que não há adversários convictos do peemedebista. O favorito entre os nomes sorteados ontem é um deputado de primeiro mandato, Fausto Pinato (PRB-SP), que tem boa relação com aliados de Cunha. Os outros dois são Vinícius Gurgel (PR-AP), um aliado muito próximo do presidente da Câmara, e Zé Geraldo (PTPA), cujo partido quer evitar a todo custo confrontos com o peemedebista devido ao temor em relação ao impeachment e à paralisação de votações na Câmara. Apesar das circunstâncias, todos sinalizaram que a representação contra Cunha não deve ser arquivada no parecer preliminar.

JORGE WILLIAMCom fé. Cunha disse não ter preferência entre os três nomes sorteados: “Vou provar que não faltei com a verdade”

Fausto Pinato é apontado como o que teria maiores condições de manter a imparcialidade na análise do processo contra o presidente da Câmara. É ainda visto como “tecnicamente” mais preparado, por ser advogado, membro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e vice-líder do bloco encabeçado pelo PRB. Ele diz ser contra o arquivamento do processo na fase preliminar, como deseja a defesa de Cunha.

— Não estou com opinião 100% formada, mas, diante dos fatos, sou a favor da admissibilidade do processo. Acho que meu nome está sendo colocado porque o PRB é bem imparcial. Tenho amizade com os dois lados — disse ao GLOBO, destacando que, apesar de o PRB ter fechado apoio à eleição de Cunha para a presidência, parte da legenda rachou e deu votos a Arlindo Chinaglia (PT-SP). Em entrevista coletiva, disse não temer a tarefa: — Eu nasci com cordão umbilical no pescoço e nasci roxo. Fiquei 90 dias na UTI lutando pela vida. Sou homem que não temo, porque sempre caminho no caminho da verdade e da transparência.

Deputados que conversaram com o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PSD-BA), dizem que destacou o fato de Pinato pertencer ao mesmo partido e ao mesmo estado de Celso Russomanno (PRB-SP), pré-candidato à prefeitura de São Paulo.

— Ele é do partido e do estado do Russomanno, que lidera sozinho a disputa pela prefeitura de São Paulo. Ele não vai se expor protegendo ninguém. Vai ter postura imparcial — apostou um dos deputados que participa das conversas pela escolha.

DEPUTADO DO PR FEZ CAMPANHA PARA CUNHA

As outras opções são consideradas mais polêmicas. Vinícius Gurgel (PR-AP) é um aliado de Cunha e, para alguns, sua atuação estaria sob suspeita. Vinícius fez campanha para a eleição de Cunha à presidência da Câmara no início do ano e coordenou a eleição do peemedebista junto à bancada do Amapá. Ao GLOBO, afirmou que, antes de decidir sobre a admissibilidade do processo, caso seja escolhido o relator, quer ter acesso à íntegra dos documentos que basearam a denúncia contra Cunha.

— Tem que procurar quem o acusou, a PGR, para ter acesso à íntegra dos documentos. Não dá para fazer nada da minha cabeça, tem que ter fundamentação para acusar ou deixar de acusar, até porque, agora, só o que temos são recortes de jornais. Se os fatos forem verdadeiros, aí tem que seguir em frente com o processo. Mas, pelo que se apresentou até agora, acredito que não tem condições de ser arquivado de início — afirmou Vinícius, dizendo também não se submeter a pressões: — Quem pega pressão é panela. Fácil não é, com certeza, mas quem está na Câmara tem que ter passado pelas urnas, eleito, reeleito e tem que vir preparado.

Já Zé Geraldo, apesar de não ter assinado o requerimento contra Cunha para abrir o processo no Conselho de Ética, declarou há duas semanas achar a situação do peemedebista “insustentável politicamente”. Há um temor de que sua escolha possa contaminar politicamente os trâmites no colegiado por conta da tensa relação entre o governo e Cunha. Há pressão por parte da cúpula petista para que a bancada do partido não entre em confronto direto com Cunha para não atrapalhar a votação de matérias econômicas para o governo e para evitar o risco de impeachment. Até mesmo o ex-presidente Lula entrou em campo para pedir que o PT priorize a aprovação do ajuste fiscal em vez de derrubar Cunha.

Depois do sorteio, Zé Geraldo disse ver “indícios fortes” contra Cunha, mas demonstrou pouca vontade em assumir a função:

— Se o relator não for do PT, a visibilidade e as pressões serão menores. E, pressão, o PT já tem demais.

Mais tarde, completou:

— Em determinados momentos, você precisa agir como membro de uma comissão de ética. E, se for sorteado, agirei assim, sendo um relator de um processo que eu sei que talvez seja o maior processo da história desse poder.

Em entrevista ontem, Cunha disse não ter preferência por um dos nomes sorteados e que não definiu se irá ao conselho falar sobre o caso, como fez na CPI da Petrobras, onde declarou não ter contas além das declaradas em seu imposto de renda:

— Vou provar que não faltei com a verdade. Está se questionando uma suposta quebra de decoro em que eu teria faltado com a verdade, o que não ocorreu.

Aliado de primeira hora de Cunha e investigado pelo Supremo por desvio de dinheiro do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o deputado Paulinho da Força (SDDSP) passará a integrar o Conselho de Ética no lugar de Waldimir Costa (SDD-PA), que irá renunciar à sua vaga devido a problemas de saúde. Ao GLOBO, Paulinho afirmou que acompanhará de perto duas questões: o processo contra Cunha e o que representou contra Chico Alencar (PSOL-RJ).

— Estou querendo ir para o conselho. Como meu partido entrou com um requerimento contra o Chico Alencar e ele fica mentindo, comigo lá ele não vai conseguir ficar mentindo muito. Aproveito e resolvo duas coisas de uma vez só.

O conselho instaurou dois outros processos, contra Alberto Fraga (DEM-DF) e Roberto Freire (PPS-PE), que foram apresentados em maio, mas retidos pela Mesa. A líder do PCdoB, Jandira Feghali (RJ), cujo partido é autor das duas representações, disse que o envio agora “é uma tentativa de fazer confusão em relação ao julgamento principal, que é o do presidente da Câmara”.

 

Apesar de negar contas, Cunha volta a pedir ao STF sigilo de inquérito

 

CAROLINA BRÍGIDO

 

O Conselho de Ética abriu processo que pode cassar o mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, suspeito de mentir sobre contas na Suíça. O relator será escolhido entre três: Fausto Pinato (PRB-SP), Vinícius Gurgel (PR-AP) e Zé Geraldo (PTPA). Cunha disse que provará não ter mentido. -BRASÍLIA- A defesa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal pedindo novamente que seja decretado sigilo do inquérito ao qual responde na corte sobre contas bancárias na Suíça. No último dia 21, o relator da Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki, negou esse pedido feito pelos advogados. Agora, o recurso deverá ser julgado pelo plenário do STF, composto por onze ministros.

As três opções. José Carlos Araújo (PSD), presidente do Conselho de Ética (de cabelos brancos), ao lado dos deputados sorteados ontem

Comandada pelo advogado Antonio Fernando de Souza, exprocurador-geral da República, a defesa argumentou que os documentos que compõem o inquérito representam indevida exposição dos investigados. “Nos autos foram juntados diversos documentos que dizem respeito a dados bancários e fiscais, seja de terceiros seja do requerente, os quais são protegidos pela cláusula constitucional do direito à intimidade, nos termos da pacífica jurisprudência do Supremo”, diz a defesa.

Entre os documentos, está um relatório produzido pelo Ministério Público Federal com dados sobre contas de Cunha e a mulher, Cláudia Cruz, na Suíça. A defesa diz que as informações são falsas, mas, ainda assim, têm de ficar em sigilo. “Embora inverídicos os termos utilizados na ementa de referido documento, é certo que o seu conteúdo se refere a dados bancários que, como sabido, ostentam grau de sigilo garantido constitucionalmente”, disse o recurso.

O inquérito também contém declaração de Imposto de Renda de Cunha, que, segundo a defesa, deve ser mantida em sigilo porque “integra o direito constitucional à intimidade”. Os advogados ressaltaram que “a possibilidade de divulgação indiscriminada desses dados representa total desprezo pela garantia constitucional de defesa da privacidade e intimidade”.

No dia 21, Teori discordou dos argumentos e explicou que “a publicidade dos atos processuais é, constitucionalmente, pressuposto de sua validade” e que o “sigilo constitui exceção, só admitida nas situações autorizadas em lei”, que não estão contempladas no caso.

Pela Constituição, um processo pode ser mantido em sigilo quando “a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Para Teori, não há qualquer dessas situações. Os documentos que acompanharam o pedido de abertura de inquérito foram encaminhados pelas autoridades suíças sem a recomendação de sigilo. Não há previsão de quando o pedido será enviado ao plenário do STF.