Financiamento de empresas a campanhas políticas

 

O globo, n. 30038, 03//11/2015. País, p. 4

 

Ilusão e hipocrisia

 

Há uma longa disputa política em torno das fontes de financiamento de campanha, luta próxima de um desfecho com o veto imposto pela presidente Dilma ao projeto aprovado no Congresso prevendo a possibilidade de empresas continuarem a fazer doações. Neste embate, do qual o Supremo participou com o veto a qualquer financiamento de empresas, costuma-se usar um palavrório destinado a explorar o senso comum, meias-verdades: “Empresas não votam, quem vota é o cidadão; as pessoas jurídicas desbalanceiam os pleitos com o seu poder financeiro”, e assim por diante. Tudo balela. Quer-se passar a ideia, irreal, de que o alijamento formal das empresas do financiamento da política será efetivo, e não haverá a volta à larga do caixa dois. Isso quando estão à vista de todos resultados ainda parciais das investigações da Lava-Jato, em que partidos (PT, PP, PMDB), políticos, empreiteiros e os chamados operadores financeiros se utilizam de várias técnicas para desviar, esconder e gastar dinheiro sujo. Toda essa máquina será desativada? Custa crer.

Na verdade, a luta política travada sobre fontes de financiamento eleitoral tem como motivação um plano antigo do PT de instituir o financiamento público integral da política, como passo em direção ao sistema de votação em lista fechada, em que o eleitor vota numa relação de candidatos criada pelo partido. Ou seja, cassa-se o direito do eleitor de escolher quem quiser na urna, e consequentemente se dá poder total aos caciques partidários, os que preencherão as listas. Se eles já são donos dos partidos no atual sistema de votação em lista aberta, imagine-se na lista fechada e guardada em seus bolsos.

O financiamento público integral se encaixa à perfeição ao voto em lista, um ajuda a viabilizar o outro, porque passa a haver um número fixo de candidatos entre os quais o dinheiro do Tesouro será rateado.

As inconveniências são inúmeras. A começar por mais um encargo a ser suportado por um já assoberbado contribuinte, sufocado sob a maior carga tributária entre os países emergentes, uma das mais elevadas do mundo (36% do PIB), acima mesmo de países desenvolvidos.

Não bastasse o Tesouro já sustentar o Fundo Partidário, de R$ 300 milhões, de que se beneficiam mesmo partidos sem votos, e compensar os meios de comunicação, via abatimentos de impostos, pelo custo do dito horário “gratuito”. Uma hipocrisia com o contribuinte.

Para completar o cenário surreal, o partido que mais se bate contra o financiamento de campanha por pessoas jurídicas, o PT, é o que montou, ao lado de legendas da base parlamentar, e com empresas fornecedoras da Petrobras, o maior esquema de corrupção de que se tem notícia na história republicana nacional. Prova de que não falta também nos partidos tecnologia para se aproveitar da era do caixa dois que vem por aí. Por isso, esta é uma questão que um dia terá de ser reaberta. Pois é melhor dar total transparência ao financiamento de empresas do que fingir que elas abandonarão o financiamento da política, onde sempre atuaram. E não deixarão de atuar.

 

Igualdade para todos

 

PAULO TEIXEIRA

 

Ao vetar o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e partidos políticos, a presidente Dilma Rousseff demonstrou profundo respeito à democracia, à Constituição e às decisões tomadas anteriormente no STF e no Senado.

O fim do financiamento empresarial é bandeira antiga da sociedade. Em julho, uma pesquisa realizada pelo DataFolha, por iniciativa da OAB, mostrou que três em cada quatro brasileiros rejeitam as doações eleitorais de empresas. Para 79%, elas estimulam a corrupção.

Nos últimos meses, um axioma foi muito repetido pelos que percebem os efeitos nocivos dessas doações: “Empresa não vota, investe.” De fato, o que se sucede a cada dois anos é um círculo vicioso perverso. Empresas fazem apostas, escolhem seus donatários como quem opta por um fundo de investimento e, muitas vezes, cobram a fatura ao longo dos quatro anos seguintes. Por melhor que seja a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República, não se elimina a corrupção sem mexer na raiz do problema. E há indícios palpáveis de que as doações empresariais sejam a origem da maioria dos malfeitos. O combate à corrupção é um dos muitos efeitos positivos do fim do financiamento empresarial. Há outros. Talvez o mais importante seja preservar a isonomia no processo eleitoral. Em 2014, apenas 3% dos candidatos a deputado federal que arrecadaram menos de R$ 500 mil foram eleitos. Já a taxa de aproveitamento dos candidatos que arrecadaram mais de R$ 5 milhões foi de 100%. Sem o capital das empresas, essa distância não seria tão grande.

Por que isso é importante? Em primeiro lugar, porque torna mais equilibrada a disputa eleitoral, coibindo a concorrência desleal entre setores beneficiados pelo poder econômico e setores mais identificados com as minorias e os trabalhadores. Quantos são, hoje, os indígenas com assento no Legislativo? Quantos são os lavradores, os metalúrgicos?

A proibição do financiamento empresarial também pode melhorar a qualidade da representação. “Todo poder emana do povo, e empresas não são o povo”, lembrou a ministra Cármen Lúcia, citando o artigo 1º da Constituição ao proferir seu voto no STF. Rosa Weber, por sua vez, recorreu ao artigo 14, parágrafo 9º, para lembrar que é preciso proteger “a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”. Os políticos devem ser sempre representantes do povo, e não das empresas que os patrocinam. É este o prognóstico positivo para as próximas eleições. Graças ao fim do financiamento empresarial, a intermediação do poder econômico cederá espaço à mediação direta entre candidato e eleitor, com diálogo, propostas, transparência. Resgatar a qualidade da relação entre representante e representado fará um bem enorme ao Brasil. Inclusive às empresas.