Contagem regressiva

 

EDUARDO BRESCIANI E EVANDRO ÉBOLI

O globo, n. 30038, 03//11/2015. País, p. 3

 

O processo que poderá levar à cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), será aberto hoje no Conselho de Ética da Casa em clima de confronto. Aliados do peemedebista pretendem rejeitar a admissibilidade da acusação, segundo a qual ele quebrou o decoro ao dizer na CPI da Petrobras que não possuía contas no exterior. Opositores de Cunha prometem recorrer ao plenário da Câmara, caso o Conselho de Ética não dê prosseguimento ao caso. -BRASÍLIA- O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados instaura hoje processo disciplinar que pode levar à cassação do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Enquanto aliados de Cunha trabalham para arquivar o processo na fase preliminar, adversários já preparam estratégia para levar o debate ao plenário da Câmara caso isso ocorra. Na reunião marcada para esta tarde, será feito um sorteio de três integrantes do Conselho. O presidente do colegiado, José Carlos Araújo (PSD-BA), escolherá posteriormente um deles para relatar o caso. O escolhido vai apresentar um parecer preliminar para que o Conselho decida se há motivos para investigar o presidente da Casa por quebra de decoro.

GIVALDO BARBOSA/26-10-2015Antecipação. Apesar de defesa não estar prevista na fase inicial, Cunha irá se pronunciar: “Vou me manifestar, sim”

A representação do PSOL e da Rede contra Cunha aponta que ele mentiu a seus pares ao negar, na CPI da Petrobras, ter contas no exterior. O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu um inquérito no mês passado, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), para apurar crimes de lavagem de dinheiro e corrupção com base em documentação do Ministério Público da Suíça apontando Cunha e sua mulher, Cláudia Cruz, como beneficiários de quatro contas no banco Julius Baer. Contas que teriam sido abastecidas com recursos desviados de contrato com a Petrobras. Além disso, o presidente da Câmara já foi denunciado pela PGR por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo recebimento de propina relativa à contratação de navios-sonda pela estatal.

Os aliados de Cunha, porém, trabalham para encerrar o processo no Conselho ainda na fase preliminar. O parecer apresentado nesta primeira fase vai avaliar se a representação deve ou não ser admitida. Somente se a maioria do Conselho entender que o processo deve seguir adiante é que começarão os depoimentos e demais diligências para coleta de provas. Os opositores de Cunha já falam em recorrer ao plenário da Câmara, caso o Conselho aprove um parecer preliminar pelo arquivamento. O Código de Ética prevê que, para ser levado ao plenário, é necessário que esse recurso tenha o apoio de um décimo dos 513 deputados (51 assinaturas). No plenário, essa votação, se ocorrer, será simbólica, com os favoráveis ou contra Cunha levantando as mãos. Se um dos partidos pedir verificação, aí a votação será nominal, com cada parlamentar se manifestando no painel eletrônico.

O próprio presidente do colegiado disse que assinará o eventual recurso. Como não há previsão de que Cunha se defenda oficialmente nesta fase, ele argumenta que o Conselho não pode encerrar o processo sem ouvir o presidente da Casa:

— Se for rejeitada a admissibilidade, eu assinarei o recurso. Tem que dar a oportunidade ao representado de se defender e provar sua inocência — afirmou Araújo.

Titular no Conselho, Júlio Delgado (PSB-MG) também diz que assinará um eventual pedido de recurso. O deputado do PSB antecipou ao GLOBO que, antes da reunião de hoje, irá se declarar impedido de ser o relator. O próprio presidente já tinha defendido a exclusão de Delgado por ele ter enfrentado Cunha na disputa contra a presidência da Câmara. Mas continuará titular e vai votar no caso.

— Sabendo que uma eventual escolha do meu nome pode levar o presidente Cunha a requerer meu impedimento e protelar ainda mais o processo, vou requerer meu afastamento — disse Delgado.

Apesar de o Código de Ética não prever a apresentação de defesa já nesta fase, o presidente da Câmara afirma que irá se pronunciar.

— Depois de notificado verei o que fazer. E irei me manifestar, sim. Antes do preliminar — afirmou Cunha ao GLOBO, por mensagem de texto.

Presidente do Conselho, José Carlos Araújo afirma que não há previsão de qualquer defesa nesta primeira fase. O Código de Ética prevê que, somente se o processo for adiante, haverá a notificação de Cunha. Araújo disse que deve nomear o relator do caso amanhã.

— Teremos o sorteio e preciso ter pelo menos 24 horas para conversar, para saber qual a disposição deles — afirmou.

O deputado Silvio Costa (PSC-PE), um dos parlamentares mais críticos a Cunha, acha que não há risco de ser rejeitada a admissibilidade, mas diz que, caso isso ocorra, vai liderar o recolhimento de apoios para levar o caso ao plenário:

— Claro que vou recorrer. E não faltarão deputados para assinar. Mas acho que esse risco não se corre de jeito nenhum.

 

Representação contra rivais anda mais rápido

 

JÚNIA GAMA

 

Subordinada ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Secretaria-Geral da Mesa (SGM) reteve durante 21 dias, para conferência de assinaturas, o envio ao primeiro-secretário da Câmara de uma representação por quebra de decoro contra o peemedebista. A comparação com outros processos mostra que o prazo cai consideravelmente quando atinge adversários de Cunha.

A representação contra Cunha, protocolada na Corregedoria em 7 de outubro e enviada à SGM poucos minutos depois, só foi despachada para o gabinete do primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), no dia 28 de outubro, conforme documentos obtidos pelo GLOBO.

Beto foi escolhido para dar um parecer sobre a admissibilidade do processo porque o encarregado original por este tipo de despacho — o presidente da Câmara — fica impedido de deliberar em um caso contra si. Na reunião mais recente da Mesa Diretora, na última quarta-feira, Cunha designou seu aliado, o primeiro vicepresidente da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA), para cuidar do processo. Maranhão repassou o caso a Beto Mansur, também próximo a Cunha.

USO DO PODER DO CARGO

No caso de uma representação contra o deputado Edmilson Rodrigues (PSOLPA), que bateu boca em março deste ano com o então presidente da CPI da Petrobras, Hugo Motta (PMDB-PB) — escolhido por Cunha para a função —, a Secretaria-Geral da Mesa levou apenas 12 dias para despachá-lo à Corregedoria com o parecer pela admissibilidade.

Para Silvio Costa (PSC-PE), vice-líder do governo e protagonista de embates com Cunha, o prazo foi ainda mais curto. Encaminhado à SGM em 5 de agosto, o documento foi devolvido oito dias depois, com o parecer pela admissibilidade. Segundo o deputado, Cunha usa o cargo para se proteger de investigações:

— Esse atraso no processo é um caso típico de abuso da autoridade, porque na SGM, se ele der um telefonema e falar “quero que você veja essas assinaturas hoje” , em uma manhã se faz isso. Isso prova que ele está usando as prerrogativas de presidente para se proteger.

Silvio Costa lembra que, diferentemente do Conselho de Ética, onde Cunha também é alvo de processo, não há prazos para a tramitação de processos na Corregedoria. Quem os define é o presidente.

Edmilson Rodrigues diz ser “revoltante” a diferença no tratamento dos processos e defende que Cunha seja afastado da presidência da Câmara:

— Ele está usando o poder do cargo e a estrutura administrativa em seu favor para tumultuar o processo. Esses dados são a prova maior da excrescência políticoadministrativa que é a permanência do Eduardo na presidência da Câmara. Ele manipula o regimento da Casa, manipula a Constituição e usa a estrutura de um poder de Estado, não só o dinheiro apropriado por ele nas contas da Suíça, para benefício próprio — afirma Edmilson.

Não há data para a próxima reunião da Mesa Diretora, já que cabe a Cunha marcá-la. Uma vez que a Secretaria-Geral da Mesa decida pela admissibilidade do processo, ele é encaminhado para a Corregedoria, que procede às investigações.

Por mensagem, a assessoria de Cunha afirmou que não é o presidente, mas sim a SGM que leva os processos à Mesa e que a comparação com outros casos “leva a equívocos e ilações”.